PMs indiciados por morte de Davi Fiuza seguem trabalhando nas ruas

Entidade critica não afastamento de policiais: 'carta branca para novos atos'

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  • Bruno Wendel

Publicado em 10 de agosto de 2018 às 16:55

- Atualizado há um ano

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Davi tinha 16 anos quando desapareceu (Foto: Rute Fiuza/Arquivo Pessoal) Os 17 policiais militares indiciados pela morte do adolescente Davi Santos Fiuza, que ocorreu após operação da PM em 2014, continuam trabalhando na atividade ostensiva da corporação. Dois tenentes, dois sargentos e 13 soldados-alunos à época do sumiço, segundo inquérito concluído na semana passada pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), são apontados como principais suspeitos de raptar e matar o jovem no bairro de São Cristóvão, em Salvador. 

O documento já foi encaminhado ao Ministério Público da Bahia (MP-BA), que tem até o dia 18 deste mês para denunciar ou não os 17 PMs. A promotora de Justiça Ana Rita Nascimento analisa os 12 volumes do inquérito.

Inicialmente, 23 PMs foram indiciados pelo desaparecimento e morte do adolescente. Mas após o MP-BA determinar novas diligências, o DHPP chegou ao atual número de prováveis envolvidos no crime. 

Segundo o Departamento de Comunicação Social (DCS) da PM, o Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado à época não encontrou elementos que ligassem os 23 PMs à morte e sequestro de Davi Fiuza e que, por isso, os policiais seguem trabalhando normalmente. Ainda de acordo com a PM, a Corregedoria da corporação já recebeu uma cópia do inquérito do DHPP e o documento está em análise.

O CORREIO solicitou a identificação dos indiciados e quais as atividades desempenhadas por eles atualmente, mas a PM se limitou a informar, nesta sexta-feira (10), que "diante do indiciamento dos policiais envolvidos no caso Davi Fiúza, a Corporação vai adotar as providências legais previstas em lei."

Acusação Também procurado pelo CORREIO, o advogado assistente de acusação junto ao MP-BA, Paulo Kleber Carvalho Filho, comentou o fato de os PMs continuarem trabalhando no policiamento ostensivo.“Primeiramente, é um desrespeito com a sociedade, policiais que estão sendo investigados por crimes, quando deveriam garantir a segurança da sociedade. É como se desse carta branca para praticar novos atos semelhantes, dando um ar de impunidade”, declarou Paulo Kleber. “Quando há uma investigação comprovando o sumiço de um menino, gera comoção popular e seria prudente a Corregedoria afastar os policiais para que outras situações da mesma natureza não aconteçam”, complementou o assistente de acusação. 

Paulo Kleber comentou ainda o fato de a investigação do DHPP ter indiciado incialmente 23 PMs e, agora, 17, enquanto a apuração da própria PM não encontrou nenhum elemento que ligasse os policiais à morte de Davi Fiuza. Ele admitiu que a PM não tem elementos suficientes para tornar a investigação eficaz. 

“A PM não tem instrumento de investigação aprofundado como a Polícia Civil. A investigação da PM é restrita a fatos notórios, concretos; a PC tem mais mecanismos de aprofundar uma investigação, como quebra de sigilo telefônico, bancário, tudo isso é analisado pela promotoria. A PM não tem estrutura para investigar com qualidade, já que não é da competência institucional da PM e, sim, da PC”, finalizou. 

Tortura Nunca Mais O Grupo Tortura Nunca Mais da Bahia (GTNM-BA), no entanto, sugeriu corporativismo da PM, e condenou a atual situação dos PMs acusados da morte de Davi Fiuza.“É um erro, mostrando um conflito latente e um grande indício de corporativismo. A polícia investigativa por natureza é a Polícia Civil. Se o inquérito foi dado a conhecimento da PM, não tem o que contestar”, declarou Joniano Soares de Carvalho Neto, presidente do GTNM-BA.Ele criticou a postura da cúpula da PM pelo não afastamento dos policiais. “Dá a impressão aos pobres que a vida deles não nada. (...) O que nós queremos é uma polícia com uma capacidade de investigação, com levantamento de provas, para que a verdadeira segurança seja feita”, finalizou.  Rute Fiuza transformou a dor em luta contra a cultura da violência (Foto: Betto Jr./Arquivo CORREIO) Luta Em entrevista ao CORREIO, publicada nessa quinta (8), a mãe de Davi, Rute Fiuza, disse que transformou o luto em luta contra a perpetuação de uma cultura de violência. Ela hoje faz parte da Anistia Internacional (AI), organização internacional que defende os direitos fundamentais, pela qual viaja dando suporte a outras mães que tiveram filhos com o mesmo destino de Davi. 

O luto de Rute teve início em 24 de outubro de 2014. Policiais militares faziam uma operação final para obtenção do diploma de soldado, quando abordaram Davi na Rua São Jorge, na localidade de Vila Verde, e o raptaram. Desde então, nunca mais ela viu o filho.

Anistia O CORREIO perguntou à AI qual o seu posicionamento em relação à situação atual dos policiais indiciados, mas, por meio da assessoria de comunicação, a organização disse que não ia comentar. Na terça, a entidade pediu agilidade ao MP-BA para que faça a denúncia dos policiais indiciados.  

A Anistia Internacional é uma organização não governamental que defende os direitos humanos com mais de 7 milhões de membros e apoiadores em todo o mundo.