O que é Afrofuturismo? Conceito busca valorizar ancestralidade negra

Movimento propõe diálogo entre história e tecnologia para resgatar mitologias africanas e ressignificar narrativas negras

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  • Da Redação

Publicado em 5 de dezembro de 2018 às 13:59

- Atualizado há um ano

. Crédito: Gabriel Oliveira/Divulgação

Uma pegada futurista, mas com toque determinante de ancestralidade. Tipo o filme Pantera Negra, os figurinos de Carlinhos Brown e o último CD da vencedora do The Voice Brasil Ellen Oléria. Assim é o Afrofuturismo, movimento multicultural que propõe um resgate de mitologias africanas em contextos futuristas.   Alan Costa, pesquisador e idealizador do Coletivo Afrobapho (Foto: Helen Salomão/Divulgação) O movimento é amplo: engloba arte, estética, moda, música, cinema, história e por aí vai. É um conceito que pode ser aplicado em qualquer espaço, desde que estabeleça a relação entre passado e futuro. Sabe aquela coisa da população negra ser sempre associada a pobreza e escravidão? É exatamente isso que o Afrofuturismo quer desconstruir. 

Para isso, há uma ressignificação das narrativas. Por exemplo? Em vez de aparecer como empregada doméstica numa novela, a mulher negra aparece ocupando espaços de rainhas, cientistas, engenheiras e filósofas, por exemplo.  

“Sabemos que a história do nosso povo foi violentamente apagada pela sociedade colonizadora. Desde então, resistimos contra uma estrutura racista que não quer nos ver ascender. Continuamos lidando com narrativas de exclusão, genocídio e inferiorização. Por isso acredito que o afrofuturismo se posiciona como um movimento de afirmação dos talentos e belezas das diásporas africanas”, destaca Alan Costa, pesquisador e idealizador do Coletivo Afrobapho.

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Quem faz  Promovendo debates, realizando festas e ocupando espaços, o Coletivo Afrobapho foi fundado em 2015 e usa de todas as expressões artísticas possíveis para discutir os assuntos que, geralmente, são esquecidos no movimento LGBT e no movimento negro. 

“Usamos as artes e a estética para colocar nossos corpos dissidentes como nossos próprios instrumentos de mobilização social. Sair do lugar-comum no qual nossos corpos são colocados pela sociedade branco-hétero-patriarcal, através de produções audiovisuais e performances, é um passo pra pensar as ferramentas tecnológicas como nossos instrumentos de luta”, completa.

De acordo com a modelo e pedagoga Luma Nascimento (@lumamora), o Afrofuturismo é recente no Brasil e ainda pouco compreendido. “Fala da perspectiva de futuro, mas também de coisas ligadas a ficção científica, a tecnologia, a música e a emancipação artística de afrodescendentes. No nosso país, é mais ligado ao estético, à ideia de galáxia e ao ser ‘diferente’”, compartilha.  Foto: Gabriel Oliveira/Divulgação Luma criou o Presentyzmo (@presentyzmo), projeto que não tem conexão direta com o Afrofuturismo, mas que utiliza a noção do tempo em sua construção. “Fala do aqui e agora. Do estar presente e fazer algo do presente”. A primeira ação do projeto foi o festival de arte e cultura, que aconteceu da última quinta-feira (29) ao último domingo (2), no Forte de Santa Maria, no Porto da Barra. 

Alguns exemplos de artistas que dialogam com o conceito de Afrofuturismo são o cantor Carlinhos Brown e as cantoras Ellen Oléria, Xênia França, Janelle Monae e Solange Knowles, irmã de Beyoncé. Foto: Gabriel Oliveira/Divulgação De onde veio? A primeira vez que se ouviu falar de Afrofuturismo foi na década de 90, lá nos Estados Unidos, pelo crítico cultural Mark Dery. Mark foi um dos pioneiros na análise e conceituação da cibercultura, área de conhecimento que estuda todos os movimentos culturais que se configuram ou se desenvolvem na internet, a partir de computadores. 

Apesar disso, o termo só explodiu recentemente, quase três décadas depois. Um dos principais motivos do boom foi o lançamento do filme Pantera Negra, em fevereiro deste ano. 

O longa-metragem quebra os padrões das histórias de ficção e apresenta um mundo completamente negro e tecnológico, com referências ancestrais. A inovação fez a obra assumir o posto de décimo filme de maior arrecadação de todos os tempos na história do cinema, somando nas bilheterias mundiais US$ 1,279 bilhão. O filme Pantera Negra (Foto: Divulgação) Para Ítala Herta, diretora da Vale do Dendê, organização que incentiva o empreendedorismo na periferia e no Centro Histórico de Salvador, negros produzem tecnologia e inovação, mas as ideias não recebem a relevância merecida. 

“Sabemos que a população negra produz muita tecnologia há muitos anos. E a gente entendeu que tem de disputar essa narrativa. Os investimentos também não chegam para as ideias inovadoras pensadas a partir desse público. Por isso, diminuímos as instâncias e marcamos esse território de produção tecnológica a partir da narrativa de diversidade”, conta ela, que também é uma das responsáveis pelo projeto Ocupação Afrofuturista. Ítala Herta (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Educação descolonizada As professoras de Química e Física Bárbara Carine e Katemari Rosa, respectivamente,  lançaram, este mês, o livro Descolonizando Saberes, que fala sobre conhecimentos científicos africanos.

“Minha perspectiva do Afrofuturismo casa o ontem, o hoje e o amanhã. Uma perspectiva que não fui eu que inventei, é ancestral. A gente só sabe projetar o futuro sabendo de onde a gente veio. É importante para a juventude ter acesso à sua história contada pelos seus e não pela ótica do colonizador. Durante milênios, a África esteve à frente do mundo em termos científicos e metodológicos. Somos os pioneiros da química, física e matemática”, conta Bárbara. Segundo a professora de química, o Afrofuturismo contribuiu para repensar concepções impostas pela opressão. 

“Se concebo ontologicamente que vim de escravos, então esse lugar de subordinação tem de ser ressignificado, pois não vim de escravos. Nós, negros, viemos de povos que eram reinos, impérios. Pessoas que fundaram a humanidade. E é dessa altivez e dessa realeza que os jovens devem se pensar. É importante a juventude ter acesso a história numa perspectiva de afrofuturismo para projetar os espaços de poder. Poder pioneiro que o colonialismo fez questão de ocultar, apagar e silenciar”.

*Colaborou para o BAZARSiga o Bazar nas redes sociais e saiba das novidades de gastronomia, turismo, moda, beleza, decoração, tecnologia, pets, bem-estar e as melhores coisas de Salvador e da Bahia: