Pandemia não está perto do fim e novas variantes podem surgir, opinam especialistas

Desigualdade vacinal, alta circulação da ômicron e infecção de animais indicam que novas variantes mais perigosas ainda podem surgir

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  • Carolina Cerqueira

Publicado em 3 de fevereiro de 2022 às 18:43

- Atualizado há um ano

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Quando a pandemia vai acabar ainda é algo difícil de prever, mas pesquisadores se reuniram na tarde desta quinta-feira (3) para analisar qual cenário estamos vivendo em relação à covid-19. O debate em formato webinário foi promovido pela Rede CoVida. Segundo os estudiosos, mais de 50% do mundo será infectado entre o final de novembro de 2021 e o final de março de 2022. O pico de contágio da ômicron deve acontecer até a segunda semana de fevereiro e essa variante carrega aspectos positivos, mas também pode contribuir para retardar o fim da pandemia.

Com o título, “Sobre a pandemia de covid-19: início do fim ou teremos recomeço?”, o evento  foi o  primeiro  de  uma  série  de  outros dois encontros promovidos  pela  Rede  CoVida que  discutirá  a  possibilidade  do  fim  da  pandemia  e  da  endemização  do  vírus  para  os próximos meses. A mediação ficou sob a responsabilidade do coordenador do Centro de Integração de Dados e  Conhecimentos  para  Saúde  da  Fiocruz  Bahia, Maurício Barreto, e da pesquisadora da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Maria Glória Teixeira. 

O professor adjunto  e  diretor  da  Faculdade  de  Medicina  da Universidade  Federal  do  Rio  de  Janeiro  (UFRJ),  Roberto Medronho, lembrou que a ômicron tem maior poder de transmissão, ou seja, infecta mais pessoas de forma mais rápida. “Além disso, provoca casos mais leves da doença, com alta incidência de assintomáticos. Estima-se que as variantes anteriores tenham cerca de 40% de infecções assintomáticas. A ômicron tem entre 80 e 90%”, colocou.

Essa característica é positiva, mas pode ser, necessariamente, associada ao fim da pandemia após a explosão de infecções. Isso porque a ômicron também facilita o surgimento de novas variantes, já que tem alta circulação. O que contribui para essa preocupação é o fato de a vacina impedir casos graves da doença, mas não impedir a infecção. “Não há uma certeza de que a tendência do vírus é se tornar mais brando. Isso não existe. A evolução é um processo incerto, o objetivo do vírus é infectar as pessoas. E o fato de que a vacina protege contra casos graves, mas não impede a infecção, nos atrapalha nesse sentido. O vírus continua circulando e possibilitando o surgimento de novas variantes”, pontua Guilherme Werneck, professor  adjunto  do  Departamento  de  Epidemiologia  do  Instituto  de  Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ) e do Instituto de Estudos de Saúde  Coletiva  da  UFRJ.O SARS-CoV-2 é um vírus que tem muita facilidade para sofrer mutações. Essas mutações podem gerar variantes brandas ou mais agressivas. Segundo Roberto Medronho, a ômicron só representará o início do fim da pandemia caso as próximas mutações, que certamente ocorrerão, continuem atenuando o vírus. 

Medronho cita ainda a desigualdade de cobertura vacinal no cenário mundial como um grande empecilho para o combate à pandemia. Ele ressalta que apenas 10% das pessoas em países de baixa renda receberam pelo menos uma dose de vacina contra covid-19. Para atenuar isso, o professor defendeu o compartilhamento de patentes para que outros países possam fabricar e distribuir as vacinas, além do combate à desinformação e disseminação de informação falsa.

“Vale lembrar que a varíola só foi erradicada 200 anos após a vacina. A vacinação é necessária, mas não suficiente, mas é preciso também considerar que a varíola foi eliminada na América do Norte e Europa muito antes do restante do continente Americano, na Ásia e na África”, pontuou Medronho.

O doutor em virologia e pesquisador da  Fiocruz  Bahia, Tiago  Gräf, acrescentou ainda outros dois pontos que atrapalham a chegada ao fim da pandemia. “Vivemos em um mundo onde as pessoas estão constantemente em circulação de um continente para outro. Além disso, o SARS-CoV-2 tem muita facilidade de infectar outros animais, outras espécies, e isso pode significar que um animal possa retransmitir para o ser humano o vírus com uma característica totalmente modificada”, disse.  Variante ômicron já é responsável pela maioria das infecções por covid na Bahia (Foto: Pixabay) Ele ainda fez uma comparação da covid-19 com o sarampo e afirmou que a primeira doença traz ainda mais obstáculos. “Temos um cenário totalmente diferente do sarampo, por exemplo. Isso porque o SARS-CoV-2 permite que pessoas se infectem mais de uma vez e que pessoas vacinadas peguem a doença. Então essas características dificultam muito o decreto do fim da pandemia”, finalizou. 

A possibilidade mais plausível, considerando um cenário positivo, é que as infecções continuem acontecendo, mas com a doença se manifestando de forma mais branda e, dessa forma, se tornando “socialmente aceitável”. O professor Guilherme Werneck destacou a covid-19 pode se tornar uma doença endêmica, mas que isso não necessariamente é algo tão positivo assim.“Vale lembrar que uma doença endêmica não é obrigatoriamente leve ou causa poucos casos e mortes, e também  não necessariamente não irá mais gerar novos surtos e epidemias. Mas não podemos negar que sair de pandemia para endemia seja um avanço. O cuidado que precisamos ter é não deixar que um grupo, por exemplo, aqueles dos 5% mais poderosos, decida que a pandemia acabou e que a doença chegou a um nível aceitável. Isso pode ser um ponto de vista. E quanto aos outros países?”, opinou.Por fim, Werneck ainda colocou que é importante continuar adotando medidas de combate à pandemia. “As pessoas estão lidando como se não houvesse mais nada a ser feito, querendo esperar pelo fim. Mas nós não vamos ter o fim da pandemia e não atuarmos efetivamente para isso”, disse. O professor Roberto Medronho ainda finalizou demonstrando preocupação com a frequência da ocorrência de epidemias e pandemias. “As pandemias nos acompanham há muito tempo, mas vale ressaltar que temos tido com frequência assustadora novos processos pandêmicos. A globalização, devastação da natureza e desigualdade ajudam a explicar isso”, afirmou.