Peter Kronstrom: 'Crises facilitam a criatividade e a inovação'

Futurista dinamarquês participa do Agenda Bahia Ao Vivo

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 18 de agosto de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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A pandemia do novo coronavírus antecipou entre cinco e dez anos tendências que já seriam vividas pela humanidade. E algumas dessas alterações vieram para ficar, acredita o futurista Peter Kronstrom, Head do Copenhagen Institute for Futures Studies Latin America. Para ele, a busca por cuidados preventivos na área da saúde é uma destas tendências. Por outro lado, as mudanças recentes nos transportes, com uma retomada do uso de mais veículos individuais em detrimento do transporte coletivo, devem ser temporárias. 

O mundo cada vez mais conectado é uma realidade irreversível. Entretanto isso, por si só está longe de representar uma melhoria na realidade. A hiperconexão é uma realidade, assim como a desigualdade e um dos muitos desafios que o futuro traz é o de superar essas diferenças. Para discutir o tema e apresentar propostas para o desenvolvimento de pessoas, empresas  e governos, o CORREIO  realiza uma versão inédita do Fórum Agenda Bahia, com uma série de encontros digitais chamados de Agenda Bahia Ao Vivo.

A primeira edição do evento no novo formato acontece hoje, às 11h. Reunindo especialistas com visões inspiradoras, a partir do tema central “Dados da gente”, no primeiro encontro, o dinamarquês Peter Kronstrøm e o baiano Paulo Rogério Nunes vão apontar as perspectivas de um futuro possível na sociedade pós-covid. As inscrições são gratuitas. Para ser lembrado do fórum e receber o certificado de participação, basta acessar: bit.ly/agendabaaovivo. 

Como a expansão do coronavírus e o esforço para contê-lo vão afetar o futuro?

A minha análise atual é que a pandemia é o contrário de um cisne negro. O cisne negro é aquele evento inesperado que é capaz de mudar tudo. O coronavírus mudou tudo, mas não é uma coisa imprevista, inesperada. Muitos pesquisadores e acadêmicos falam a respeito da possibilidade de ter uma pandemia. O que pode ter sido inesperado foi essa situação colocar todo mundo na mesma página numa questão de semanas. Em pouco tempo, o coronavírus já estava presente em todo o mundo. E em quase todos os países houve algum grau de confinamento, isolamento ou fechamento para combater o coronavírus. Como um futurista, estamos sempre percebendo o mundo como altamente incerto e o futuro é uma coisa extremamente incerta. Sempre falamos que não existe um futuro, existem milhares de futuros possíveis. O que estamos vendo é que pandemia atual colocou todo mundo na mesma página, da qual sabemos muito pouca coisa e por isso o futuro é altamente incerto. Eu acredito que lá na frente, como aconteceu em outros momentos da história, a pandemia vai facilitar o desenvolvimento de muitas inovações. Situações de crise facilitam muito a criatividade e a inovação. É aí que nasce um monte de ideias. Está todo mundo estudando a saúde. 

Como é algo que atingiu o planeta inteiro, acabou criando uma mobilização generalizada.

Essa mobilização terá um impacto bom para o nosso futuro. Coronavírus está funcionando como um revelador de tudo o que está errado e do que precisa melhorar. 

A pandemia afeta de alguma maneira aquelas 14 megatendências para o futuro que você apresentou no Agenda Bahia do ano passado?

A nossa percepção é que as megatrends permanecem as mesmas e vão seguir atuando. O que está acontecendo é que pandemia está acelerando algumas das tendências e fazendo o futuro acontecer mais rápido. É o caso da transformação digital, por exemplo. Estamos vivendo um momento em que isto acontece de maneira mais acelerada por conta da quarentena. Existem transformações que esperávamos para os próximos cinco ou dez anos que já estão acontecendo agora em questão de meses. O foco em saúde, que é outra megatrend, também está passando por isso. A ideia de cuidar mais da saúde preventivamente está ganhando bastante força. A pandemia também está acelerando isso. Para nós é bem interessante ver como este novo cenário está acelerando alguns futuros. Veja a ideia da sociedade conectada, do trabalho remoto, online. O padrão de transporte também está se modificando, pelo menos no curto prazo, e também a educação. 

Quais são os aspectos negativos?

Em alguns aspectos, a pandemia está acelerando algumas tendências, mas também não podemos fechar os olhos. Por outro lado, está desacelerando. Temos uma megatrend como desenvolvimento demográfico que também fala sobre igualidade de gênero. Infelizmente várias pesquisas mostram que em todo o planeta houve um aumento de feminicídio. A pandemia e a quarentena estão atrasando questões da igualdade entre homens e mulheres. A mulher tem que fazer as compras, comida, passar roupa e seguir trabalhando. 

O setor de serviços tem uma importância grande para a economia baiana. Quais são as perspectivas para o varejo, o turismo e o entretenimento, por exemplo?

Para começar, o turismo e o setor de viagens está sofrendo um golpe enorme, mas eu acredito que é um setor que precisa se adaptar rápido para as regras mais rígidas de distanciamento social. Mas uma coisa boa para a Bahia e o Brasil é que no curto e médio prazo é que muitas pessoas deixaram de ir para o exterior e deve haver um aumento no turismo local. Veremos mais indivíduos e famílias olhando mais para os atrativos mais próximos. Shows, música e eventos de grande escala, como sempre foi o Agenda Bahia, vai precisar se adaptar enquanto estamos com a pandemia em curso. O caminho é uma grande transformação digital, com novos formatos. Veremos shows em drive-in ou em formatos menores e em maiores espaços, para evitar aglomerações. São necessários novos padrões. 

 Quais são as mudanças que vieram para ficar?

Eu acho que a questão da saúde preventiva é algo que chegou para ficar. Todo mundo se interessa mais por ser saudável. Por outro lado, uma área que tem um grande impacto, mas é a curto prazo, é o deslocamento. Hoje há um favorecimento da mobilidade em veículos individuais, mas no longo prazo, o futuro dos transportes é compartilhado. Com certeza, mais pessoas vão usar bicicletas e carros e nos próximos anos veremos muito interesse por parte dos cidadãos a meios de transporte que consigam respeitar as regras de distanciamento necessárias. 

Algumas análises dão conta de que não apenas pessoas estão mais fechadas em torno de si, mas dão conta disso como tendência inclusive para as nações. O que você espera em relação a isso?

Eu acredito que é uma tendência no curto prazo. Mas a globalização é uma megatrend. Pode estar sendo desacelerada neste momento, mas acredito que voltaremos a ver um mundo cada vez mais globalizado. Outra coisa é que não é porque as pessoas não estão se deslocando fisicamente que elas  estão se fechando. Já temos reuniões online e muito contato por meio de nossa vida digital. Então, no curto e médio prazo deve haver menos contato físico, mas no médio e longo prazo, eu acredito que iremos ver cada vez mais um mundo mais aberto. 

O fato de comprarmos mais online acelerou as chamadas “bolhas de consumo”? 

Sim, sem dúvidas. Esta é uma das áreas que estamos observando com mais interesse. Estamos cada vez mais vivendo em bolhas, nossos fornecedores de produtos estão cada vez mais usando propostas individualizadas. Era algo esperado para acontecer em cinco ou dez anos e está acotecendo agora. Talvez tenha sido o que mais mudou. Mas acredito que assim que houver um controle sobre a pandemia, o cidadão vai continuar fazendo compras online e vai experimentar uma nova apreciação do contato físico, de ir a uma loja. Vai depender muito de como vai se desenvolver esta pandemia. 

Quais as perspectivas para o varejo?

Eu acredito que o desafio agora para o varejo físico é se readaptar para oferecer serviços com segurança. Nossa esperança é fazer online o que puder ser feito assim e manter presencialmente o que não fizer sentido online. Ao vivo, só aquilo que precisa acontecer ao vivo. Devemos viver alguns anos com menos circulação de pessoas. 

Existem discussões em relação ao monitoramento de deslocamentos. Como você encara essa situação?

Isso é algo que acontece há 20 anos, desde que passamos a ter tecnologia para monitorar. Agora, virou uma questão de segurança, literalmente de vida e morte. É uma ferramenta que precisamos não ter medo porque realmente é algo que vai ajudar os governos a de alguma forma tentar controlar a pandemia. Claro que coloca um foco muito forte na necessidade ter democracias, instituições transparentes e com leis que protejam os cidadãos. Mas eu acho que este tipo de monitoramento, temos que acostumar porque a tendência é aumentar. Na minha ótica, a luta por democracias livres foi tão necessária, para proteger o cidadão. A gente ver as pessoas com medo de entregar para o estado com medo de mau uso, mas todos baixamos Facebook, Mensenger, Instagram, qualquer aplicativo. 

A gente confia mais no Google e Facebook que no governo, né?

Isso e talvez este seja o grande erro. Deveríamos confiar mais no governo. No fundo o cidadão não está preocupado com privacidade quando recebe conveniência. Abrimos mão da nossa privacidade quando convêm. 

O Fórum Agenda Bahia 2020 é uma realização do CORREIO, com patrocínio do Hapvida, parceria do Sebrae, apoio da Claro e Sistema FIEB e apoio institucional da Rede Bahia.