Paula, Caetano, a minha inveja e as redes sociais

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 10 de maio de 2020 às 12:54

- Atualizado há um ano

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Maledicentes dirão que eu sinto inveja de Paula. No que têm toda razão, mas é uma inveja já trabalhada. Não da empresária poderosa, do dinheiro, daquela casa incrível do Rio Vermelho. O enredo vai por outro lado: a minha inveja é porque ela casou com o homem que, em 1989, aos 15 anos, escolhi pra casar comigo. Todo mundo em minha familia sabe. Inclusive, você pode rir à vontade.

Fiz tudo que eu podia, mas falhei terrivelmente. Tive que me contentar com duas ou três conversas (rápidas e sem privacidade) e algumas fotos recentes nas quais me pendurei nele, meio bêbada, fingindo intimidade. Graças a deus eu disse alguma coisa que o fez gargalhar, então as fotos parecem mais naturais do que a situação foi, de fato, e eu posso me "amostrar". Até em aniversário de D. Canô eu já fui (várias vezes, em Santo Amaro), pra ver se adiantava meu lado. Uma vez, rolou um namorado. Mas não era exatamente quem eu esperava.

(Inclusive, vem dessa época o medo que eu tenho de Maria Bethânia. Nem sei como lidaria, caso virasse minha cunhada. Mas, divago)

Desisti desse "amor" platônico há pouco tempo, confesso. Já superei - isso também é verdade - e esse prólogo é pra deixar claro que não tenho intimidade alguma com a família e não sei das internas mais do que qualquer outro bom baiano sabe. E também pra dizer que não sou da galera que tem implicância pessoal com Paula por quem, além da inveja (tra-ba-lha-da!), não sinto absolutamente nada. Nem a conheço, pra falar a verdade. Nunca troquei palavra. Então, é desse lugar de estranha que me restou (não por escolha, ficou claro?), de público, de geral que digo: tô achando muito esquisito o Caetano que vem sendo publicado nas redes sociais.

Quando falo sobre meu estranhamento, meus amigos se inflamam porque quem grava e publica é Paula. Para uns, ela é demônia. Para outros, uma santa imaculada. E eu só fico pensando no que Groddeck diria daquela risada que, pra mim, desce mal. É do que está disponível para o público que eu falo. Do que tem chegado a milhares de pessoas e muitas, como eu, também se manifestam incomodadas. Não sei (nem me interessa) a dinâmica íntima do casal, mas a performance pública tem, em minha opinião pessoal, vulnerabilizado um dos artistas mais incríveis que este país já produziu. Isso, pra mim, é imperdoável.

Num dos vídeos, dia desses, ele falou "tô muito feio, né?" e me pareceu incomodado. Feio não estava, mas de pijamas, com a barba por fazer e os cabelos desgrenhados. Um leonino lindo e vaidoso exposto, sim, na opinião desta fã, sem a menor necessidade. E isso nem é o mais grave. Caetano é um homem idoso, de 77 anos. Tem exatamente a idade do meu pai. Por mais genial que seja, por mais que se reinvente, parece abatido, mais lento, cansado. Quero crer que apenas momentaneamente, pela situação que todos passamos e o isolamento social. Mas, óbvio, posso estar enganada.

São vários vídeos incômodos pra quem concorda que "o Homem velho é o rei dos animais" e, assim como um rei, deve ser tratado. Como meu pai que, de outro modo, reina no mundo dele com pouquíssimos questionamentos nossos e cada vez menos encheção de saco. Como minha mãe, que eu ainda questiono mais porque ela é mais jovem (e virada!), mas sempre me exigindo um cuidado especial. Com Caetano, ainda tem a insistência do diacho de uma "live" para a qual ele não demonstra o menor saco e já disse não estar preparado.

Eu adoraria a "live". Ou o "ao vivo", como ele deve preferir, claro. Mas ainda tenho toda uma obra que posso visitar nesses dias de isolamento. Um presente imenso, uma poesia infinita, um trabalho majestoso de décadas, pura genialidade. Então, o que eu prefiro, como fã que sou, é que ele esteja confortável. Comendo paçoca em paz, podendo usar sapato que Preta deu com privacidade, lendo Mangabeira que ele gosta, pensando sobre o "r retroflexo" e fazendo aqueles raciocínios engraçados.

Penso em Gil. Aquele preto que a gente também ama tem aparecido pouco, mas me dá sempre a sensação confortável de estar sob o mais indiscutível amor e cuidado familiar. Assim como ele, Caetano só precisa ficar bem, até e depois de tudo isso passar. Prometer que vai continuar com a gente, que vai voltar a mergulhar no Porto da Barra. Isso é o que importa. Ele não tem a obrigação de fazer mais nada. Será lindo, se acontecer, mas, pra mim, ele não precisa mais nem cantar. Basta existir. Resistir. Continuar por aqui. Assim como minha mãe e meu pai.