Onde se escondem as marcas daquilo que vemos

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

  • Foto do(a) author(a) Kátia Borges
  • Kátia Borges

Publicado em 22 de agosto de 2021 às 06:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Vivemos um impasse, agora vacinados. Amigos, amores e parentes exigem a nossa presença física. Mas desaprendemos o convívio próximo e retomamos, de modo ainda lento, o contato com os outros. Que aventura insana sair de casa para ir ao parque próximo, observando com cuidado cada gesto feito no percurso na tentativa de evitar um erro sanitário, tipo levar a mão à boca, coçar os olhos.

Mesmo cientes dos índices baixos de contaminação por superfície, graças ao hábito, ao rigor e ao pânico, seguimos higienizando as compras e os sapatos, mãos enrugadas de tanto álcool em gel ou líquido. Os solados já brancos. Um cansaço. Reservamos as energias para o Natal em família, onde colocaremos em xeque os nossos corpos aparentemente protegidos em beijos e abraços saudosos.

É bem possível que alguns desistam e sigam isolados. Feito o soldado japonês que morou em seu abrigo subterrâneo ao longo de 19 anos, convicto de que a Segunda Guerra não havia acabado. Também um amigo oscila ainda hoje, uma década depois de ter seu peito esmurrado continuamente durante um assalto violento. Virou um pêndulo. Penso onde se escondem as marcas daquilo que vemos, do que vivenciamos.

Dezenas de religiosos ajoelhados, rogando proteção contra o fim do mundo. Filas imensas de rostos aflitos em busca de internamento. A morte na ordem de cada dia, o pão nosso. O medo de sentir esperança, esse outro vírus. Muito em breve, começam os eventos-teste que prometem uma feérica virada de ano, com gente de toda parte chegando, um risco, e fogos de artifício que assustam gatos e cachorros.

Nada de novo sob o sol desta cidade luminosa, onde perdemos tantos. Aposto que serão os mesmos artistas, as mesmas artes, os mesmos cachês astronômicos. Os camarotes abrigando a ostentação de seus privilegiados (ops! Convidados). Tiro os olhos do palco e penso na felicidade dos catadores de latinha, dos ambulantes, retomando a possibilidade de lucrar com o consumo dos turistas.

É a vida possível retornando aos poucos, sob a lâmina afiada de uma nova variante. Nossos sorrisos tímidos diante da aplicação da terceira dose em pessoas com baixa imunidade e em idosos. São as vidas de muitos amigos queridos, que mudaram radicalmente nos últimos meses. Suas ausências gritam em meio à incerteza em relação ao futuro. Essa, sim, gigante pela própria natureza.

*Kátia Borges é escritora e jornalista.