Passeata pelo fim do machismo e feminicídio marca o Dia da Mulher em Salvador

Cerca de 5 mil mulheres foram ao ato, de acordo com os organizadores

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  • Gabriel Moura

Publicado em 8 de março de 2019 às 22:39

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Trios elétricos, música e até ambulantes vendendo três "piriguetes" por R$ 6. Mas o clima não era de festa na passeata Mulheres: Vivas, Livres e Resistentes. Era de luta. O evento foi organizado pelo Grupo 8M Salvador e ocorreu na tarde desta sexta (8) em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

De acordo com os organizadores, cerca de cinco mil mulheres caminharam pedindo igualdade e o fim do machismo, patriarcado e feminicídio. As manifestantes andaram da Praça da Sé ao Campo Grande, carregando placas com dizeres como “Meu corpo, minhas regras” e “Não é não”.“No senso comum, o 8 de março aparece como uma data quase cívica, onde as pessoas comemoram a existência da mulher, mas não refletem a problemática que está no seu entorno, como a violência doméstica, a criminalização do aborto e a falta de igualdade de direitos no mercado de trabalho. Então não é um dia comemorativo, tem que ser de reflexão e enfrentamento”, defende a funcionária pública Suely Santos,  55, uma das organizadoras do evento.Militante desde os 13 anos, a assistente social aposentada Eliane Gomes, 73, está firme na luta feminista. Ela não consegue nem lembrar de quantas manifestações já participou, mesmo assim não perde o pique. Para ela, essa data é um momento importante para homenagear as mulheres e as conquistas já realizadas.

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“Quando eu comecei na militância, as mulheres eram submissas, não se empenhavam em ter uma profissão. Na minha cidade, por exemplo, eu era a única mulher que fazia parte de alguma diretoria. Foi exatamente pela luta que essa consciência foi instaurada, além de conseguir direitos como o de poder administrar o seu corpo, não sair parindo sem limite, poder entrar numa universidade e ocupar espaços masculinos. Nós temos que lutar por novas conquistas e lembrar das mulheres que conquistaram coisas no passado”, ressaltou.

Uma das conquistas - a liberdade sexual - foi bastante valorizada na passeata. Durante a manifestação, foram distribuídos preservativos masculinos e femininos, além de panfletos que informam sobre DSTs, como o vírus HTLV (retrovírus da mesma família do HIV).

Mulheres vivas A luta contra o feminicídio foi o marco principal da manifestação, e não é para menos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Brasil é o país com a quinta maior taxa desses crimes. 

No ano passado, 53 assassinatos de mulheres foram classificados como feminicídio pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, mais do que o dobro registrado em 2017: 24 casos. Segundo o órgão, houve 7.036 tentativas de feminicídio em 2018, 2,5 vezes a mais do que no ano anterior: 2.749.“Nós queremos ser livres e, para isso, precisamos estar vivas e na resistência. O Brasil é um país que mata as mulheres e não persegue a igualdade entre os gêneros em nenhuma área. Nós temos que enfrentar essa realidade”, comenta Suely Santos. Militância com música A trilha musical do movimento foi marcada por canções que narravam o orgulho de ser mulher. No microfone, Liliane Oliveira, 35, que faz parte do movimento Marcha Mundial das Mulheres. Com o ritmo embalado por oito mulheres que transformaram latas de tinta em percussão, a ativista cantava versos como “Se cuida seu machista. A América Latina vai ser toda feminista”.

“A nossa linguagem é a da música. A lata é um instrumento estético, pois para muitos ela é lixo, mas para nós é uma forma de luta. A nossa apresentação é com este estilo festivo, mas sempre marcado por muito ativismo”, explicou Liliane. 

Manifestações políticas Além da luta pelos direitos das mulheres, outros temas foram abordados durante a passeata. Era comum ouvir gritos pedindo a liberdade do ex-presidente Lula, além de críticas a Jair Bolsonaro, à reforma da Previdência e ao projeto Escola Sem Partido. Alguns políticos também estavam presentes na manifestação, como a deputada estadual Olívia Santana, do PC do B.“A única coisa que podemos comemorar neste dia é a coragem das mulheres. Apesar de tanto ‘não’ e tanta violência, não desistimos de lutar e colocar a nossa mão na história. A mensagem é a de que o 8 de março é sobretudo um dia de luta e resistência. Um dia que mulheres de todo mundo se reúnem contra o machismo para dizer 'parem de nos matar'. É um dia de basta”, disse a deputada.Marielle, presente Além do Dia da Mulher, março carrega outro marco importante na luta feminista: no dia 14, faz um ano do assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio de Janeiro. Diversas homenagens foram feitas a ela, como a presença de faixas, adesivos e cânticos que ressaltavam a sua luta e importância para o movimento feminista.

“Marielle, entre tantas outras, é um símbolo deste momento onde o feminicídio se alastra pelo país. Nós temos que afirmar e lutar pela liberdade da mulher, no sentido da prevenção e do acolhimento das vítimas para acabar com a morte das mulheres”, defendeu o deputado estadual Hilton Coelho, do Psol, mesmo partido da ex-vereadora.

Hilton também defendeu o apoio dos homens na luta feminista, mas sem roubar o “local de fala”. “Pra nós é importante que falsas barreiras não se coloquem no meio do povo. A luta das mulheres é de todos nós. Não queremos tomar o lugar de fala delas, mas temos que dar todo nosso apoio”, ressaltou.

O Dia Internacional da Mulher é comemorado no dia 8 de março, pois nesta data, em 1917, cerca de 90 mil operárias se manifestaram na Rússia contra o czar Nicolau II por conta das más condições de trabalho, da fome e contra a participação dos russos na Primeira Guerra Mundial. Apesar da manifestação ter acontecido no início do século passado, a data só foi oficializada pela ONU 60 anos após o ocorrido, em 1977.

* Com supervisão da editora Tharsila Prates