Passageiros do Costa Diadema têm destino incerto; Anvisa confirma 68 casos

Surto de covid-19 interrompe cruzeiro em navio atracado no Porto de Salvador

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  • Priscila Natividade

Publicado em 31 de dezembro de 2021 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Marina Silva/ CORREIO

Ninguém pode entrar ou sair. Essa é a situação de 3.836 passageiros e tripulantes que estão a bordo do Costa Diadema após o maior navio já operado no Brasil, pela armadora italiana Costa Cruzeiros, atracar no Porto de Salvador, na manhã de quinta-feira (30). No dia anterior, a Diretoria de Vigilância à Saúde do Município recebeu um comunicado da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informando que a embarcação já teria 24 pessoas positivas para covid, sendo 17 tripulantes e sete passageiros. 

No entanto, ao chegar em Salvador, já eram 56 casos confirmados, segundo a porta-voz da Diretoria de Vigilância à Saúde do Município, Andréa Salvador, que fez parte da ação conjunta entre o município, estado e Anvisa, que teve acesso ao Costa Diadema.

“Diante desse comunicado, ficamos realmente preocupados e através do município respondemos à agência solicitando que a Anvisa pedisse a essa embarcação para que todos fossem testados e assim foi feito. Levamos o suporte laboratorial e estamos coletando também PCR de todos os positivos para descobrir a variante que está circulando no navio”, explicou Andréa.

De acordo com o último balanço divulgado pela agência até o fim da tarde de ontem, nas últimas 24 horas, já eram 68 casos de covid-19, sendo 56 entre tripulantes e 12 entre passageiros. A situação levou a Anvisa a suspender o Certificado de Livre Prática do navio, que pela segunda vez vinha à Bahia. 

“Significa que ninguém entra, ninguém sai, a não ser autoridades sanitárias. Nem mesmo alimentos, mantimentos. Houve pessoas que iriam embarcar em Salvador, mas não passaram do lobby do Porto. Os que testaram positivo estão isolados. Enquanto a investigação epidemiológica está ocorrendo, o navio não pode sair da nossa cidade”, acrescentou Andréa Salvador.

A imponência do transatlântico de 1.862 cabines e 19 deques em 132.500 toneladas pode ser vista só de longe. Não foi liberado o acesso para a plataforma, nem mesmo para a recepção do Porto de Salvador. Não tinha baiana com fitinha do Senhor do Bonfim, ou ambulantes vendendo água mineral e nem uma fila de táxis, aguardando para pegar uma boa corrida. Mas alguns passageiros do navio até acenavam de longe para quem se aproximava da grade.

Taxista há 15 anos, Jorge Avelino veio empolgado em conseguir um dinheiro a mais, visto que em uma corrida de passeio para turista, ele consegue tirar, no mínimo, R$ 320. Mas reconheceu que era melhor que as pessoas ficassem dentro do navio.

“Cheguei 4h da manhã aqui. É sempre bom quando chega navio, mas do jeito que a coisa está é melhor mesmo segurar as pessoas lá dentro para não contaminar mais gente. Agora, vou para casa. Amanhã é outro dia”, afirmou, após permanecer a manhã inteira na região do Comércio. 

Zelito Bispo também é taxista. Chegou a aguardar um pouco, mas foi mais um que decidiu buscar uma corrida em outro ponto. “Eu achei a medida correta. É importante ganhar dinheiro agora, porque depois do verão vem a maré baixa, mas a gente tem que ter saúde para trabalhar”.

Rainha do Mediterrâneo Com capacidade para 4.947 passageiros, o navio deixou o Porto de Santos (SP) na segunda-feira (20), com destino a Salvador, onde permaneceria apenas um dia, antes de seguir para Ilhéus, no sul do estado. Em nota, a Anvisa disse que investiga o surto de covid-19 após  a identificação de casos da doença na embarcação  durante a realização do protocolo de testagem estabelecido pela Resolução nº 574, de 2021, que determina testagem diária de 10% dos passageiros a bordo e de 10% da tripulação.

Para retomar as temporadas de cruzeiro no Brasil, a agência restringiu a ocupação máxima a 75% da capacidade de cada embarcação e estabeleceu a obrigatoriedade do distanciamento de 1,5m entre grupos, além do uso de máscara a bordo, apresentação da caderneta de vacinação completa e laudo de exame PCR em até 72h antes da viagem ou de antígeno com 24h de antecedência.

A porta-voz da Diretoria de Vigilância à Saúde do Município, Andréa Salvador, afirmou que, no momento em que esteve na investigação ontem de manhã, foi possível escutar o aviso em várias línguas sobre a necessidade do cumprimento dos protocolos e que  todas as carteiras de vacinação foram entregues pelo cruzeiro.“Tudo isso estamos verificando. O protocolo existe, se isso está sendo cumprido é o que estamos averiguando.”E quem está a bordo do navio corre o risco de passar o Réveillon atracado? Bom, ainda não se tem essa resposta até que a investigação da Anvisa seja concluída.

Também em nota, a Costa Crociere, responsável pelo navio Costa Diadema confirmou que o desembarque e o embarque de passageiros foram cancelados em cumprimento à decisão da Anvisa de suspender as operações do cruzeiro.

“Graças aos robustos protocolos de saúde e segurança a bordo, que incluem testes de rotina para membros da tripulação e para os hóspedes, o navio foi capaz de identificar alguns casos positivos de covid-19 que foram prontamente isolados juntamente com seus contatos próximos”, escreveu.

A empresa não informou o número de passageiros que embarcariam em Salvador, nem o valor pago pelo pacote ou quais foram as orientações dadas àqueles que não conseguiram viajar. No entanto, reforçou que a situação sanitária a bordo do navio está sendo constantemente monitorada e controlada. 

Conhecido como a Rainha do Mediterrâneo, o navio italiano Costa Diadema  tem 756 cabines com varanda, 11 piscinas e hidromassagens, oito restaurantes e 11 bares. E tem mais:  um acervo de obras de arte, que inclui mais de 7 mil pinturas, fotografias e esculturas que retratam a realeza como tema, sob a curadoria artística de Casagrande & Recalcati. Entre os artistas que contribuíram para essa acervo estão Sam Havadtoy e Mario Donizetti, Vanni Cuoghi, Resi Girardello, Roberta Savelli e Claudio Prestinari. No site do cruzeiro há opções de pacotes de oito dias de viagem pelo Nordeste brasileiro embarcando em Santos, São Paulo, por até R$ 2.661 (por pessoa), já no mês de janeiro.

 Riscos De acordo com o boletim divulgado pela Secretaria Estadual de Saúde (Sesab) no final da tarde de ontem, no estado, nas últimas 24 horas, foram registrados 459 casos de covid-19. O boletim epidemiológico registra ainda cinco óbitos. Os dados ainda podem sofrer alterações devido à instabilidade do sistema do Ministério da Saúde. Em Salvador, conforme dados dos indicadores da Secretaria Municipal de Saúde, a taxa de ocupação de leitos de UTI adulto está em 53% de taxa de ocupação e os leitos clínicos, 61%. Já os leitos de UTI pediátrica estão 95% ocupados e os clínicos, 83%. 

A pesquisadora titular da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), professora da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e integrante da Rede CoVida, Fernanda Grassi, destaca que os navios, por definição, são ambientes restritos, de confinamento, que acabam favorecendo a disseminação do vírus.“Além da transmissão de agentes infecciosos por contaminação dos alimentos, esse ambiente favorece a difusão de agentes infeciosos por via respiratória, como o caso do Sars-Cov2.”Outro fator de risco está no deslocamento, como complementa a pesquisadora. “A circulação de pessoas contaminadas em diferentes regiões/portos promove a disseminação desses agentes. Nesse momento de explosão de números de casos da variante ômicron em várias partes do mundo, a realização de cruzeiros deveria ser reavaliada e suspensa.”

Para quem decidiu viajar, a recomendação da médica infectologista Lorena Galvão é dar preferência para as atividades em ambientes abertos do navio, locais onde o risco de transmissão da covid é menor. “Em navios com finalidade turística, é comum ocorrer aglomerações em bares, shows e festas. Assim, o risco de transmissão do SARS-CoV-2 estará associado principalmente a estes momentos. Os cuidados são semelhantes aos recomendados para a população em geral: uso de máscara, higiene das mãos e distanciamento social. É importante, como parte dos protocolos de segurança, estar vacinado e realizar a testagem também”, completa.

Outras duas embarcações são monitoradas

Entrou água também no Réveillon de quem pretendia passar a virada no Rio de Janeiro. Ontem, a MSC Splendida retornou  às pressas para o Porto de Santos após um surto de covid-19. De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram identificados 51 tripulantes com teste positivo para a doença. Além dos tripulantes, testaram positivo 27 passageiros. Foram identificados, ainda, mais 54 contactantes, ou seja, pessoas que tiveram contato com casos positivos para o vírus.

As 132 pessoas contaminadas estavam sendo desembarcadas. Até o último comunicado divulgado pela Anvisa no fim da tarde de ontem, não estavam autorizados novos desembarques ou embarques, e o navio deve permanecer atracado em Santos até a finalização da análise dos dados epidemiológicos pelas autoridades de saúde.

A embarcação levava cerca de 4 mil pessoas a bordo. O MSC Splendida  saiu no último domingo do Porto de Santos para uma viagem de sete dias onde passaria por Porto Belo, Balneário Camboriú, Rio de Janeiro, Ilhabela até voltar para São Paulo.

No dia 27, dois tripulantes do navio de cruzeiro MSC Seaside que atracou em Maceió foram diagnosticados com covid. A embarcação, que transportava 3.200 pessoas, veio para Alagoas da Bahia com destino ao Rio de Janeiro. A informação foi confirmada anteontem pela Secretaria de Saúde de Alagoas (Sesau).

O médico do navio notificou a Anvisa que tinha pessoas com suspeita de covid. Os tripulantes são uma mulher de 30 anos e um homem de 25 anos. Eles devem ficar 10 dias em isolamento desde quando os sintomas começaram. O Centro de Informações Estratégicas e Resposta em Vigilância em Saúde de Alagoas (Cievs) realiza o monitoramento dos pacientes.

A retomada das operações de cruzeiros marítimos no Brasil foi autorizada pela Portaria Interministerial 658, de 2021. Tanto o MSC Splendida, em Santos, quanto o Costa Diadema, atracado em Salvador, permanecem sob supervisão sanitária da Anvisa.