Plano inclinado na Barra? 10 curiosidades históricas dos bairros de Salvador

São histórias curiosas e que podem ser novidades mesmo para quem nasceu e sempre morou aqui

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  • Thais Borges

Publicado em 29 de março de 2022 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Guilherme Gaesnly/Acervo Ubaldo Senna Filho e Marina Silva/CORREIO

Que Salvador tem bairros que exalam história, não é novidade para ninguém. Mas nem todo mundo sabe que qualquer passeio por aqui pode revelar causos, contos e até lendas de quase cinco séculos desde a sua fundação. Não se trata só do Centro Histórico - e nem mesmo o Centro Histórico tem apenas os fatos mais conhecidos a contar. “Salvador, como cidade, é um lugar de memória”, diz o historiador Daniel Rebouças, doutor em História pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). “Muitas ruas, muitos lugares têm camadas de memória e cada vez mais a gente vai descobrindo, tornando a cidade mais importante. Por isso, é muito importante a preservação do patrimônio”, acrescenta. Se você passou os últimos dois anos enfiada ou enfiado em casa e não sabe por onde voltar a explorar a cidade, o CORREIO preparou um guia com 10 bairros de Salvador com histórias curiosas ou nem tão conhecidas assim, mesmo por quem nasceu e sempre morou aqui. 

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Assim, na sua próxima visita a essas localidades, seja para desbravar com calma ou se simplesmente estiver vendo rapidinho da janela do carro ou do ônibus, pode lembrar que aquele bairro pode não ter só uma paisagem bonita, mas também uma bagagem cultural de fazer inveja. 

Confira a lista completa 

1. Barra

Hoje é possível chegar à Barra de diversas formas: de ônibus, de carro, de bike, a pé. Mas, no século passado, o bairro tinha outro transporte para visitantes e moradores: um plano inclinado que começava na região onde atualmente fica a Perini, na Avenida Princesa Isabel, e seguia até a região do Porto. Toda a ladeira funcionava como o plano inclinado. 

Ali, havia um bonde puxado por burros que vinham da Vitória até o local do Hospital Português. O Plano Inclinado da Barra percorria a via onde hoje fica a Avenida Princesa Isabel (Foto: Guilherme Gaensly/Acervo Ubaldo Senna Filho) “A empresa era a Transportes Urbanos, a mesma dona do Elevador Lacerda. Eles encaixavam os animais nesse sistema de plano inclinado e o bonde descia na gravidade. Tinham os freios que eram sacos de areia e eles só iam parar mais ou menos onde é aquele hotel”, explica o historiador Daniel Rebouças, referindo-se à região do Porto da Barra. O plano inclinado foi inaugurado por volta de 1881 e teria funcionado por cerca de 20 anos. “Não durou muito porque o sistema era precário e os moradores não gostavam muito. Eram dois trilhos de madeira para descer com muita coragem”, acrescenta.

Ficha técnica Nome do lugar: Barra  Onde fica: Barra  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Barra  Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

2. Bonfim

O passeio pelo Bonfim já é tradicional, mas pouca gente sabe que, por baixo do chão daquela região, ainda existem os trilhos do que foi o segundo bonde elétrico do Brasil. “Salvador foi quase pioneira no bonde elétrico, que ficava ali em Roma”, diz o historiador Daniel Rebouças. 

Ali, já existia uma empresa de bondes antiga chamada Veículos Econômicos. Um dos sócios era Antônio Francisco de Brandão, que começou a fazer uma articulação com a Siemens, multinacional de origem alemã. Na época, a empresa vinha construindo bondes na América Latina. Foi assim que, em 1887, foi fundada a Companhia de Carris Elétricos, a segunda do país no ramo de bondes elétricos.  O Bonfim teve o segundo bonde elétrico do Brasil (Fotos: Marina Silva/CORREIO e Autor não identificado/Acervo Siemens Museum) “Além do bonde elétrico, tinha também uma espécie de delivery. Se você estava na calçada e queria mandar um material para o Mercado Modelo, ao invés de contratar carroça ou o bonde, a Siemens tinha também carros movidos a eletricidade, como um Uber mercadoria raiz”, cita o historiador Daniel Rebouças. O bonde elétrico durou até a década de 1950, mas não sem ter enfrentado alguns problemas. Era frequente que os veículos entrassem em atrito com os carroceiros porque a rua era estreita e os carroceiros entendiam que estavam perdendo serviço. 

Ficha técnica Nome do lugar: Bonfim Onde fica: Bonfim Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Itapagipe Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

3. Cabula

Um dos principais bairros residenciais de Salvador hoje, o Cabula já foi conhecido por seus laranjais. No século XIX, fazendas tinham enormes plantações de laranja - em especial, aquelas conhecidas como ‘laranja de umbigo’. No início dos anos 1950, porém, os laranjais começaram a ser afetados por pragas, o que contribuiu para a urbanização do local. “As laranjas do Cabula chegaram a ser mandadas para a Califórnia, nos Estados Unidos, onde tem a maior exportação da fruta do mundo”, diz o pesquisador e jornalista Nelson Cadena. Imaginar isso é difícil com a paisagem do bairro hoje, com tão poucos sítios. Se você passa pelo Cabula hoje, com tantos prédios, casas, estabelecimentos comerciais e até grandes universidades, dificilmente o cenário lembra o descrito pelos historiadores ou mesmo pelos moradores mais antigos. “Mas o povo mais antigo dizia que chegava no Cabula e podia sentir o cheiro da laranja. Quando cheguei à Bahia, na década de 1970, ainda tinham alguns sítios”, lembra. 

Ficha técnica Nome do lugar: Cabula Onde fica: Cabula Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Cabula Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

4. Itapuã

Pode ter quem diga que, com tanta história, talvez um bairro não precisasse de lendas. Mas e quando elas fazem parte da própria história? Em Itapuã, uma das mais famosas é justamente a que o conecta a outro bairro: São Tomé de Paripe. Pois, diz a lenda que São Tomé teria andado pelas águas do mar de Salvador, caminhando de Itapuã até São Tomé de Paripe. 

Em cada uma das pontas, ele teria deixado uma pegada.“Na verdade, é uma lenda indígena que os jesuítas transformaram em São Tomé de Paripe. É a lenda do Sumé, um deus branco que anda pelo meio das águas. É uma lenda mundial, existe em quase todos os países da América Latina”, diz o jornalista e pesquisador Nelson Cadena. A partir de agora, quando chegar a Itapuã, lembre que a pegada ficaria em uma das pedras da praia, localizada nas proximidades de onde hoje está o Acarajé da Cira. “Todo ano tem a festa de São Tomé, mas acabou se tornando uma festa pequena. Hoje, devem ir 50, 100 pessoas, no máximo”, acrescenta. 

Mesmo nos tempos mais recentes, Itapuã continua oferecendo lendas contemporâneas a quem visita Salvador, a exemplo do ‘sereio’ que teria aparecido por lá em 2018. 

Ficha técnica Nome do lugar: Itapuã Onde fica: Itapuã Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Itapuã Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

5. Lobato

Em meio aos polêmicos aumentos da gasolina nas últimas semanas, um dos marcos da história do Lobato é também o início da trajetória do petróleo no Brasil. Ainda na década de 1930, começaram a surgir os primeiros boatos: que a região cheirava a óleo, enquanto vizinhos se acusavam de jogar água suja na plantação do outro. 

Até que duas pessoas - o engenheiro Manoel Inácio de Barros, e um comerciante que era diretor da Bolsa de Valores, Oscar Cordeiro - decidem pesquisar isso. Na época, o tema estava em evidência porque o escritor Monteiro Lobato andava dizendo que tinha descoberto petróleo em Alagoas, mas não recebia credibilidade.  Manoel Inácio de Bastos (de terno branco) e Oscar Cordeiro (à direita dele, de terno e chapéu) fizeram as primeiras pesquisas na Bahia (Foto: Autor não identificado/Acervo Museu Geológico da Bahia) “Em Salvador, essa dupla pega as amostras e manda para professores na Escola Politécnica (da Ufba) e para jornalistas, mas eles ainda precisavam da ajuda do governo porque os resultados não eram muito precisos”, diz o historiador Daniel Rebouças. Eles fizeram tentativas entre 1932 e 1935, mas Manoel Inácio acabou desistindo. Enquanto isso, Oscar Cordeiro entrava em contato com o geólogo Guilherme Guinle e, juntos, conseguiram uma sonda para tentar explorar uma mina. Com o golpe de Getúlio Vargas, contudo, o governo toma o equipamento. 

"Por isso, é Vargas que acaba achando o petróleo. Ele toma a mina e acaba descobrindo. Mas foi uma descoberta desses dois. Oscar Cordeiro foi reconhecido como descobridor pela Petrobras, a família dele ganhou o título e a aposentadoria. Manoel Inácio ficou menos conhecido”, completa. 

A descoberta do petróleo aconteceu em 1939, mas o poço não dava vazão comercial. Esse canal só viria dois anos depois, em Candeias. “Ainda assim, é muito simbólico, porque é a primeira vez que se vislumbra petróleo no Brasil”, diz Rebouças.  

O Marco Zero do petróleo no Brasil fica hoje em uma praça, no Lobato. Apesar de ter ficado esquecido nos últimos anos, o local tem uma marcação que revela onde a história começou até para a Petrobras. 

Ficha técnica Nome do lugar: Lobato Onde fica: Lobato  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Subúrbio Ferroviário Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

6. Paripe

Esse passeio seria pela Ponte da Sapoca - chamada por alguns de Ponte de Sapucá -, uma localidade que fica entre as praias de Tubarão e São Tomé de Paripe. É nessa região que fica a fábrica de cimento Aratu, mas nem todo mundo sabe a ligação dela com o educador Anísio Teixeira. 

“Quando se começou a usar cimento no Brasil, na década de 1920, basicamente só tinham duas empresas de capital canadense e americano, uma de São Paulo, outra do Rio”, lembra o historiador Daniel Rebouças. 

No período pós-guerra, Salvador vinha tendo dificuldades para encontrar fornecedores de cimento a preços razoáveis. Enquanto isso, na Era Vargas, Anísio Teixeira passou a ser muito perseguido. “Ele resolve ganhar a vida com outras atividades, vira comerciante e vai buscar manganês no exterior”, conta. Em 1946, Teixeira descobre uma reserva de calcário na Baía de Todos os Santos. 

Assim, ele vai em busca do arquiteto Diógenes Rebouças e diz que precisa pedir ao governo uma autorização para explorar, pensando em começar a fazer a indústria.“Diógenes Rebouças pergunta para ele como vai se chamar a fábrica. Eles estão na biblioteca, Anísio Teixeira olha um livro com um caranguejo na frente e pergunta o que era aquilo. Diógenes responde: ‘o nome é aratu”. Dali em diante, Teixeira entrou em contato com a companhia nacional de cimento Portland e com um advogado paulista chamado Pascoal Perrone para entrar na sociedade, além de garantir o fornecimento de gás natural. “Quando ele volta para a educação, vende a parte dele, no começo da década de 1950. Mas a Cimento Aratu foi iniciativa de Anísio Teixeira”, pontua. 

Ficha técnica Nome do lugar: Paripe Onde fica: Paripe  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Subúrbio Ferroviário Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

7. Pelourinho

À primeira vista, esse é um clichê. Afinal, quem não sabe que o Pelourinho tem história? Mas, de fato, é um local importante da cidade desde seus primeiros anos, já que era considerado estratégico para o desenvolvimento de Salvador. 

No entanto, o que é menos conhecido é que, até meados do século XX, existiu uma fonte d’água ali.“Quem passa na praça onde hoje está o Pelourinho, ou seja, no alto da ladeira, é onde estava o pelourinho mesmo. Ali tinha uma fonte que vai funcionar até a década de 1920”, diz o historiador Daniel Rebouças, citando o termo também como referência ao poste utilizado para castigos na época colonial.  A Fonte do Pelourinho funcionou por séculos (Fotos: Autor não identificado/Acervo Ubaldo Senna Filho e Marina Silva/CORREIO) De acordo com Rebouças, não se sabe ao certo quantos pelourinhos existiram em Salvador, mas o ‘principal’ migrou por vários locais entre 1615 e 1635, quando teria ficado nas imediações de onde hoje funciona a Fundação Jorge Amado. Lá, havia essa fonte - provavelmente chamada de ‘Fonte do Pelourinho’ -, com um volume alto de água. 

As estimativas da época eram de que, em um dia de verão, a fonte conseguia encher de 12 a 13 mil barris de água. Se fosse para caridade, cada barril sairia por 30 réis, um valor considerado barato para o período. No entanto, se a pessoa estivesse comprando para consumo próprio, o preço era 10 mil réis, que seria equivalente a cinco passagens de bonde. “Depois, essa fonte é retirada dali e isso se perdeu. Ninguém sabe o destino do material”, completa o historiador. 

Ficha técnica Nome do lugar: Pelourinho  Onde fica: Pelourinho  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Centro Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

8. Pituba 

Quando você passa pela Pituba, hoje cheia de opções de restaurantes, estabelecimentos comerciais, bares e outros serviços, talvez não imagine que o bairro já foi uma grande fazenda - que, por sua vez, levava o mesmo nome. A urbanização só começou a acontecer no começo do século 20, como explica a professora Bete Santos, da Escola de Administração da Ufba e uma das autoras do estudo O Caminho das Águas, sobre os bairros de Salvador. “Entre 1910 e 1920, a fazenda de Joventino Pereira da Silva começa a ser loteada, ainda com aquele perfil bastante horizontalizado. Mas a Pituba como bairro só começa a ganhar corpo a partir dos anos 1960”, explica. É nesse período que o perfil de ocupação da cidade começa a mudar, justamente com a instalação de locais de comércio e serviços. “A Pituba passa a ser onde parte significativa da população se desloca e tem padrões de ocupação diferenciados. Hoje, é um dos maiores índices de renda média, com uma concentração grande de serviços e equipamentos. É um bairro que polariza”, completa. 

Ficha técnica Nome do lugar: Pituba Onde fica: Pituba  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Pituba/Costa Azul  Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

9. Santo Antônio Além do Carmo 

Se você costuma passear por um dos bairros mais charmosos e turísticos de Salvador, o Santo Antônio Além do Carmo, é possível que saiba que o local sempre teve importância cultural. 

Em sua próxima ida ao bairro, porém, lembre que essa relevância, porém, tem raízes que não são de agora. Ali, como conta o historiador Daniel Rebouças, foi uma região de teatro popular e circo por muito tempo. Essa vocação fez com que nomes como Xisto Bahia começassem a carreira no teatro, ainda no século 19. 

Mas um dos destaques era um circo chamado Barracão Cosmopolita, no final do século.“Era um circo com palhaços, malabaristas e tinha um ator americano, John Bridges, que se travestia de baiana enquanto cantava vários lundus e sambas. Esse cara chegou a fazer muito sucesso, rodou a cidade toda e, lá no Santo Antônio, atraía um público grande”, conta o pesquisador. O circo chegou a durar 20 anos, mas, como eram itinerantes, passaram por outras cidades brasileiras, como o Rio de Janeiro. 

Ficha técnica Nome do lugar: Santo Antônio Além do Carmo Onde fica: Santo Antônio Além do Carmo  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Centro  Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

10. Tororó 

Que tal uma corrida ou caminhada ao redor do Dique do Tororó mais tarde? Um dos destaques do Tororó é justamente o manancial, que se tornou uma região buscada por moradores de todos os tipos - dos que procuram espaços para praticar atividade física aos que querem curtir um dia de sol com a família. 

Por muito tempo, porém, o Dique foi um escoadouro de dejetos do entorno da cidade, como lembra a professora Bete Santos, da Ufba.O projeto de despoluição do local só começou na década de 1990, com o antigo programa Bahia Azul. “Foi-se pensando em usos mais nobres do que simplesmente descartar resíduos de tudo quanto é tipo ali. No entorno, ainda existem algumas fontes que foram muito importantes para o abastecimento dos bairros da cidade por muito tempo. Muitas delas estão numa situação bastante precária hoje. Algumas foram depredadas, outras foram aterradas”, diz.Ao contrário de bairros como a Pituba, que referem-se a uma Salvador mais nova, o Tororó traz outra imagem da cidade. “Você está falando da Salvador antiga, de um sentido amplo do que era a Salvador tradicional”, explica. 

Ficha técnica Nome do lugar: Tororó Onde fica: Tororó  Quanto custa: Gratuito Em que área da cidade fica: Região Centro Melhor horário para visitar: Qualquer horário Quanto tempo precisa para visitar: Livre

O Aniversário de Salvador é um projeto do Jornal Correio com patrocínio do Hospital Cárdio Pulmonar, Wilson Sons, Salvador Bahia Airport e Unifacs, apoio institucional da Prefeitura Municipal de Salvador, FIEB e Sebrae, apoio de Suzano, Abaeté Aviação, Sotero, Shopping Center Lapa, Jotagê, AJL, Comdados.