Os Desastres, a ciência e o exemplo de Salvador

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  • Da Redação

Publicado em 28 de julho de 2022 às 05:00

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Os meses de junho e julho marcam um período de grande tensão para a população soteropolitana, especialmente os mais vulneráveis, como moradores de encostas, pobres, mulheres mães de família e a população negra de modo geral, maioria nesse recorte de vulnerabilidade. 

O ano de 2015 foi um divisor de águas, com licença da expressão, na política de prevenção a desastres da capital baiana, com o reconhecimento e investimento em ciência e pessoal. Salvador tem dado exemplo na precaução e respostas a deslizamento de terras, alagamentos e as mais variadas consequências advindas de tais eventos.  Foi naquele ano que município registrou mais de uma dezena de mortos em deslizamento no período de chuvas. De lá para cá, não mais se registrou tragédias à semelhança. 

Quem conhece Salvador sabe que a geografia da cidade possui aspectos geológicos que somados à urbanização sem planejamento, é terreno propício a tragédias “naturais”. 

A geóloga Cristiane Neres relata em seus estudos que em 1551, dois anos depois de sua fundação, Salvador registrou seu primeiro desastre de origem geológica. E em 1671, ocorre uma grande tragédia com o escorregamento das encostas situadas nas Ladeiras da Montanha e da Misericórdia com vítimas fatais e destruição total de vários imóveis. 

Dito isso, trago o exemplo do Japão que, investindo em ciência, pessoal e tecnologia, não permite que tragédias ocupem a vida de sua população. Lá, a política de prevenção de desastres assume protagonismo em detrimento de respostas no pós-evento.

A geografia, a condição de vida da população ou eventos da natureza não devem servir de justificativas à falta de investimento em políticas públicas de desastres, daí por que evitar o termo tragédia, justamente para afastar a possibilidade de negacionistas apelarem para a retórica do castigo da natureza ou da vingança divina, assim como fez Jean-Jacques Rousseau em uma carta-resposta a Voltaire, quando ocorreu o terremoto de Lisboa em 1755. 

Com milhares de mortos e destruição total da capital portuguesa, o filósofo Voltaire enxerga na culpabilização divina a causa do evento. Desacreditando esse argumento, Rousseau traz ao debate as primeiras linhas sobre o que se entende hoje por vulnerabilidades. 

Em um trecho da sua carta, Rousseau questiona a Voltaire se foi Deus quem construiu casas, umas sobre as outras, aos milhares, em condições precárias? Nasciam as primeiras ideias sobre o caráter científico dos desastres, em oposição às tragédias.  

Tive oportunidade de conhecer o investimento que o município do Salvador está fazendo na prevenção de desastres, com auxílio da ciência, investimento orçamentário e qualificação de pessoal. Resulta disso, por exemplo, a implementação de sistema de alerta, contenção de encostas, monitoramento do sistema de esgoto, educação ambiental com jovens e moradores de áreas de risco, além da equipe multidisciplinar em caso de respostas a possíveis ocorrências. 

Que o exemplo da capital baiana sirva como espelho à política nacional de prevenção de desastres, mas antes, é necessário reconhecer o papel das ciências na melhoria de vida e na preservação dessa em especial da população mais vulnerável. 

Diego Pereira é doutorando em Direito na UnB. Procurador federal (AGU) e autor de Vidas Interrompidas pelo Mar de Lama (Lumen Juris). Pesquisa e escreve sobre desastres, sustentabilidade, mudança climática, racismo ambiental e justiça e litígios climáticos.