Por falta de estrutura em presídios, Dona Maria quer cumprir prisão domiciliar

Maior traficante da Bahia, ela foi transferida de Salvador para Juazeiro

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  • Bruno Wendel

Publicado em 3 de outubro de 2019 às 16:45

- Atualizado há um ano

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(Foto: Alberto Maraux/SSP) A Dama de Copas do Baralho do Crime e líder da facção Bonde do Neguinho (BDN), Jasiane Silva Teixeira, 30 anos, conhecida como Dona Maria, foi transferida do Centro de Operações da Polícia Civil (COE) para o Conjunto Penal de Juazeiro na manhã desta quarta-feira (2). Ela chegou ao conjunto em um dos helicópteros do Grupamento Aéreo da Polícia Militar (Gaer). Agora, luta para cumprir a pena em prisão domiciliar.

Presa na quarta-feira (25) da semana passada, Dona Maria tinha um mandado de prisão em aberto pela morte de um agente penitenciário em Jequié. Ela responde pelo crime no regime semiaberto no Conjunto Penal de Juazeiro, destinado a abrigar ambos os sexos – condenados ao cumprimento de pena em regimes fechado e semiaberto, e, excepcionalmente, de presos provisórios.

Apesar disso, segundo explica o advogado dela, Valmiral Marinho, a mulher divide cela com outras presas de regimes diferentes. “A ala feminina do conjunto não tem separação de regime, isso é ilegal”, alerta ele, argumentando que a situação contraria a súmula vinculante nº 56, do Supremo Tribunal Federal (STF), que determina que presos de regimes mais brandos não podem ser tratados com as mesmas regras de regimes mais severos. 

Ainda de acordo com a defesa, por conta disso, será pedido que Dona Maria cumpra a pena em casa. “Como na Bahia nenhuma uma unidade prisional feminina tem essa separação de regime, ela tem o direito à prisão domiciliar. Vamos usar exemplos de outras internas que estavam na mesma condição e, hoje, após decisão da Justiça, estão cumprindo pena em suas residências”, disse o advogado, que pretende dar entrada no pedido em breve. 

Questionado se a prisão domiciliar não oferece um risco à sociedade, já que Dona Maria é apontada pela Polícia Civil como "uma das maiores traficantes do estado e com aliança com o PCC", Marinho foi taxativo.

"A Polícia Civil não trouxe nada que comprovasse sua participação, seja através de escutas telefônicas, provas robustas, sequestro de bens. Ela foi presa por um mandado de prisão antigo, referente à morte do agente penitenciário. Ela está pagando pelo papel do marido. As pessoas que mataram esse agente já foram mortas pela polícia”, completou. 

O CORREIO entrou em contato com a Secretaria de Administração Penitenciária e de Ressocialização do Estado da Bahia (Seap), mas não obteve respostas. 

Chegada à Bahia Considerada uma das traficantes mais perigosas do estado, Dona Maria foi presa em Mogi das Cruzes (SP), junto com o também traficante Márcio Faria dos Santos, o Carioca, braço financeiro da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), no leste Paulista. Ela garante que está grávida e pretende escrever um livro.

Em solo baiano, durante apresentação à imprensa, a mulher chegou ao auditório do prédio-sede da Polícia Civil de cabeça erguida e respondeu às perguntas dos jornalistas – em alguns momentos ela foi irônica. Após a coletiva, Dona Maria disse com exclusividade ao CORREIO que não era um monstro e chorou. 

Em seguida, foi encaminha para o COE, onde passou cinco dias. “O COE não é uma delegacia, é uma base de ações operacionais. Ela foi muito bem tratada, teve garantidos direitos como acesso aos advogados e alimentação, mas lá não tem carceragem. Ela ficou numa sala normal”, disse uma fonte da Polícia Civil ao CORREIO. 

Em nota, a Secretaria da Segurança Pública informou que “a presa ficou custodiada na Coordenação de Operações Especiais (COE), no período que prestou depoimentos" e ressaltou que "esta unidade foi escolhida por Jasiane ser um alvo sensível e de alta periculosidade. Por fim, a SSP afirma que neste período ela recebeu o tratamento digno, como qualquer outro detento, com os seus direitos garantidos".

HistóricoJasiane estava escondida em São Paulo há pelo menos quatro anos e há poucos meses tinha comparecido ao aniversário de uma prima em Porto Seguro, extremo-sul do estado. Em São Paulo, segundo a polícia, ela estava escondida em um imóvel de luxo em Biritiba-Mirim.

Além do tráfico de drogas, Jasiane, segundo a polícia, tem envolvimento com homicídios, corrupção de menores, roubos, falsificações, tráfico de armas, entre outros crimes. Natural de Vitória da Conquista, ela comandava uma facção atuante na região Sudoeste da Bahia, a Bonde do Neguinho, com ramificações nos estados de Minas Gerais e São Paulo.

Com três mandados de prisão, Jasiane figurava no Baralho do Crime da Secretaria de Segurança Pública da Bahia (SSP) como “Dama de Copas”. 

Família de traficantes Além de ser conhecida como Dona Maria, Jasiane era apelidada no mundo do crime como Tia. Ela é enteada de Antonilton de Jesus Martines, o Nenzão, um dos traficantes mais antigos da região Sudoeste do estado. Ela foi presa em 2008 em flagrante, em Vitória da Conquista por tráfico de drogas e porte ilegal de arma, junto com o então companheiro Bruno de Jesus Camilo, o Pezão, que é sobrinho de Nenzão. Em Vitória da Conquista, Jasiane cresceu no bairro Kadija, um dos mais violentos da cidade.

O mandado de prisão em aberto e que levou a polícia a prendê-la em São Paulo é referente ao assassinato do agente penitenciário Luciano Caribé, ocorrido em 2009, em Jequié. 

Na época, Pezão estava preso no Conjunto Penal de Jequié e se desentendeu com o agente penitenciário. Ele e Jasiane, então, determinaram o assassinato, executado por dois comparsas que morreram em troca de tiros com a polícia dias após o crime. Jasiane já estava em liberdade e, segundo a polícia, colaborou com a ação criminosa, fornecendo as armas e apoio logístico aos executores.

Logo após Pezão conseguir sair da prisão, o casal se mudou para o extremo sul da Bahia, de onde comandavam à distância o tráfico de drogas na região sudoeste do estado, com ordens para matar rivais na disputa por territórios.

Pezão morreu em 2014, durante confronto com policiais de Vitória da Conquista em Santa Cruz Cabrália, cidade vizinha a Porto Seguro. Jasiane estava presente, mas conseguiu fugir e assumiu a liderança da organização criminosa, que passou a ficar conhecida como BDN em referência ao principal gerente, Juarez Vicente Morais, o Neguinho.

Sem piedade No comando do crime, Jasiane passou a atuar com impiedade pior que a de Pezão, executando rivais em qualquer local - e quem estivesse perto, sem poupar nem crianças, afirma a polícia.

Em novembro de 2016, por exemplo, ela ordenou que seu bando matasse todos que estivessem em uma festa realizada num bar que deu preferência a vender drogas da facção rival, comandada por Willians Alves de Souza Filho, o “Nem Bomba”, preso junto com a esposa Jaqueline da Silva Carvalho em setembro de 2018 em Vitória de Santo Antão (PE). No local havia mais de 20 pessoas.

A polícia, no entanto, frustrou a ação ao perceber a movimentação no local e seguir os traficantes. Quatro deles acabaram mortos em troca de tiros com a Polícia Civil quando chegaram à tal festa e desceram de um veículo Celta cinza de arma em punho.

A prima de um dos traficantes mortos esteve no local após o ocorrido e acabou presa. Ela tinha ido verificar o que ocorreu para depois passar ao BDN. À polícia, a mulher confessou todo o plano: 'matar geral'.

Segundo informações da polícia, no mesmo ano em que foi colocada no Baralho do Crime da SSP, Jasiane se aliou Marreno e Zé de Lessa, líderes da facção Bonde do Maluco (BDM), uma das maiores da Bahia, e ao traficante Carioca, do PCC, com quem ela vivia atualmente.

Com novos aliados, Jasiane passou a comandar a distribuição de drogas e armas de grosso calibre para grande parte do estado da Bahia. Ela ficou responsável por intermediar a compra de armamentos, como fuzis e granadas, o que aumentou o poder de fogo dos comparsas da região sudoeste, Juarez Neguinho e Diogo Oliveira Campos, o Kiko, principais gerentes do tráfico na região e que estão foragidos.