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Da Redação
Publicado em 31 de julho de 2019 às 05:00
- Atualizado há um ano
Há poucos dias, enquanto assistia a um programa de entrevista com o ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, perguntava-me sobre o que os mais velhos têm a nos ensinar!? Em momentos de fome de lucidez, os cabelos brancos de quem representa uma intimidade com a vivência da vida (desculpem-me o pleonasmo) podem servir como espécie de oráculo da clarividência daquilo que se tornou obscuro aos olhos dos mais jovens.
Enquanto assistia à aula, olhava para o professor Ayres e me perguntava se era necessário chegar aos 76 anos de idade para alcançar aquele nível de correlação entre teoria constitucional, prática cidadã e direitos-deveres do agente público.
Toda boa história contada pelos mais velhos, assim como a melhor aula do professor que identificamos como bom, há de existir um momento de epifania, o que Bauman diz se revelar por um questionamento ou até mesmo pela consciência do óbvio.
E então, perguntado sobre o que achava do instituto do “pacto entre os poderes”, surge o arauto do experiente ministro que já foi presidente da Corte e é reconhecido pela alma poética nas palavras e pensamentos: “Cada poder se situando no seu quadrado normativo já está concorrendo poderosamente, fortemente, para um estado de harmonia entre os poderes. Basta que um poder não invada a área de competência do outro, que cada poder se situe em seu círculo de legítima atuação, já está contribuindo para o princípio da harmonia”.
Do pensamento de Montesquieu aos dias atuais. O óbvio aqui surge com a ideia de que a preservação do capitulado no art.2º da Constituição Federal deveria ser a tônica democrática entre os poderes, o corriqueiro, o comum, o ordinário. Nesse contexto, posso dizer, em complemento às palavras do ministro, de que se houver a assinatura de quaisquer pactos entre os poderes, há de existir uma única cláusula: do cumprimento do comando constitucional que prega a independência e harmonia entre os poderes.
A experiência jurídica, que serve como meio de transporte da lucidez, que me referi no início deste artigo, é esta: de evidenciar o óbvio constitucional. Neste sentido, o entrevistado chamava a atenção para o fato de que a ordem cronológica de escrita do texto constitucional não é à toa.
A CF/88 informa que os poderes independentes e harmônicos devem ser preservados porque o Legislativo cria lei, o executivo é o responsável pela sua fiel execução enquanto o Judiciário fiscaliza os dois primeiros, “ até porque é preciso um poder que fale se o executivo se comportou no âmbito da lei e se o legislativo se comportou no âmbito da Constituição.” E conclui: “Povo civilizado, juridicamente evoluído, se caracteriza, entre outras coisas, por essas duas: não se pode impedir a imprensa de falar em primeiro sobre as coisas nem o Judiciário de falar por último”.
Nessa aula de Direito constitucional cujo professor pede aos seus alunos que leiam e cumpram a Constituição da República, fica a lição de que o óbvio precisa ser dito, mas nem sempre ele é tão óbvio assim.
Se tivesse oportunidade, como aquele aluno que chega no meio da aula fazendo questionamentos ao professor, perguntaria ao professor Ayres Britto: a quem cabe dizer o óbvio? Esta fala tem titularidade? Seria necessário ser um jurista-poeta (ou quem sabe um poeta-jurista) para ter essa consciência? Certamente, a resposta seria tema para tantos outros
* Diego Pereira é procurador federal (AGU), formado em Direito pela Ufba e mestre em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB. É professor de Direito e autor do livro Vidas interrompidas pelo mar de lama (Lumen Júris 2018).