Ofende a escola quem a compara com restaurantes, shoppings e bares

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 28 de fevereiro de 2021 às 09:00

- Atualizado há um ano

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Há muitas coisas estranhas acontecendo, desde março de 2020. Pra você ter uma ideia, na semana passada, a caminhonete de meu pai andou sozinha, no meio da madrugada, e só não saiu pra dar uma volta porque foi parada pelo sensato portão da garagem. Tão esquisito quanto, é o comportamento de Oto, o cágado daqui de casa, que, há uns meses, passou a achar que as bolas pretas da nossa dálmata são comida, motivo pelo qual sai correndo atrás dela pra dar umas mordidas. Isso, só aqui na minha bolha. Lá fora, tem mais coisa. Coisa que não acaba mais.

Uma das mais esquisitas, chegou de mansinho. Primeiro, soprada aqui e ali, agora ganhou corpo e eu "mas né possível!", só que é. Enfim, não posso mais ignorar que chegamos ao momento em que precisamos explicar que escola não é, exatamente, espaço de puro entretenimento e lazer, destino opcional, lugar para a familia curtir, tomar um sorvete, olhar vitrine, comprar, passar uma horinha e tchau. Precisamente, porque reivindicar "direitos" de botecos e afins virou um dos argumentos mais "fortes" da turma do "'tenque' abrir as escolas com a maior urgência". É sério isso? É. Pode apostar. E a minha opinião é a de que ofende a escola quem a compara com restaurantes, shoppings e bares. Por outro lado, ofende a minha inteligência quem argumenta que estes espaços estão sendo considerados "mais importantes" pelo fato de terem um protocolo específico de funcionamento na pandemia. 

Escrevo, agora, impactada pelo JH que acaba de perguntar "o que aconteceu com as seguras escolas italianas?", durante matéria que trata dos surtos de covid-19 provocados pela reabertura dos prédios escolares. A temida "cepa brasileira" chegou por lá e, junto com a britânica, tem acertado quem, em cheio? Crianças e jovens. Pedra cantada, só foram menos atingidas antes, justamente porque não estavam nas escolas. Na Itália estão, evidentemente, recuando com as aulas presenciais. Em São Paulo, logo ali, de acordo com a APEOSP (Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) já são 991 casos em 553 escolas, desde a recentíssima reabertura. Isso, publicado na quarta (24), mas tá aqui o link pra você se atualizar.

Enquanto isso, onde escolas permanecem fechadas, adivinhe? Pessoal diz que é um absurdo abrir restaurantes, shoppings e bares, mas não liberar para aulas nos prédios escolares. Talvez, seja desonestidade intelectual, mas vou considerar como dificuldade cognitiva, pra ir na paz. A comparação de atividades tão distintas só seria justificada em quem nunca pisou em uma escola, nem para a festa de fim de ano de afilhado/a. Só que é feita por mães e pais. Eu até entendo quem, da área de cultura e entretenimento, pergunta "por que pode shopping, mas não cinema e teatro?" já que são atividades de logísticas parecidas, onde, com pequenas adaptações (em momentos apropriados e agora não é o caso), pode-se replicar modelos. Mas escola, gente? Comparar com escola? É forçar a barra demais!

Não tá claro? Vamos lá. Pra ser breve, acho que basta o conceito de "obrigatoriedade". Não lembro de jamais ter sido forçada a ir tomar umas com amigos nem acho que serei cobrada na justiça por faltar a um domingo de praia seguido por almoço com casquinha de siri, no restaurante da orla. Também nunca fiz uma prova que testasse meus conhecimentos sobre as vitrines que vi em um shopping. Escolho, há quase um ano, portanto, não frequentar esses lugares e não devo satisfação a ninguém por isso. Da mesma forma que, em relação a lazer, qualquer um de nós pode optar. Ou seja, o eventual funcionamento desse tipo de espaço não impõe desconfinamento aos "clientes" nem provoca um grande fluxo obrigatório no sistema de transporte, entre outros tantos "detalhes". "Mas os funcionários são obrigados a ir". Sim. Muitos profissionais são obrigados a trabalhar presencialmente, mas nenhum deles me parece estar incumbido de dar colinho a diversos "clientes" ao mesmo tempo nem responder pelo protocolo de segurança de menores de idade. Essas necessidades, que, nas escolas, são fatos.

(De quem mais os pais e mães vão cobrar uma eventual contaminação da prole?)

("Mas o pessoal da área de saúde toca os pacientes". Sim, e foram treinados pra isso, sabem usar EPIs. Mesmo assim, têm morrido de covid, aos montes, lamentavelmente. Por isso, estão entre os grupos prioritários de vacinação.)

Não é uma questão do "valor que se dá", de "prioridades" ou de "só no Brasil". Os vira-latas complexados podem, inclusive, voltar ao exemplo acima, da Itália, para concluir que, mesmo na Europa (ohhh!), reabrir escolas tem dado errado. E não foi só na Itália. Nos países que reabriram, há surtos de covid e recuos, basta um Google que as informações vão chegar. É uma questão logística, uma impossibilidade. Simplesmente, não é possível juntar crianças e adolescentes sem correr o risco de infectá-los (e aos que convivem com eles/as, inclusive em casa), sejam quais forem as "medidas sanitárias". É esperar pela vacina, para todos/as, fazendo o que der até lá, e ponto final. O Reino Unido já interna 100 crianças, por semana, com síndrome pós-covid. Não tem mais essa de que elas estão a salvo.

Há quem defenda que a escola presencial seja "opcional". Aí, eu fico balançada a gostar. Mas me pergunto: os/as professores/as obrigados/as a ir, poderão se comportar como trabalhadores/as da área de lazer e entretenimento que estão em atividades presenciais? Poderão não tocar nas crianças e oferecer acolhimento tão "opcional" quanto o bate-papo com o garçon do boteco ou o abraço do vendedor da loja do shopping? É possível funcionar assim? Então, tá. Mas como é que, a dois metros de distância (que é o indicado), vão conseguir corrigir tarefas, olhar cadernos, supervisionar a distância de dois metros entre os/as alunos/as, acolher e garantir que as mascarazinhas (tem N95 pra criança, já que agora é a indicada?) no lugar? Mas veja que viagem...

(Num grupo de mães que participo, uma professora fez um post pedindo conselhos sobre como tratar uma menininha de 4 anos que só chora, desde que voltou às aulas. Entre as respostas, uma, de outra professora, me chamou a atenção: "eu acho que ela precisa de colo, abraço, acolhimento, mas nesses tempos, não tem como dar".)

Aí, sim, amizades, é uma questão do "valor que se dá" e de "prioridades". No meio de uma pandemia, não há lugar seguro e confortável. Nem fisicamente, nem para os pensamentos, nem para as demandas emocionais. Mas sabemos que é uma emergência e que, para emergências, há uma regra básica: a vida em primeiro lugar. Pela preservação da vida, a medicina amputa membros, por maior que seja o trauma que isso vá causar. A parte psicológica é cuidada num outro momento, depois da vida salva. Esse é só um dos exemplos de quando chegamos a limites e é, agora, o caso. É difícil, sim. É barra pesada. Pra todo mundo. É isso que precisa ser entendido por cada mãe e cada pai, assim como o fato de que ninguém vai sair de boas disso. Sair com vida já será grande vitória e perceba: o vírus não está aí pra colaborar. Isso, apesar deste ser um artigo de opinião, não é só o que eu "acho". Olhe ao redor. Todos sabemos da importância das escolas, ninguém está achando ótimo que elas estejam fechadas, mas, agora, essa é a vida real.

(Ah, a Bahia está em lockdown. Uma forma de fazer com que isso passe mais rápido é, pelo menos quando saem os decretos, se puder, ficar em casa.)