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Publicado em 9 de março de 2020 às 17:00
- Atualizado há 2 anos
Os homicídios são a principal causa de mortes violentas de mulheres na Bahia - a cada 100 mil mulheres mortas em todo o estado, 5,9 são vítimas de homicídios provocados por arma de fogo ou pela chamadas armas brancas. Se, há menos de uma década, os acidentes de trânsito eram a principal razão desse tipo de morte de mulheres no estado, o padrão mudou nos últimos anos. De 2000 a 2017, os assassinatos de mulheres cresceram 15,9% na Bahia, de acordo com dados apresentados nesta segunda-feira (9) pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), no evento Diálogos pela Vida: um panorama da Violência contra a Mulher.>
Ainda que não haja, nestes dados, uma tipificação dos crimes enquanto feminicídio - quando a mulher é morta pelo fato de ser mulher - é possível enxergar sinais dessa motivação em muitos dos crimes registrados nos últimos anos - a exemplo do perfil da vítima e local da morte. Dados apresentados em janeiro pela Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) apontavam um crescimento de 32% no número de feminicídios na Bahia em 2019, com relação a 2018 - foram 101 casos no passado, contra 76 no ano anterior. >
Nesta segunda-feira (9), dia em que a Lei do Feminicídio completa cinco anos de promulgação, a subcomandante da Ronda Maria da Penha, capitã da Polícia Militar Alcilene Coutinho, mostrou no evento, realizado na sede da Secretaria de Segurança Pública (SSP), um panorama da violência contra a mulher na Bahia e apontou para o que classifica como um cenário de “revelação das cifras”. Ou seja, embora haja, sim, um aumento no número de feminicídios, ela acredita que há, também, mais registros dos crimes com essa tipificação.“Nós estamos em tendência de crescimento. Não é só a lei que vai resolver o problema. A violência contra a mulher é um problema complexo que não se resolve com uma solução fácil. Nós estamos falando de algo que envolve machismo, patriarcado, envolve o campo social, jurídico e político. O combate precisa acontecer em rede, se não nós estamos fadados ao fracasso”, declarou a capitã.Ao longo dows útimos 18 anos, 5.488 mulheres foram assassinadas no estado, sendo a maior parte com uso de arma de fogo. Em números absolutos, a Bahia ficou em segundo lugar no ranking nacional de homicídios de mulheres: foram 491 vítimas, apenas quatro a menos do que São Paulo, que teve 495. Em terceiro lugar aparece o Rio de Janeiro, com 401 mortes.>
Armas brancas e feminicídios De acordo com o economista Jadson Santana, pesquisador da SEI e coordenador da pesquisa sobre violência contra a mulher, tem crescido o número de mulheres mortas com uso de arma de fogo, mas chama a atenção do uso recorrente das chamadas armas brancas. Facas e objetos contundentes – como pedras – são usados majoritariamente para assassinar mulheres negras, jovens, na faixa dos 30 anos, e no ambiente familiar.>
Em 2017, dados do DataSUS coletados pela SEI apontam que 61% dos homens vítimas de homicídios tinham entre 15 e 29 anos; 80,2% deles foram mortos com armas de fogo; e 44,9% dos crimes acontece em vias públicas. Já entre as mulheres, 42,5% das vítimas tinham também entre 15 e 29 anos e 56,9% foram mortas com armas de fogo. O que muda, essencialmente, é o local do crime: 28,8% foram assassinadas dentro de casa.>
No caso específico das mortes por violência doméstica, a principal arma utilizada para o crime é a arma branca ou contundente. Uma vez que, no Brasil, 88,8% dos crimes de feminicídios foram cometidos pelo companheiro ou ex-companheiro da vítima, aponta a pesquisa, há aí um indício de que esses casos computados como homicídios sejam, na verdade, feminicídios.“Não dá para dizer que todas as mulheres mortas com arma branca sejam vítimas de violência doméstica, mas dá para a gente ter uma dimensão do problema, porque homens raramente são mortos com armas brancas. Geralmente é arma de fogo e em via pública”, explica Jadson.Para a capitã Alcilene Coutinho, esse aumento no número de mortes de mulheres tem a ver com desigualdades e machismo. “Se existe uma lei específica contra a violência contra a mulher é porque ela é a mais frequente, é o que mais acontece. As diferenças entre mulheres e homens tem gerado desigualdades. Elas estudam mais, trabalham mais e ganham menos”, afirma.>
“Da forma como fomos socializados, o homem foi educado para ser o sujeito e a mulher, para ser o objeto. Pessoas têm autonomia, objetos não. Se o homem vê a mulher como propriedade, ele acha que pode dispor dela como bem entender”, completa.>
Outras causas Outros dados apresentados nesta segunda-feira pela SEI, na sede da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP), mostram as demais causas de mortalidade de mulheres no estado. As principais causas, em 2017, eram as neoplasias – cânceres –, com taxa de 72,2 para cada 100 mil mulheres. Em seguida, aparecem as doenças do coração (53,3), doenças respiratórias (45,4), Diabetes mellitus (36,5). Em seguida, aparecem os homicídios.>
A Superintendência mostrou, ainda, dados de mortalidade materna. E 2017, 67,7% das mortes de mães nesta situação aconteceu no puerpério (pós-parto), enquanto 24,4% aconteceram na gravidez, no parto ou durante aborto. As principais causas foram hemorragia pós-parto (10,2%), hipertensão (9,4%), gravidez ectópica (7,9%) e eclampsia (4,7%).>
A enfermeira obstétrica Camila Torres, coordenadora da pós-graduação da Faculdade Maria Milza (Famam) também participou do evento e afirmou que, muitos dos casos de violência obstétrica são subnotificados porque não há, entre as próprias mulheres, conhecimento sobre o que é considerado uma violência. “O que ajuda muito hoje é saber aquilo que tem evidência científica. Se não há respaldo científico para aquele procedimento, ele pode ser uma violência”, afirma.>
Entre os exemplos estão a indicação desnecessária de cesárias, a negativa para a presença do acompanhante, até a violência psicológica sofrida pela mulher no parto.>