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Da Redação
Publicado em 16 de janeiro de 2021 às 11:00
- Atualizado há 2 anos
Situado no Centro Histórico, voltado primordialmente para a moradia, o Santo Antônio conta com casarões que evocam a história da nossa cidade em diversos momentos e camadas. Moradores antigos se juntam a artistas locais de diversas linguagens, além de estrangeiros que se apaixonam pela nossa cidade. Igrejas se misturam a bares e restaurantes de personalidade. Charmoso como poucos, com vista deslumbrante para a Baía de Todos-os-Santos, o bairro passou a chamar cada vez mais a atenção nos últimos anos.>
Em fevereiro de 2020, obras públicas tiveram início na Rua Direita do Santo Antônio e na Ladeira do Boqueirão. A notícia de requalificação trouxe alegria aos moradores, mas também preocupação. A Conder, órgão do governo da Bahia, não nos procurou, não fez reuniões, não se nutriu da vivência dos que moram aqui. Nada. A Conder contratou a Pejota, construtora responsável pela obra, que jamais comunicou cronograma ou mesmo avisou quais materiais seriam utilizados. De fato, não sabíamos o que seria feito.>
Logo, máquinas pesadas abriam valas ao tempo em que a pandemia nos obrigava a ficar isolados. “Fiquem em casa!”, dizia, sabiamente, o governador Rui Costa, enquanto dezenas de operários saíam de seus lares, pegavam ônibus e vinham ao nosso encontro diariamente. Aqui, em sua maioria, eles não usavam máscaras e não havia distanciamento social.>
Para nós, moradores, se tornou complicado encontrar lógica na obra em curso: frentes de trabalho eram iniciadas num ponto da rua e os trabalhadores logo se deslocavam para outro local. Valas ficavam abertas por muito tempo sem que houvesse nenhum trabalho específico. Nos dias de sol, passamos a conviver com excesso absurdo de poeira que deixava crianças e idosos com dificuldade para respirar. Com a chuva, lama e água empoçada por dias a fio.>
Pela primeira vez na vida, eu contraí dengue, zika e chikungunya..… Muitos no bairro ficaram doentes. Coincidência?>
Em setembro, veio o estranho roubo dos cabos do Santo Antônio. O assalto escancarou o descaso com que os responsáveis pela obra lidavam com a população, pois nós não tínhamos conhecimento da equipe responsável e mesmo do cronograma das obras, fatores que facilitaram a ação. A comunidade jamais foi vista como parceira.>
Por escrever sobre tal desdém com a comunidade, eu fui convidado por um representante da Conder para conhecer o projeto em curso. Sete meses após o início dos trabalhos…. Eu logo perguntei se os demais moradores também seriam chamados e a resposta foi categórica: não, pois escutar, negociar e reconhecer eventuais erros não estava previsto. Eu recusei o convite.>
Para piorar, o resultado tem se mostrado sofrível. As inundações nas ruas adjacentes se agravaram. Parte das calçadas foi revestida com um tipo de granito que em nada dialoga com o sítio histórico. Pedras portuguesas mal colocadas. Retiraram pedras seculares do meio-fio e as substituíram por um cimento frágil e que já mostra desgaste. Priorizaram os carros no recorte feito na Ladeira do Boqueirão… ladeira ancestral, que se transformou de uma forma inconcebível aos nossos olhos.>
Estamos em janeiro de 2021 e as obras não tiveram fim, apesar de várias promessas de término. Quase um ano e, sinceramente, não sabemos de nada que foi realmente feito ou o que ainda farão. A realização de obras desse porte deveria ser um marco no encontro de gestores com a população. Muito dinheiro é gasto e deveríamos estar contentes. Ouro de tolo, pois realizadas de forma vertical e sem respeito pela nossa opinião e vivência se transformam em puro desgosto.>
Claudio Marques é cineasta e morador do Santo Antônio.>