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Flavia Azevedo
Publicado em 17 de julho de 2019 às 14:41
- Atualizado há um ano
Nesta segunda-feira, foi anunciado o suicídio da moça cujo noivo desistiu do casamento. Parece que foi na véspera e ela, mesmo assim, fez a festa e casou "com ela mesma". Postou fotos e vídeos nas redes e muita gente achou bacana. Outras gentes odiaram e destilaram seus ódios como todo mundo (principalmente quem vive de opinião pública) já devia saber que acontece. Dia seguinte, a moça despencou do prédio e todos culparam o noivo que desistiu de casar assim como as pessoas que foram odiar o post da garota que havia identificado no "autocasamento" uma tentativa de lidar com aquela baita rejeição.
A platéia evoca conceitos como "responsabilidade emocional" para condenar o ex-noivo. Pessoas duvidam de que ele esteja triste, conforme postou nas redes sociais. Outra parte da platéia execra os execradores, odeia os odiadores e os condena como se já não vivessem em pena máxima: essa existenciazinha de merda, esse vício no gozo de desqualificar outros humanos. Assim, nesse episódio - cheios de boas intenções - mais uma vez nos convencemos de que o problema vem apenas do outro, de fora, do olhar do vizinho. Uma crença tão generalizada quanto ingênua.
O noivo de @sejjesincera tinha o direito de desistir de casar. Na véspera, inclusive. No dia. Na hora. Por descobrir algo que o fez mudar de ideia, por sentir que não estava fazendo a coisa certa, pelo motivo que achasse suficiente. E esse foi o sintoma, a atuação, a viagem dele. Da mesma maneira, eu tenho o direito de interromper uma história que começou a me incomodar. Podem me dispensar, pelo mesmo motivo ou outro qualquer. A vida é assim. Você também pode (e deve) dizer todos os nãos que precisar. Por outro lado, odiadores sempre estarão aí. Eu tenho os meus, você tem os seus, sempre em número proporcional à visibilidade de cada um. Aos meus, reservo absolutamente nada do meu tempo, zero da minha atenção. Em nome da minha saúde e alegria, aprendi a lidar assim.
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(Ou com a força da justiça, quando limites legais são ultrapassados. Isso, sem qualquer emoção)
Diga que o noivo foi covarde, babaca, sádico e pode ser que você tenha razão. Rogue as Sete Pragas aos odiadores e eu vou entender. Mas não há qualquer lógica - a não ser a nossa incompetência e fuga da realidade - na ligação entre a atuação do noivo e dos odiadores ao suicídio da garota. Se ela de fato se jogou, @sejjesincera morreu dela mesma, do que fez com suas rejeições, dos próprios transtornos também expostos nas redes sociais. Se aquela moça se matou, foi porque lhe faltaram instrumentos para continuar a viver a vida, exatamente como ela é. Mesmo medicada. Mesmo em tratamento. Mesmo com os amigos e milhares de pessoas que achavam ela o máximo. Não eram só os odiadores que estavam ali.
Nas mortes naturais há uma paz, apesar de. As trágicas são bem difíceis de digerir. No entanto, em geral há "culpados" e a busca pela justiça ocupa quem fica, há um caminho lógico para o sentimento seguir. O suicídio subverte, dá nó em nossas cabeças. Ao ver quem amamos ocupar, ao mesmo tempo, os lugares de "vítima" e "assassino", o que sentir? Um dilema dolorido e interminável que, desesperadamente, tentamos solucionar. Mesmo quando à distância, como se criando uma solução para todos os suicídios passados, presentes e futuros. "Foi o outro!", afirmamos. O amigo que não atendeu a ligação, a mãe que não foi atenta, a mulher que pediu separação, o marido que traiu, o chefe que demitiu, o que for. Assim, dissociamos "vítima" e "assassino" e ainda nos convencemos de que agindo bem, sendo bacanas, oferecendo o ombro, estando presentes, podemos garantir que as pessoas que amamamos sempre escolham viver. Nada mais fantasioso, amizade.
Amar e ser amado ajuda, claro. Medicar, assumir, tratar, desmistificar doenças psíquicas é essencial também. É necessário que todos tenham acesso aos instrumentos que podem ajudar a viver. Mas, no fim das contas, a não ser em casos de total incapacidade mental, cada um é responsável por si. Existir dói pra todo mundo, tem luta, tem choro. Cada vez mais gente tem vontade de sumir. Eu tive, na depressão pós-parto. Exatamente quando eu aprendi pra nunca mais esquecer: tenho amigos e família, há remédios e terapias mas, no fim das contas, só eu mesma posso me proteger de mim.