Pacientes renais afirmam que 25 mortes estão ligadas à contaminação por alumínio

'A gente sabe que os óbitos aconteceram logo após o período da contaminação', diz mulher

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  • Bruno Wendel

Publicado em 22 de outubro de 2019 às 05:30

- Atualizado há um ano

 Ao menos 25 mortes de pacientes que faziam tratamento na clínica DaVita, no bairro de Caminho de Areia, estariam relacionadas à contaminação por alumínio. É o que dizem os pacientes que continuam fazendo hemodiálise na clínica. “A gente sabe que os óbitos aconteceram logo após o período da contaminação, mas as famílias na ocasião não tinham conhecimento do erro da clínica”, declarou Cintia Carla da Silva Gomes, 41, uma das pacientes contaminadas.

“Estou de luto por meu marido há três meses e é um misto de dor, revolta e medo, principalmente, porque assim como ele, também fui contaminada e posso morrer a qualquer momento por cauda do erro da clínica”, desaba Sandra, esposa de Gilson de Jesus Silva, 46, que faleceu em agosto deste ano. Gilson fazia hemodiálise no mesmo endereço há 18 anos. “Eu conheci ele lá. Na época, tudo era fiscalizado”, conta Sandra.

O casal ficou junto por quatro anos. “A convivência era muito intensa. Íamos para a DaVita juntos, médicos juntos. Saudade não tem tamanho. Choro todas as noites. Não tenho dúvida que a morte tem a ver com o alumínio. Além do sofrimento pela ausência, fico apreensiva porque posso ter o mesmo triste fim dele”, disse Sandra.

Em agosto último, Carlos Antônio de Jesus, 60, passou mal na própria DaVita e foi socorrido para o Hospital da Bahia, onde passou uma semana internado antes de morrer no dia 26 de agosto.

“Ele recebeu o mesmo alumínio que os demais pacientes e teve excesso do metal. Isso pode ter complicado ainda mais. Sentia falta de ar, dores nas pernas e cansaço”, relembra Marlene, cunhada de Carlos. A filha dele, Juci, não se conforma: “A causa da morte a gente não sabe. Foi algo muito inesperado. Minha mãe está muito abalada. A gente nem foi buscar a certidão de óbito.”

Mais difícil O farmacêutico e bioquímico Bruno Dumêt, professor e doutor em toxicologia do curso de Farmácia da Universidade Federal da Bahia (Ufba), diz que uma quantidade maior de alumínio no organismo pode ser agravada em pessoas com problemas de saúde.“É normal ter alumínio no corpo. O problema é quando a quantidade ultrapassa o limite de tolerância ou o limite de referência. Temos que levar em consideração a referência, pois tem alumínio na água, em alimentos e medicamentos. O perigo é quando as pessoas têm problemas de saúde, como os hemodialisados, que têm dificuldade maior em liberar a substância”, explica.Ele acrescenta que, nesse caso, o paciente acaba acumulando o alumínio em alguns tecidos e ossos, e isso pode levar à morte. Ele lembra que, em 1993, 25 pessoas morreram durante um tratamento de hemodiálise no Hospital Distrital de Évora, em Portugal. “Todas foram contaminadas por alumínio presente na água usada no processo da hemodiálise.”

O professor da Faculdade de Medicina da Ufba, Antônio Raimundo Almeida, chefe do setor de nefrologia do Hospital das Clínicas, falou sobre a relação entre o alumínio e os hemodialisados. No passado, se usava substâncias à base de alumínio para azia, úlcera e para diminuir o fósforo no sangue em pacientes com insuficiência renal.

“Isso foi o que provocou, entre 1975 e 1978, lesões no sistema nervoso, nos ossos e no sangue. Aí, foi descoberto que era o alumínio do remédio que causava problemas nos pacientes renais. O uso do alumínio, a partir daí, foi banido nas medicações”, disse Almeida. Logo depois, se descobriu que a água da diálise poderia estar contaminada com alumínio e isso provocava lesões nos ossos. “A água da hemodiálise passou a ser muito bem tratada visando eliminar qualquer traço do metal.”

Ainda de acordo com Almeida, o paciente renal crônico tem uma alta mortalidade devido a outras doenças, como diabetes, infarto e acidente vascular cerebral (AVC). Chega a ser 50 vezes maior que o índice das demais, porque tem mais doenças cardiovasculares. “Mas só a necropsia é capaz de apontar a causa da morte por contaminação por alumínio”, declarou o médico.