Quem são os parasitas?

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  • Paulo Sales

Publicado em 11 de novembro de 2019 às 05:00

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Premiado em Cannes, Prasita é cinema político, brutal e incisivo (foto/divulgação) Há muitas leituras subliminares em Parasita, novo filme do sul-coreano Bong Joon-ho, que entrou em cartaz na última quinta-feira. A mais relevante é o jogo de gato e rato que em dado momento se inverte e lança no espectador o seguinte questionamento: quem é mesmo o parasita? Quem é que se insere num corpo estranho e passa a se nutrir dele, como se ambos fossem parte de um mesmo organismo? O cineasta já havia abordado questões semelhantes no excepcional O Hospedeiro, ficção-científica mesclada com drama social, e no distópico O Expresso do Amanhã, no qual uma horda proletária trabalha no fundo de um trem para alimentar a boa vida da alta classe na frente.

Ganhador da Palma de Ouro em Cannes, Parasita é um drama social camuflado em comédia de costumes. Até que em dado momento nos perguntamos: estamos rindo do quê? Acompanhamos uma família miserável, que habita uma moradia subterrânea com vista para o chão da rua. Aos poucos, ela consegue se introduzir no universo de uma família rica, que mora numa mansão suntuosa (ela própria quase um personagem) no alto de uma colina. O primeiro a chegar é o filho, indicado por um amigo para ser tutor da filha do casal milionário. Em seguida, num movimento ardiloso, ele faz com que sua irmã se torne professora de artes do filho. Através de outros ardis, pai e mãe passam a ocupar os lugares do motorista e da governanta que até então trabalhavam para a casa. Os empregadores não sabem que eles se conhecem.

A narrativa se desenvolve num jogo de simetria e contraposição, como se uma família espelhasse a outra de forma distorcida. A pobre, com preceitos morais elásticos, resvala no mau-caratismo. A rica, harmoniosa na aparência, é na essência disfuncional, insegura e frívola. Por mais que tente fazer parte de um universo ao qual não pertence, a família que vem da sarjeta carrega a sarjeta consigo. O cheiro do ralo, da indigência. Um cheiro comum a todos eles. Com a inserção de novos elementos dramáticos, a metáfora do parasitismo atinge um nível ainda mais profundo. Bong Joon-ho substitui o humor ácido por um acento trágico, fatalista. E Parasita se torna mais político, brutal e incisivo.

Subjacente a princípio, o discurso acaba se revelando por inteiro: mesmo numa potência econômica como a Coreia do Sul, a desigualdade é gritante, obscena. É a mais devastadora enfermidade social contemporânea. O que nos faz lembrar de países como o Chile, assolado por revolta e desespero, ou a terra desolada em que se converteu o Brasil, no qual a desigualdade é uma metástase. Voltando à pergunta do início, quem são os parasitas? Empregadas domésticas, serventes, operários? Os que se endividam no banco e precisam pagar juros? Os que trabalham de segunda a sábado, sem férias ou 13º salário, para ganhar meio salário mínimo?

A julgar pela sugestiva frase do atual ministro da Economia (“Os ricos capitalizam seus recursos, os pobres consomem tudo”), a resposta é clara e as intenções são evidentes. Parasitas subtraem, devoram, roubam o hospedeiro que lhes serve de morada. Que pode ser um animal, uma pessoa, um povo. Ou um país.