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Nelson Cadena
Publicado em 25 de novembro de 2021 às 05:00
- Atualizado há 10 meses
O título é meio fake, o que é que não é meio fake hoje em dia? Primeiro shopping nos lembra o Shopping Iguatemi, desde 2015 denominado Shopping da Bahia, próximo de completar 46 anos. Primeiro da Bahia e segundo mais antigo do Brasil. Há quem lembre do centro comercial do Largo do Tanque, construído em 1965; longe de ser um shopping, vamos considerar apenas pela iniciativa de agregar meia centena de lojas num mesmo lugar. Nessa pegada, meio fake, o primeiro shopping da Bahia teria sido o Morgado de Santa Bárbara, cuja referência mais antiga data de 1641, portanto 380 anos transcorridos. Instituído em 1641 pelo Coronel Francisco Pereira do Lago.
Inicialmente ocupava o espaço de quatro quarteirões com uma capela frontal, como nos revela uma ilustração do acervo do Arquivo Público da Bahia, autor desconhecido, feita entre 1764 e 1785. Na época, já modificado. O orago da capela era Santa Bárbara. Nas suas imediações existia o mercado do mesmo nome, feira ao ar livre, imunda e fedorenta como todas as feiras daquele tempo. Foi nesse cenário que surgiu a festa de Santa Bárbara, em data incerta, todo ano celebrada em 04 de dezembro. Sem nenhum apoio oficial, financiada pelos peixeiros e alguns dos comerciantes do “shopping” referido.
O morgado era um “shopping “ no sentido de abrigar mix de estabelecimentos comerciais e de serviços, num mesmo espaço, com pagamento de taxas ao administrador, um certo Manoel Joaquim de Mendonça Escarlart. Ali funcionavam grandes lojas como a de O Barateiro, um dos maiores estabelecimentos comerciais do fim do século XIX, anunciante assíduo nos jornais. No Carnaval, comercializava “noirs”, fantasias de mandarim, leques, insumos para a confecção de fantasias temáticas. Outro estabelecimento comercial do Morgado foi a Tipografia Serva onde se imprimiu o primeiro jornal baiano e a primeira revista do Brasil, além de muitos livros.
Outros estabelecimentos do secular shopping de Santa Bárbara: Diogo Hegworth & Cia, (proprietários de navios); Loja Riachuelo; Armazém Triunfo; Casa Francesa; Armazém Ferreira; Restaurante Ferreira. E de outros ramos de negócios: miudezas; boticas; leiloeiros; importadores de sanguessugas (para as sangrias medicinais); locação de escravos; relojoeiro; vidraceiro; fazendas (para confecção de roupas); santeiros; mercadores de gaiolas e passarinhos; representantes comerciais; molhados; charutos; fogueteiros; móveis e espelhos; pianos; importadoras; lojas de trastes; vinhos; negócios imobiliários; lithografias; escritórios de cobrança...
Até o governo imaginou instalar no Morgado um SAC, com serviços de Correios e de outras repartições públicas, ideia que não vingou. O Morgado deixou de existir após um incêndio mal explicado, no final do século XIX, cujo melhor registro é o romance de Xavier Marques, O Feiticeiro, que retrata a Bahia do século XIX com aquela narrativa fotográfica que décadas depois marcou a literatura amadiana. Narra o desespero dos negociantes, a omissão dos bombeiros que não apareceram (que ironia, a padroeira dos bombeiros não contou com a proteção da corporação!), as intrigas de ter sido incêndio encomendado pelos Republicanos, descreve o horror das labaredas chegando na cumieira.
O incêndio do Morgado que ficava em frente da atual Praça da Inglaterra, deslocou o território da Festa de Santa Bárbara da Cidade Baixa para a Baixa dos Sapateiros, no primeiro decênio do século XX, com o protagonismo dos comerciantes de um mercado popular. No interior foi construído um nicho em louvor à Santa.
* Nelson Cadena é publicitário e jornalista, escreve às quintas-feiras