Pela 1ª vez, Salvador terá censo para identificar portadores de doença falciforme

Levantamento busca informações para melhorar atendimento

Publicado em 6 de agosto de 2019 às 05:17

- Atualizado há um ano

. Crédito: Divulgação/SES-RS

Considerada a cidade mais negra fora da África, Salvador também é a capital do Brasil com a maior incidência de doença falciforme. O agrupamento dos dois dados não é coincidência, já que a enfermidade é hereditária, ou seja, passa de pai para filho, e acomete principalmente negros. Para ter dados mais precisos sobre os casos, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) iniciou um censo nessa segunda-feira (5).   “O objetivo é identificar onde estão as pessoas com a doença falciforme e quem são as pessoas em tratamento, para dar um atendimento de maior qualidade a elas. Muita gente abandona o tratamento ou nunca tratou. Percebendo onde estão essas pessoas, a gente consegue direcionar o atendimento”, explicou a subcoordenadora de ações estratégicas da atenção especializada, Djara Mahim.   Essa é a primeira vez que o levantamento é realizado em Salvador. Até agora, os dados da enfermidade eram coletados a partir da notificação compulsória da doença - obrigatória desde 2009. Na capital, foram feitas 2,3 mil notificações no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), no ano passado. Com os dados de 2018, a estimativa é que 1 em cada 455 soteropolitanos possuam a doença.   Apesar do número de casos figurar entre os maiores do Brasil, a técnica do programa de atenção à pessoa com doença falciforme, Mariana Maracajás, afirma que há uma subnotificação na capital - o que é mais uma motivação para a realização do censo.   Até o próximo dia 5 de setembro, as 138 unidades básicas de saúde de Salvador vão fazer o cadastramento dos moradores da capital com a doença falciforme. O cadastro também pode ser feito na internet. Todos os soteropolitanos doentes, que têm suspeita da doença ou tenham casos na família devem participar do censo. 

O que é a doença falciforme? A doença é causada por uma mutação genética que faz com que a hemácia, a célula responsável por transportar o oxigênio no sangue, tenha formato de foice, o que dificulta a oxigenação do corpo. Em pessoas sem a modificação, a hemácia tem formato arredondado. Por ser uma transformação proveniente da África, a maior incidência da doença ocorre nas regiões onde historicamente houve mais africanos. 

“É um doença que predomina na população negra, é uma mutação que foi originada no continente africano. A população negra, por estar submetida historicamente a piores condições de saúde e econômica, acaba tendo a invisibilidade. O racismo contribui para a invisibilidade, acaba tendo menos informação [sobre a doença]”, explicou Mariana.   Apesar de ser hereditária, nem todos os filhos de pais com a enfermidade vão nascer com doença falciforme. A mazela é recessiva, ou seja, os genes dos progenitores têm que combinar para que a criança tenha a doença. Se o pai e a mãe possuem traços da doença, a chance do bebê ter a mutação é de apenas 25%. Mesmo assim, em Salvador, foram 56 recém-nascidos doentes em 2018.   O paciente adulto que suspeita possuir a doença pode fazer o exame chamado de eletroforese de hemoglobina nos postos de saúde da capital. O resultado fica pronto em aproximadamente 10 dias. A análise pode ser solicitada em uma consulta médica. Se a mutação for confirmada, o enfermo vai ser encaminhado a um especialista nos multicentros de saúde Carlos Gomes e Vale das Pedrinhas para poder receber atendimento e medicamentos que auxiliem no controle da doença.   De acordo com a técnica do programa de atenção à pessoa com doença falciforme, ainda não há informações sobre o perfil dos enfermos em Salvador, nem os bairros com maior incidência. Ela aponta, entretanto, que o distrito sanitário Cabula/Beiru é o que mais possui pessoas com a mutação.  Identificação e tratamento Quem tem a doença falciforme deve passar por um tratamento vitalício. Nos ambulatórios especializados na enfermidade, o atendimento é feito por uma equipe multiprofissional formada por hematologista, enfermeira, psicóloga, assistente social, nutricionista e técnica em enfermagem. Em Salvador, foram cadastrados 1.106 nestes centros de saúde.   “As pessoas têm um processo inflamatório crônico, que não para. Quando tem a interrupção do fluxo sanguíneo, pode acarretar em infarto tecidual e isquemia. Aí que surgem os agravos”, explica o diretor geral do Hemoba, Fernando Araújo.   A técnica do programa de atenção à pessoa com doença falciforme informa que os acometidos pela doença podem apresentar dor nos ossos e articulações, anemia, cansaço, fraqueza e icterícia - uma coloração amarelada na pele e nos olhos. Em casos mais graves, o mal pode acarretar em um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e em sequestro esplênico - o aumento do baço e úlceras perto do tornozelo.   A incidência da doença pode identificada com o teste do pezinho e confirmada com um exame específico, a eletroforese de hemoglobina. Como o exame neonatal só se tornou obrigatório em 2001, alguns adultos tiveram o diagnóstico tardio da doença.     O diretor geral do Hemoba explica que, nesses casos, a enfermidade é descoberta durante outros exames. “As pessoas começaram a sofrer alguns danos muito característicos da doença falciforme. Ela começa a sentir dores, têm uma maior frequência de pneumonia, uma dor abdominal por conta do aumento de baço”, afirmou.   A depender do caso, vários tratamentos podem ser utilizados. Tanto Fernando Araújo quanto Mariana Maracajás ressaltam a importância de se ter informações sobre a doença para que o paciente possa começar e dar continuidade ao tratamento. Os profissionais indicam ainda que os enfermos evitem se expor a situações que podem agravar a doença, como estresse, desidratação e infecções.   O diretor geral do Hemoba ainda explica que os tratamentos podem amenizar os sintomas e até buscar curar o mal. Ele aponta que é necessário ter uma higiene e uma hidratação adequada e o uso de suplemento para evitar a deficiência de ácido fólico. O diretor ainda indica o uso de analgésicos para uma crise de dor.    “É o básico somado a uma vacinação para bactérias capsuladas, febre amarela, sarampo, gripe. A carteira vacinal para hepatite B e hepatite A é extremamente importante fora a carteira convencional. Ainda é possível fazer a Eritrocitaferese, a troca da volume de hemácias com sangue de alguém que não tem a doença permite que o nível de hemoglobina permaneça estável. Depois, vem o transplante de medula óssea e a terapia gênica”, explicou.

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier