Prisões e depoimento: tudo que se sabe até agora sobre o caso Atakarejo

Delegada falou sobre poder paralelo, envolvimento do Atakarejo e os 7 presos hoje

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  • Da Redação

Publicado em 10 de maio de 2021 às 14:55

- Atualizado há um ano

. Crédito: Alberto Maraux/SSP-BA

A polícia não tem dúvidas de que Bruno Barros e Yan Barros foram entregues pelos seguranças do Atakarejo de Amaralina para traficantes do Nordeste, que executaram os dois. Os corpos foram achados dentro de um carro na Polêmica. "Ficou muito claro que houve um contato dos seguranças com traficantes da área", diz a delegada Andréa Ribeiro, de Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que investiga o caso. Sete suspeitos foram presos nesta segunda-feira (10) e a participação de outras pessoas segue sendo apurada. Dentre os presos, três são da área de segurança do mercado, incluindo o gerente do setor, e quatro suspeitos de tráfico de drogas. Os nomes não foram divulgados.

A polícia falou mais detalhes da investigação em coletiva à imprensa hoje. Veja os pontos discutidos.

Polícia não foi chamada e o problema da justiça paralela O secretário da Segurança Pública, Ricardo César Mandarino, afirmou que a polícia não aceitará comportamentos que envolvam um poder paralelo em questões de Estado. "Não vamos tolerar esse tipo de crime bárbaro. Seguranças, ao invés de chamar a polícia para resolver o problema, que é o comportamento correto, adequado, a polícia é treinada para isso, eles chamaram os traficantes, chamaram o poder paralelo. Existe essa mentalidade de 'bandido bom é bandido morto' e os rapazes nem bandidos eram. Então eles se acham no direito de julgar e executar numa rapidez incrível. É uma mentalidade horrível que se instalou no país", avaliou.

Para ele, a polícia baiana não é violenta e mortes em ação acontecem em situações de confronto, quando é necessário se defender. "E nós não vamos admitir aqui na Bahia que o poder paralelo, que os marginais, mandem no estado. Quem controla a segurança pública é a polícia, que é órgão do estado. A polícia baiana não é violenta, não vai matar ninguém, porque não pode, não deve, é questão de princípio, não só porque está no Código Penal que matar é crime. Isso é filosofia nossa, preservar vidas. Acontecem mortes quando há confrontos? Acontecem. Vão continuar acontecendo? Pode acontecer. Se o bandido reage com arma, o policial está em situação de legítima defesa".

A delegada Andréa também destacou que em nenhum momento o Atakarejo chamou a polícia para cuidar do caso de furto cometido por tio e sobrinho. “Em nenhum momento os seguranças do Atakarejo chamaram a polícia. Não há registros na Polícia Civil e nem na Polícia Militar, elas não foram chamadas para atender essa ocorrência de furto.  Eles disseram que fizeram uma ocorrência administrativa”, diz. “Eles estão dizendo que fizeram uma ocorrência interna, mas eles não têm poder de polícia. Eles podem fazer ocorrência interna para responsabilizar empregados deles que tenham saído da linha de orientação que a empresa estabelece, mas a ocorrência interna não pode tomar providência de polícia. Eles têm o dever de comunicar a polícia”, complementou o secretário.

Operação Retomada prendeu sete suspeitos e apreendeu material A delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Campos Brito, diz que o crime chocou todo país pelo "grau de perversidade" com as vítimas. Ela disse que o trabalho da Operação Retomada foi feito de maneira minuciosa para reunir as provas e conseguir as autorizações para mandados de busca e prisão na Justiça. Vários departamentos da Polícia Civil e a Polícia Militar participaram da operação hoje. "Essa é só a primeira etapa. Vamos intensificar as investigações com oitiva de todos os envolvidos, para que a gente possa consolidar de que modo aconteceu e qual a responsabilidade de cada indivíduo nesse processo", disse. "É importante estarmos atentos também à participação do próprio estabelecimento comercial através da sua segurança (...) Entendemos que é latente a responsabilidade da empresa nesse contexto".

"Vamos nos debruçar sobre esse material (apreendido), fazer novas análises e possivelmente isso vai nos permitir identificar outros indivíduos que participaram e concluir inquérito com indiciamento de todos envolvidos, sejam eles seguranças ou traficantes. Desde o início isso também incomodou muito nossa equipe, esse tribunal de exceção que foi estabelecido no complexo do Nordeste, precisávamos dar essa resposta", diz a delegada Andréa.

Relação do Atakarejo com traficantes Os policiais destacaram que a rede Atakarejo pode ser responsabilizada pelo crime, mas ainda não há provas de que havia um direcionamento vindo do mercado para a entrega dos suspeitos ao tráfico. "O que temos até então é relação dos seguranças que teriam arrebatado as vítimas do supermercado", dise a delegada Andréa. "Não posso dizer com certeza se existe uma determinação direta do Atakarejo com esses seguranças, no sentido disso ser um direcionamento da rede. Mas a investigação está cumprindo a primeira etapa, com vários desdobramentos que seguirão", afirmou. "Se essa conexão ficar provada, buscaremos responsabilizar tais indivíduos". O Atakarejo entregou as imagens das câmeras  que permitiram identificar os seguranças que participaram da ação.

Andréa destacou, contudo, que há um padrão de comportamento de violência dos seguranças com os traficantes da região, com pelo menos outro caso similar. "Só que no decorrer da investigação, à medida que fomos trazendo aos autos outros depoimentos e testemunhas, inclusive há outra vítima que teria sofrido violência física no ano passado em circunstâncias muito parecidas, a gente começa a delinear algo que foi determinante para que pedíssemos a prisão de seguranças. A gente começou a perceber que a ação era algo padrão com aquele grupo de seguranças que tiveram atuação direta no caso que culminou com o duplo homicídio", explicou.  "Se a gente conseguir trazer aos autos outros elementos que nos permitam imputar essa responsabilidade também à rede de supermercados, isso será feito", acrescentou, em outro momento.

Os seguranças caíram em contradição diante das imagens colhidas e a polícia diz que eles mentiram em depoimento. "A gente não consegue trazer ainda outras informações que nos permitam dizer qual foi horário exato, mas isso será feito a partir da análise de inteligência, mas o fato é que temos que isso aí ficou claro pra gente, no curso da investigação, que houve esse contato do grupo de seguranças com traficantes da área", afirma a delegada Andréa.

O outro caso similar O outo caso similar teve duas suspeitas de furto entregues ao tráfico, com envolvimento do mesmo grupo de seguranças. Uma delas morreu e outra foi internada no Hospital Geral do Estado (HGE). "Temos um outro inquérito em que uma das vítimas teria sido uma adolescente, em outubro do ano passado, salvo engano. A investigação está em curso. O que a gente conseguiu apurar é que muitos desses indivíduos que teriam participado dessa ação mais recente também teriam participado da ação do ano passado. Isso pra gente tá confirmado. Nós estamos com essa investigação, que deve correr lado a lado com essa do duplo homicídio", explica a delegada Andréa.

Pagamento de R$ 700 A delegada confirmou que um dos seguranças - ainda não é possível identificar qual - fez um contato telefônico com amigos das vítimas para pedir o pagamento de R$ 700 pelas carnes furtadas. "Solicitaram a quantia de R$ 700 a fim de liberar as vítimas. Seria o valor que cobriria o das carnes furtadas no estabelecimento. Isso está documentado".

Participação de gerente dos seguranças A delegada diz que "tudo indica" que um gerente da área de segurança participou do crime - ele é um dos presos na operação de hoje. "Já havia uma sinalização prévia disso, mas hoje com o dedobramento da operação acho que a gente consegue trazer isso de forma mais contundente", diz. O gerente geral do mercado se apresentou para a polícia para prestar esclarecimentos, mas não está entre os presos.

Mais imagens de segurança Além das imagens entregues pelo Atakarejo, a polícia recebeu informação de que haveria outras filmagens perdidas. Uma equipe de perícia participou da ação hoje para tentar recuperar essas imagens. "Nós tínhamos algumas imagens captadas lá do circuito, mas chegou a informação que algumas câmeras estariam desligadas. A ação do DPT visa tirar essa dúvida, se a gente tem como resgatar imagens dessas câmeras que por ventura ainda não haviam sido analisadas", diz a delegada Andréa. "A gente espera trazer ao inquérito policial novas imagens, que possam nos levar a outros indivíduos que tiveram atuação determinante no crime", acrescentou.

Outros envolvidos conseguiram fugir Bruno e Yan chegaram ao mercado acompanhados de mais dois homens. Um deles entrou no local com o tio e o sobrinho, mas conseguiu escapar do cerco dos seguranças. O quarto esperava no estacionamento e também foi embora. "Isso está confirmado. Sabemos que as vítimas saíram de Fazenda Coutos e chegaram até o Atakarejo de Amaralina", diz a delegada. Os dois amigos de Bruno e Yan já foram ouvidos pela polícia.

Secretário diz que família pode entrar com ação O secretário Ricardo Mandarino voltou a destacar no final que ainda não é possível ligar institucionalmente o Atakarejo ao crime, mas que a família pode buscar reparações. “No momento a gente não pode dizer que alguém do Atakarejo foi partícipe da ação criminosa, que foi leniente, a gente pode supor que sim, agora a pessoa que tenha dado ordem, a gente não tem essa informação, se a gente tiver, claro que será responsabilizado. Agora, não tenho numa dúvida quanto a outro tipo de responsabilização do Atakarejo, responsabilização civil, que não apuração da polícia, mas eu posso dizer a minha opinião: eles têm responsabilidade civil", afirmou.

Mandarino deixou claro que falava não como secretário. "Uma opinião pessoal, de uma pessoa que tem formação em direito, que tenho. Muito provavelmente serão responsabilizados civilmente pelas famílias das vítimas. Eu não tenho dúvida nenhuma. Se eu estivesse no lugar delas, faria a mesma coisa, entraria com uma ação de indenização, porque o supermercado, como qualquer outra empresa, tem a obrigação de orientar bem os seus funcionários. Se ela contrata uma empresa de segurança, ela tem a obrigação de saber que empresa é essa, se é idônea e como essa empresa trabalha, que tipo de atitude costuma tomar e como ela funciona", destaca.

Ele lembra que, pelo que a polícia investigou, não é a primeira vez que isso acontece. "Já é a segunda ocorrência. A gente não sabia do fato anterior do ano passado, porque não houve denúncia, porque as pessoas ficaram com medo, porque foram os mesmo seguranças que chamaram os traficantes. É a segunda vez e isso a gente não pode desconsiderar e acende um sinal amarelo e vamos apurar se alguém do Atakarejo poderá ser responsabilizado criminalmente. A polícia não está aqui para brincadeira”, finaliza.

Policiamento reforçado no Nordeste O comandante da Polícia Militar, coronel Paulo Coutinho, afirmou que a região do Nordeste de Amaralina está com policiamento reforçado, após a prisão de suspeitos de tráfico que atuam lá. "Em um momento tão delicado, estaremos presentes, como estamos agora, com reforço de policiamento conversional e tático, com objetivo de levar tranquilidade e deixar bem claro que o Estado estará presente", disse.