Parque Metropolitano do Abaeté preserva patrimônio cultural, natural e religioso

Espaço foi criado em 1980 após reivindicações de moradores, que temiam ameaças ao patrimônio; hoje, população segue defendendo o Abaeté

Publicado em 18 de abril de 2021 às 16:00

- Atualizado há um ano

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Parque do Abaeté às vésperas da inauguração, em agosto de 1993 (Foto: Gildo Lima/Agecom/Arquivo CORREIO) Quando o fotógrafo Gildo Lima fez estas imagens aéreas, em agosto de 1993, o Parque Metropolitano do Abaeté estava prestes a ser inaugurado – uma segunda ‘versão’, na verdade, entregue em 3 de setembro de 1993. O equipamento, que engloba a Lagoa do Abaeté, dunas, vegetação nativa e até a área do Aeroporto Internacional de Salvador, foi criado oficialmente em agosto de 1980 por um decreto municipal. E a Lagoa do Abaeté, de águas escuras em contraste com as dunas brancas, que se destaca ao fundo da imagem, não é a única. Embora ela corte todo o parque, há em toda a área de mais de 12,8 mil metros quadrados, 18 lagoas.

A criação do Parque Metropolitano do Abaeté, em 1980, foi fruto de reivindicação popular. É o que diz a museóloga Sidélia Santos Teixeira, professora do curso de Museologia da Ufba, em sua tese de doutorado sobre patrimonialização, memória, local, musealização e transformação social em dois parques metropolitanos de Salvador: o do Abaeté e de São Bartolomeu.“É preciso considerar que a criação do parque fez parte de um processo de reivindicação da sociedade, principalmente pelas denúncias de ameaças à lagoa na imprensa local”, diz um trecho do trabalho de Sidélia, que também destaca a urbanização da região de Itapuã nas décadas anteriores e o interesse público na preservação do local, inclusive para o turismo.“É necessário preservar uma parte dessa paisagem, com medidas que objetivam a preservação e valorização do patrimônio natural da costa e a defesa de seu equilíbrio ecológico para deixar para as futuras gerações a possibilidade de contemplar e aproveitar esse complexo ecológico”, diz outro trecho destacado por Sidélia, desta vez como parte de um documento da Prefeitura de Salvador de 1981.

O historiador Rafael Dantas, que estuda a iconografia de Salvador, fala sobre o Abaeté da imagem do início da década de 1990:

"A imagem evidencia, antes de qualquer outra coisa,uma região ainda sem grandes concentrações urbanas, só com o antigo Hotel Quatro Rodas ao fundo, onde dunas e matas rasteiras dominavam solos ancestrais. A poesia e o ar de mistérios que cerca a Lagoa do Abaeté bebem de tradições antigas que sobreviveram no passo a passo de dizeres e histórias, perpetuadas ou cantadas, ao longo do tempo. Quando Caymmi canta sobre a região ele ajuda a difundir as belezas intrínsecas nas conversas de lavadeiras e pescadores que viviam em diálogo como as águas de Oxum e Iemanjá", afirma.

A região do parque não era inexplorada, nem desconhecida. Muito pelo contrário, sempre foi parte da vida sociocultural do bairro de Itapuã. Há mais de um século a Lagoa do Abaeté já era usada por lavadeiras, que utilizavam as águas escuras da lagoa para lavar roupa ‘de ganho’ – e isso perdurou pelo menos até a década de 1990. O espaço era ponto de encontro para grupos de religiões de matriz africana e ainda para grupos culturais. O bloco afro Malê Debalê, por exemplo, nasceu em Itapuã e é sediado, hoje, dentro do Parque Metropolitano do Abaeté. Dorival Caymmi, que tanto cantou Itapuã, também não deixou a Lagoa do Abaeté de fora de suas composições. É lá que fica, também, o Museu Casa da Música.

"A partir das décadas de 1970 e 1980, os governos da Bahia passaram a destacar alguns atrativos do estado que dialogassem com as exuberâncias naturais e o passado de tradições afro-baianas. Se de um lado o Abaeté era um parque com águas negras cercada de belas dunas, por outro era o lugar onde o 'reino de Oxum' poderia também mostrar essa Bahia de encantos axé", completa Rafael.

Foi nesse contexto que nasceu o parque, criado para preservar a região e para servir como espaço de lazer para moradores e visitantes. Nos últimos anos, bem antes da pandemia, no entanto, ele já vinha sofrendo com o esvaziamento. Quiosques fecharam, comerciantes se queixavam da falta de segurança e até gestores expunham o problema. Numa reportagem de 2016, o CORREIO mostrou que, depois da inauguração do parque, em 1993, não houve propostas de requalificação. Lagoa do Abaeté é a mais famosa e corta todo o parque, mas a área de preservação conta com 18 lagoas (Foto: Gildo Lima/Agecom/Arquivo CORREIO) Ao longo do último ano, os defensores da Lagoa e do parque tiveram que lutar, mais uma vez, contra o que consideram uma ameaça ao patrimônio. Um projeto da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), órgão do governo do estado, de construir no local uma estação elevatória de esgoto, foi alvo de protestos de moradores, grupos religiosos e culturais e da própria APA, que foi de encontro, inclusive, a um parecer favorável do Ministério Público Estadual para a construção da estação no local.

Em outubro passado, o MP defendeu que a execução do projeto era necessária para o saneamento básico na região. O Inema, na mesma época, dispensou estudos de impacto na região por entender que a obra era de interesse público. Os conselheiros da Área de Proteção Ambiental, no entanto, temem um desastre ambiental, caso haja um extravasamento da rede de esgoto dentro na Lagoa do Abaeté. Em nota, a Conder informou que a obra já foi concluída e que o próximo passo será a entrega para que a Embasa inicie sua operação. "A estação é formada por bombas que irão direcionar os resíduos gerados pelos equipamentos presentes na área da Lagoa para o sistema de esgotamento sanitário da Embasa", diz a nota.

"Vale registrar que o projeto foi elaborado com a contribuição da própria Embasa, que ficará responsável pela operação da estação; teve anuência do Inema, órgão ambiental responsável pela gestão da área; e aprovação da Prefeitura Municipal, que concedeu o alvará para execução dos serviços. Além disso, um parecer favorável à obra foi emitido pelo Ministério Público", completa a Conder. O órgão acrescentou que um sistema complemetar foi lanejado para garantir a funcionalidade e a segurança da estação, que é um equipamento subterrâneo, em forma de poço, com partes visíveis incorporadas ao Parque do Abaeté, a fim de não causas impacto visual.

A conselheira titular da APA do Abaeté e membro do Fórum de Itapuã, Lavínia Bonsucesso, disse que a estação ainda não está em operação, e que neste momento a Lagoa do Abaeté continua recebendo poluição de um ponto de drenagem misturado com esgoto. Ela reafirmou o temor por um desastre ambiental no local, ao mesmo tempo em que defendeu a importância do Abaeté e do Parque.“A Lagoa do Abaeté é um chamariz para conhecer o valor da biodiversidade das demais lagoas e das dunas do Abaeté”, afirma Lavínia.O parque, que completará 30 anos de funcionamento em 2023, fica numa área de 12,8 mil metros quadrados e preserva espécies variadas de peixes, pássaros como canários, curiós, assanhaços, beija-flores, bem-te-vis, rolinhas e azulões, além de uma extensa cobertura vegetal predominantemente nativa de restinga, Mata Atlântica.