Os 50 anos da morte misteriosa do baiano Anísio Teixeira, o maior educador brasileiro

‘Pai da Escola Pública’ e fundador de grandes universidades, professor de Caetité foi perseguido por duas ditaduras

Publicado em 4 de abril de 2021 às 07:02

- Atualizado há 10 meses

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Escritor João Augusto de Lima Rocha apresenta evidências que desmontam tese de acidente por Foto: Reprodução/TV Latinha

Anísio Teixeira foi pioneiro na implantação de escolas e universidades públicas no Brasil, e dá nome ao instituto que aplica do Enem (Foto: Divulgação/IAT)  No último dia 10 de março completou 10 anos que Caetano Veloso estacionou o carro no Leblon e se preparou para atravessar a rua. A data do “momento histórico” foi amplamente noticiada, inundou as redes sociais de comentários, foi lembrada por muita gente. No dia seguinte, no entanto, outro momento histórico (este sem aspas), ocorrido também na zona sul do Rio, 50 anos antes, e que igualmente envolveu um baiano de altíssima envergadura, passou batido, quase esquecido. 

Era o final da manhã de 11 de março de 1971, quando o educador, escritor e jurista Anísio Teixeira, então com 70 anos, parava em frente a um prédio em Botafogo e se preparava para atravessar a rua. O ‘Pai da Escola Pública’, como passou a ser conhecido, tinha marcado de almoçar com Aurélio Buarque de Holanda, o ‘Pai dos Burros’, no apartamento do lexicógrafo e criador do famoso dicionário. 

O rega-bofe era um pretexto para um bate-papo importante pra Anísio, que estava em campanha para se tornar membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), mas não chegou a acontecer. Ficou desaparecido por dois dias, até ser achado morto. Saiu nos jornais que morrera no fundo do poço, mas a verdade é que já era, àquela altura, de fato e de direito, um imortal.

Crime político No livro 'Breve História da Vida e Morte de Anísio Teixeira – Desmontada a farsa da queda no fosso do elevador' (Edufba, 2019), o professor aposentado da Escola Politécnica da Ufba, João Augusto de Lima Rocha, traz as evidências de que o educador não morreu da forma como se dizia. Conta a versão oficial que teria passado pela portaria, ido até o elevador no térreo, que se abriu, ele não viu que a cabine não estava, caiu e morreu estabacado. A verdade é que teria sido torturado e assassinado, tendo em seguida seu corpo ali deixado.  Capa do livro 'Breve História da Vida e Morte de Anísio Teixeira', que pode ser comprado neste link (Imagem: Reprodução) “Ele sofreu muitas escoriações: uma contusão muito grande na cabeça, quebrou todas as costelas do lado direito e uma do lado esquerdo. E os óculos fundo de garrafa, quebrável, ficaram em cima de uma das vigas, intactos”, como se alguém tivesse colocado ali, lembrou o professor numa palestra na Biblioteca Pública Anísio Teixeira, em Caetité, cidade natal do educador.

As ideias e propostas de Anísio – reconhecido como o principal defensor de uma educação universal, laica e gratuita – incomodava, e muito, os regimes ditatoriais e até a Igreja Católica. Em 1935, por exemplo, tinha acabado de criar a Universidade do Distrito Federal, no Rio, quando passou a ser perseguido pelo regime de Getúlio Vargas. Voltou à Bahia, onde ficou por 10 anos. “O pensamento dele relaciona sempre educação e democracia. Essa liberdade de pensar e de apontar as mazelas da sociedade e da educação, e de denunciar, mas também de propor, incomodava”, comentou numa entrevista a pedagoga Clarice Nunes, estudiosa da obra de Anísio.As tretas com os militares, que teriam levado a perseguição às últimas consequências – embora sem consequências jurídicas até agora – começaram logo após o golpe de 1964. Anísio foi aposentado compulsoriamente pelo regime quando era reitor da UnB, instituição que ajudou a fundar.

As evidências Sobrinho de Anísio, o ex-deputado Haroldo Lima, falecido de covid-19 no último dia 24, foi um dos responsáveis por um dossiê que traz mais evidências contra a hipótese de acidente, ao chegar no prédio do amigo. No quase esquecido 11 de março, o franzino Anísio saiu de uma palestra na FGV, e bastava caminhar 600m até o prédio de Aurélio. Não concluiria o trecho sozinho. Trecho a pé que Anísio Teixeira teria percorrido no dia em que desapareceu (Foto: Reprodução) “O depoimento dado por um comissário da delegacia tá lá dizendo: ‘É muito difícil que o professor tenha caído no fosso’”, relembra Haroldo numa entrevista de 2012. O filho de Anísio, Carlos Teixeira, também menciona em entrevistas o fato de que médicos que presenciaram a autópsia saíram convencidos de que se tratou de um homicídio.

A versão de crime político, sustentada pela família, ganhou mais força depois que o ex-governador Luís Viana Filho contou ao professor João Augusto sobre o interrogatório ao qual Anísio teria sido submetido, quando sumiu. Antes disso, o jornalista Artur da Távola, genro de Anísio, contava que o acadêmico Abgar Renault soubera do comandante do I Exército, Sizeno Sarmento, que o educador estava “detido para averiguações” na Aeronáutica. 

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Somem-se a isso as ameaças que Anísio chegou a relatar a um amigo próximo e, claro, o relatório policial que o professor da Poli obteve, o qual menciona até o fato de os sapatos e paletó do educador – que foi conselheiro geral da Unesco e o mais célebre secretário de Educação da Bahia, criador da Escola Parque, centro pioneiro de educação integral mundialmente reconhecido – não terem sido localizados.

Muita sola de sapato gasta depois, no ano passado a Comissão sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, votou em conselho pela não reabertura de investigação sobre o assassinato.