Produtor que evolui sempre

História de Ivo Borré revela como agricultores revolucionaram as fazendas da Bahia

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  • Georgina Maynart

Publicado em 31 de outubro de 2019 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Era verão quando o agricultor Ivo Borré chegou à Chapada Diamantina naquele final de 1984. A região aos pés da Serra do Sincorá havia acabado de registrar volumosas chuvas. O sertão, então verde, lhe pareceu um lugar ideal para o plantio de cereais.

Ele e o pai, Pedro Hugo Borré, traziam na bagagem a tradição da soja, trigo e milho que a família tinha aprendido a cultivar no sul do Brasil. Os dois seguiam a onda de migração agrícola que levou muita gente a buscar novas oportunidades no Centro-Oeste, Nordeste e Norte do país entre os anos 80 e 90. Naquele período muita gente deixou a terra natal em direção a cantos remotos do Brasil na esperança de encontrar prosperidade.

Com poucos recursos, os Borré tiveram que acrescentar uma velha caminhonete da família na negociação para conseguir adquirir as terras entre os municípios de Mucugê e Ibicoara. Logo plantaram soja.

Mas o que deu certo em outras fronteiras do Brasil não se repetiu nas planícies da chapada. As primeiras tentativas da família foram frustradas e a soja não brotou. O mesmo aconteceu com a plantação de feijão, cultivada em sequeiro e sem tecnologia. Além do clima não ter favorecido o cultivo de grãos, os agricultores ainda enfrentavam a falta de infraestrutura.

“O sentimento era de estarmos conhecendo ainda uma parte do Brasil colonial. Não havia telefone, televisão, energia elétrica, as estradas eram de terra e o isolamento era grande. O maior desafio naquele momento era acreditar que este panorama poderia ser mudado, que valia a pena investir e que o trabalho poderia alterar aquele cenário”, conta o agricultor.

Apesar das dificuldades, a família nunca desistiu e jamais pensou em voltar para o sul.

“Nunca deixei de acreditar no potencial do que estávamos fazendo. Logo após nossa chegada outros forasteiros também se instalaram na região. Criamos muitos vínculos de amizade com belíssimas pessoas da comunidade local. Estas relações nos encorajavam, davam força”, completa.

Quase cinco anos se passaram até que a família decidiu arrendar uma parte das terras para um grupo de japoneses. Os arrendatários chegaram dispostos a investir na plantação de batata inglesa. O cultivo deu certo. Um ano depois, ao receber as terras de volta, os Borré também passaram a plantar batata. O primeiro plantio foi realizado inclusive com a sobra do legume deixada no solo pelos japoneses.

“Eles trouxeram novas culturas, mais tecnologia, conhecimento e profissionais muito capacitados. Após a colheita deles, restou em nossa propriedade um saldo de batata no solo que resolvemos plantar em 1,8 hectares. A partir daí a batata se tornou o nosso principal negócio, e a área plantada começou a dobrar a cada nova ciclo”, conta.

De lá para cá, a Fazenda Progresso não parou de inovar, investir em tecnologia, qualificação de mão de obra e novos cultivos. Depois da batata, eles começaram a produzir cafés especiais, tomate, cebola e uvas viníferas. Em 2021 deve ser lançado o mais novo vinho fino do Brasil, um terroir.

As fazendas mantêm atualmente 600 funcionários permanentes, além de 250 temporários na época da colheita. Outros 400 postos de trabalho devem ser gerados nos próximos anos.

“35 anos depois de chegar a Bahia, a sensação é de felicidade. Todo o esforço valeu a pena. Olhando para trás não me vejo fazendo outra coisa e enfrentaria tudo novamente, mesmo tendo sido difícil’, completa.

As Fazendas Progresso produzem cerca de 75 mil toneladas de batata e mais de 25 mil sacas de café por ano. Os legumes são comercializados no Nordeste e 75% do café é exportado para diversos países.

'NÃO ESTARÍAMOS AQUI SE NÃO FÔSSEMOS ABERTOS AO NOVO' 

Em entrevista ao CORREIO, Ivo Borré conta detalhes sobre a gestão de um dos negócios rurais mais bem-sucedidos do país e analisa o momento atual da agricultura brasileira. Cidadão da Bahia, com título concedido em 2017, o gaúcho que há muito tempo já se sentia baiano, fala também sobre a estratégia que vem promovendo o desenvolvimento da região através do trabalho no campo.

Como a inovação tem influenciado na produção mantida pela Fazenda Progresso e na manutenção dos cultivos?

Sem dúvida a inovação desempenha papel significante. Mudar de cultura é uma inovação, assim como investir em novos equipamentos ou adaptar um novo modelo de tratamento. Do meu ponto de vista sempre que se faz algo diferente daquilo que se fazia antes, estamos abrindo as portas para a inovação. Ela deve permear o nosso dia-a-dia, fazer parte das escolhas, sempre buscando pensar e agir de uma forma diferente e melhor. Essa realidade é de todas as empresas, de qualquer segmento, e de qualquer profissional que esteja buscando evolução. Nestes 35 anos nos adaptamos frequentemente. Os desafios do mundo agrícola são cada vez maiores e tenho convicção de que não estaríamos aqui se não fossemos abertos ao novo. Inovar é essencial.

Existe um debate constante sobre a diminuição dos postos de trabalho no campo, devido principalmente à mecanização das lavouras. Como o senhor analisa o impacto das novas tecnologias no campo em relação ao uso da mão de obra?

É incontestável que a tecnologia e a mecanização trazem eficiência nas rotinas de trabalho. É verdade também que nas rotinas impactadas por estas transformações os postos de trabalho são extintos. Contudo, na Progresso possuímos uma linha de trabalho que eleva a nossa responsabilidade social a outro patamar. Adotamos a prática de reinvestir incessantemente na empresa, de criar novos negócios e por consequência novos postos de trabalho. A lógica funciona da seguinte forma: sempre que uma rotina se torna mais eficiente pelo avanço tecnológico isso traz consigo um melhor resultado para a empresa. Se você investir esse resultado na criação de novos negócios irá gerar novos postos de trabalho que substituem aqueles que foram extintos. Isso é ciclo que se repete e garante sustentabilidade. Obviamente o custo da mão de obra é proibitivo no Brasil em diversos momentos, mas existem formas inteligentes de se perpetuar os negócios e ainda garantir a empregabilidade da região.

A falta de mão de obra qualificada para preencher algumas vagas ainda é um problema no setor agropecuário?

Sim. Encontrar mão de obra qualificada ainda é um dos maiores desafios no campo. Temos revertido este ponto capacitando cada vez nossos próprios colaboradores, mas sem dúvida que atividades específicas sempre trazem um grau a mais de dificuldade. Um atenuante para esta situação é a nova geração. Temos nos surpreendido como os jovens têm demonstrado cada vez mais aptidão para a qualificação. Certamente essa influência é trazida pelo acesso mais fácil à informação e também por motivações talvez maiores do que a da geração anterior.

Muito se comenta no Brasil sobre a falta de gestão eficiente na maior parte das propriedades rurais. Mas na Fazenda Progresso vocês implantaram uma gestão dinâmica. Qual o maior desafio ao gerir uma empresa agrícola de administração familiar no país?

Os números mostram que do total de empresas no Brasil, cerca de 90% são familiares, ou seja, as empresas familiares são a base da nossa economia. Quando se refere ao agronegócio, essa realidade é muito forte. Na Fazenda Progresso somos três gerações trabalhando conjuntamente, lado a lado, olhando para um único futuro. O maior desafio em gerir uma empresa familiar está em manter o equilíbrio entre família e negócio, os interesses de ambos os lados precisam estar alinhados. A profissionalização é parte importante deste trabalho. É preciso muita consciência para separar o que é ser membro da família e o que significa ser executivo.

Nos últimos anos os produtores da Chapada Diamantina tiveram que se adequar à escassez hídrica. Como a Fazenda Progresso encara esta questão atualmente?

Estamos trabalhando para produzir cada vez mais com menos. Como nossas culturas são irrigadas, temos investido muito em tecnologia que permitam otimizar ao máximo este recurso tão importante. Atualmente nenhum milímetro de água é utilizado sem que haja um aporte de informação técnica para esta decisão. Utilizamos estações meteorológicas e software de gestão específico para tomada de decisão sobre irrigação em cada talhão da fazenda, em todas as culturas. No caso da batata, por exemplo, o uso intensivo de tecnologia nos permite produzir 50% mais por hectare do que a média nacional. Este número demonstra o nível de eficiência gerado quando a produção é responsável.

Na Fazenda Progresso hoje existem os cultivos de batata, cebola, café e uvas viníferas. Já há algum outro projeto em andamento?

Sim. Estamos idealizando um projeto para a produção em ambiente protegido que deve ser implementado até o final do próximo ano. A ideia é abastecer o Nordeste com produtos de alta qualidade e que demandem ainda menos recursos hídricos. É um projeto complexo, mas certamente trará bons frutos e nos dará condição de gerar mais 200 postos de trabalho.

Como o senhor avalia o potencial agrícola do Nordeste neste momento?

O potencial é enorme. O Nordeste possui muitas regiões com condições e vocações distintas. Vamos desde a soja e o algodão até os hortifrutigranjeiros, o café, coco, cana-de-açúcar, cacau, celulose, fruticultura, entre outros. Obviamente a infraestrutura é uma questão crucial. Dependemos muito das estradas, da energia e mais recentemente de redes de telecomunicações. Com o avanço do uso das tecnologias no campo é cada vez mais urgente que serviços que são básicos nas cidades sejam também disponibilizados nas áreas rurais.

A trajetória do senhor se confunde com a história recente do desenvolvimento agrícola na Bahia, sobretudo na Chapada Diamantina. O que esperar do futuro para a região?

A Chapada já passou por diversos ciclos e a certeza é de que cada um deixou suas próprias marcas, sem demérito para nenhum deles. Para o futuro vejo uma Chapada cada vez mais consciente, mais integrada e mais sustentável. No ciclo que estamos vivendo no momento, os negócios e as relações que se originam deles são mais profundas. Certamente resultarão em uma Chapada ainda mais consistente e que trará orgulho para a Bahia. Ainda há muito que se realizar. A Chapada nos mostra novos potenciais a todo momento. Espero que possamos contribuir para a perpetuação de tudo que existe aqui.