O puxão de orelha de Trump

Presidente norte-americano diz que Brasil escolheu modelo errado para combater a pandemia

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  • Da Redação

Publicado em 6 de junho de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Allan Santos/PR

O presidente Jair Bolsonaro nunca fez qualquer esforço para esconder a admiração que nutre pelos Estados Unidos e, principalmente, pelo presidente Donald Trump. E os dois concordam em diversas pautas conservadoras. Mas, cloroquina à parte, as políticas para a contensão do coronavírus nos dois países não apenas expuseram as diferenças de pensamento entre os dois, como levaram Trump a criticar as ações de um dos seus maiores fãs declarados. 

Trump citou nesta sexta-feira o Brasil como exemplo de país com dificuldades para lidar com a pandemia do novo coronavírus. Chegou a dizer que teria 2 milhões de mortos lá, caso tivesse seguido o exemplo brasileiro. Numa referência direta a Bolsonaro, o norte-americano lembrou que o país “vive se referindo”  à Suécia, que não impôs quarentenas e decidiu se basear principalmente em medidas voluntárias de distanciamento social e higiene pessoal, mantendo aberta a maioria das escolas, restaurantes e empresas. 

Aqui, o governo federal não adotou medidas de isolamento social, mas estados e municípios implantaram medidas em diversos níveis.“Se você olhar para o Brasil, eles estão passando por grandes dificuldades. A propósito, eles vivem citando o exemplo da Suécia. A Suécia está passando por um momento terrível. Se tivéssemos feito isso, teríamos perdido 1 milhão, 1 milhão e meio, talvez até 2 milhões ou mais de vidas”, disse Trump na Casa Branca, acrescentando que agora é hora de acelerar a reabertura. Os EUA são o país do mundo com o maior número de casos do novo coronavírus, com 1,9 milhão de infecções e mais de 108 mil mortos. O Brasil é o segundo do mundo em número de casos, com quase 615 mil infecções confirmadas pelo Ministério da Saúde e 34.021 mortes, mas tem neste momento a maior taxa de aceleração da doença no mundo, uma vez que quase diariamente registra mais casos e mortes do que os EUA.

Bolsonaro nada respondeu sobre os comentários do amigo norte-americano até o fechamento desta edição. Em nota, o Itamaraty afirmou que não vê críticas ao Brasil nos comentários do presidente americano: “Trump se referiu a diversos países, entre eles o Brasil, de forma genérica”. 

Não foi a primeira vez que Trump fez uma menção negativa ao Brasil no contexto do combate à pandemia. No final de abril, o presidente americano lembrou que o Brasil enfrentava um “grande surto” e sugeriu que poderia proibir voos de países latino-americanos aos Estados Unidos, o que acabou fazendo um mês depois.

Panos quentes Para o encarregado de negócios pela Embaixada do Brasil em Washington, Nestor Forster, o fato de Donald Trump ter citado o Brasil como mau exemplo não afeta as relações entre os dois países. “Essa declaração não tem impacto nenhum, foi feita num momento específico”, respondeu, após ser questionado se isso poderia afetar as relações com os EUA, em especial as relações comericais.

Negou também ter gerado qualquer possibilidade de mal estar e lembrou que os presidentes se falaram ao telefone, inclusive, recentemente. “O fato é que ninguém no Brasil discorda que a situação é séria e está sendo enfrentada pelo governo federal”, completou o diplomata. “Estava mais querendo defender os Estados Unidos do que atacar quaisquer países”, disse.

Forster foi nomeado por Jair Bolsonaro para ser embaixador em Washington, após o presidente desistir de indicar o próprio filho Eduardo. O diplomata, que já atua na embaixada, aguarda chancela do plenário do Senado.

Contra a OMS Apesar das palavras de Trump, Bolsonaro sinalizou nesta sexta-feira que segue alinhado às ideias do norte-americano. Assim como o norte-americano fez por lá, o presidente brasileiro ameaçou tirar o Brasil da Organização Mundial da Saúde (OMS). Bolsonaro acusou a entidade de atuar de forma “política”, “partidária” e “ideológica”. A declaração aconteceu um dia depois que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), vinculada à OMS, cobrou uma dívida de US$ 24,2 milhões referente a repasses atrasados do governo para a entidade.“E eu adianto aqui, os Estados Unidos saíram da OMS, a gente estuda, no futuro. Ou a OMS trabalha sem viés ideológico, ou a gente sai de lá também. Não precisamos de gente de lá de fora dando palpite na saúde aqui dentro”, afirmou na portaria do Palácio da Alvorada.Bolsonaro acusou a OMS de atuar de acordo com interesses econômicos. Segundo ele, depois que Trump anunciou a suspensão dos repasses do governo americano à entidade, o órgão decidiu retomar estudos clínicos sobre os efeitos dos medicamentos à base de cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. “O Trump cortou a grana deles e eles voltaram atrás de tudo”, afirmou Bolsonaro. “A cloroquina voltou”, comemorou. 

A OMS é criticada pelo presidente norte-americano, Donald Trump, de quem Bolsonaro é aliado, pela suposta falta de transparência na condução da crise causada pela pandemia. Há algumas semanas, Trump anunciou que deixaria de fazer repasses à entidade.