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Nelson Cadena
Publicado em 15 de março de 2019 às 05:00
- Atualizado há um ano
Quem inventou o Carnaval foi o comércio. O resto são deliciosas histórias e abobrinhas. Os historiadores, e no seu rasto os enciclopedistas, enxergaram as suas origens na esbórnia das festas que eles mesmos, os cronistas, intitularam de pagãs: enxergaram elementos no Boi Apis Egípcio; nas Saceias Babilônicas; nas saturnais, dionisíacas e Lupercais do mundo greco-romano.
Resumindo: para a historiografia, onde havia vinho e comida em excesso, música, máscaras e sexo, qualquer bacanal da antiguidade, isto poderia ser rotulado de Carnaval. Exagero. Vinho, trepação e máscaras tem a ver com qualquer festa estendida e não especificamente com o Carnaval que é, de fato, invenção da igreja que criou a esbórnia no mesmo estatuto legal (Sínodo de Benevento) em que criou a Quaresma.
Mas quem inventou mesmo o Carnaval e lhe assegurou a sua continuidade foi o comércio. O entrudo só se tornou entrudo de fato quando a brincadeira suja de molhar e melar os outros foi impulsionada pelo comércio informal, os ambulantes, que vendiam de porta em porta e nos tabuleiros das esquinas, os limões e laranjinhas de cheiro, diligentemente preparados e armazenados pelos escravos, a serviço e para lucro de seus patrões.
A famosa pintura de Debret (1818) ‘Cena de Carnaval’ nos revela um negro de cartola esfregando goma no rosto de uma negra, enquanto outro molha o primeiro com uma seringa de entrudo. Os alemães enxergaram nas seringas do entrudo com os seus jatos de água uma oportunidade e inventaram as bisnagas de lança-perfume que fizeram grande sucesso em todo o mundo e em especial no Brasil. O espanta poeira ou mamãe sacode foi invenção do comércio baiano para suprir o desabastecimento de alegorias na I Guerra Mundial. Os franceses, refinados por natureza, inventaram as serpentinas e os confetes (os de gesso, os de açúcar e, finalmente, os de papel) e estimularam as batalhas de serpentinas e confetes e as de flores que entre nós substituíram o troca-troca e explode-explode dos limões do entrudo.
O comércio enxergou também a oportunidade das máscaras e explorou a criação e venda de caretas e fantasias de elmos dominós, chicards, clowns e, após, os diabinhos, os arlequins, pierrots e colombinas e, mais tarde, as fantasias de marinheiro e de odaliscas e, já em meados do século XX, os figurinos do Oriente e de mexicanos, influência hollywodiana que marcou os figurinos dos Filhos de Ghandy, Mercadores de Bagdá, Cavaleiros de Bagdá; Os Internacionais e Os Corujas, dentre outros. E, mais tarde ainda, também sob influência cultural dos westerns do cinema americano, os figurinos de índios.
O comércio impulsionou os desfiles de corsos e das pranchas de bonde através de concursos com ricas premiações, também favoreceram pequenos blocos e cordões. E em torno das grandes agremiações surgiu uma indústria do Carnaval que envolvia a fabricação e importação de instrumentos, confecção de carros alegóricos e de ricas fantasias e alegorias, importadas e adaptadas e, com a implantação da luz elétrica, gambiarras com jogos de luzes intermitentes.
Os anúncios dos grandes magazines da época listavam mais de 50 itens carnavalescos e a Loja Duas Américas, ela própria, contratava bandas para se exibirem no ponto de venda e promover os seus produtos. O trio elétrico não teria evoluído sem a Fratelli Vita que sinalizou para outras empresas a oportunidade do patrocínio dos carros eletrizados e, duas décadas após sua criação, atraiu os grandes players do mercado: Saborosa e, mais tarde, outras marcas de bebidas e de inúmeros segmentos de consumo.
Há quem se incomode com o Carnaval mercantilizado. Não sei por quê. Mercantilizado sempre foi. Foi o comércio quem inventou o Carnaval como ele foi e como ele é.