Retratos da greve: 170 mil frangos mortos por dia e um prejuízo incalculável

Conheça as consequências de cada dia de greve

  • Foto do(a) author(a) Thais Borges
  • Thais Borges

Publicado em 29 de maio de 2018 às 05:56

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: ABA/Divulgação

“O caos não vai solucionar a situação no Brasil”. Poderíamos começar este texto de diversas formas – o prejuízo pelas consequências dessa greve de caminhoneiros começa a tomar proporções tão absurdas que qualquer um dos fatos que serão listados a seguir seria impactante. Mas essa frase, dita pelo presidente do Sindicato das Indústrias de Ração e Nutrição Animal do Estado (Sindnutri), Marcelo Plácido, parece sintetizar bem o drama de um dos setores mais afetados por essa paralisação: o da avicultura. 

Só no fim de semana, 60 mil frangos morreram de fome – 50 mil em Governador Mangabeira e 10 mil em Alagoinhas. Morreram definhando, de forma cruel. Mas esses números podem ficar piores a partir desta terça-feira (29), quando está previsto para que as rações ainda disponíveis acabem em todo o estado. Sem ração, no mínimo 1% do plantel pode morrer a cada dia – ou seja, 173 mil frangos mortos de fome diariamente. E, segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb), esse massacre pode passar a 500 mil mortes por dia. “Estamos falando de animais. Estamos falando de vida. Tem granjas que já estão há três, quatro dias, sem alimentação”, denuncia a diretora-executiva da Associação Baiana de Avicultura, Patrícia Nascimento.Ela é uma das milhares de pessoas que, neste momento, fazem um apelo pelo fim da greve e reabastecimento das cidades. A situação é tão grave que o governo do estado está, com as entidades, tentando criar uma logística para salvar as aves de uma morte dolorosa. 

É difícil estimar o prejuízo em todos os setores – industrial, alimentício, da construção civil, de serviços... Alguns só terão um balanço real dias após o fim da greve. Mas o Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação já calcula que o impacto nacional de oito dias de paralisação vai chegar a R$ 26 bilhões.  Foto: Evandro Veiga/CORREIO O alerta de todos os setores é um só: não se trata apenas de preços de combustíveis. Seja lá qual for o preço – da gasolina, do frango, da banana, da carne vermelha, do leite, dos bens não-perecíveis –, a situação pode ser piorada com o desabastecimento. 

Avicultura  A Bahia tem, hoje, um plantel de 17 milhões de frangos, divididos em 800 propriedades em 30 municípios do estado. Só que, a partir desta terça-feira (29), essa população deve diminuir drasticamente, se não houver o desbloqueio das estradas. 

A previsão da Associação Baiana de Avicultura (ABA), do Sindicato das Indústrias de Ração e Nutrição Animal do Estado (Sindnutri) e da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Bahia (Faeb) é de que 173 mil frangos morram por dia, sem comida. Segundo a Faeb, esse quadro pode evoluir para algo ainda mais desesperador: até 500 mil mortes por dia. 

O prejuízo de perder esses frangos pode chegar a R$ 80 milhões, segundo o presidente da ABA, Dario Mascarenhas. “Mesmo com o prejuízo, o que nos preocupa mais é o prejuízo sanitário. Essas aves não têm destinação. Como elas não vão para o frigorífico, por uma questão óbvia de saúde pública, serão descartadas no meio ambiente, o que pode contaminar o solo e provocar doenças”, explicou. 

Ao CORREIO, a diretora-executiva da ABA, Patrícia Nascimento contou que quem tinha ração já distribuiu. Agora, o jeito é esperar a chegada dos caminhões.“Eles não estão deixando os caminhões passarem e continuamos numa situação crítica, principalmente de Barreiras para cá. Tudo está preso”, lamenta.Segundo ela, na região de Feira de Santana e Santo Antônio de Jesus, existem seis frigoríficos: três já pararam e dois devem parar. Até o fim de semana, serão todos. 

De acordo com o presidente do Sindnutri, Marcelo Plácido, as aves conseguem passar entre dois e três dias sem ração. No caso dos suínos, os animais conseguem suportar alguns dias a mais – até quatro ou cinco. Por isso, ele estima que, em até dois ou três dias, os porcos comecem a morrer de fome. Os criadores de bovinos, por outro lado, devem demorar a sentir o peso da mortalidade – mas o desempenho dos animais deve começar a cair. 

“A situação está caótica. Está na hora de se buscar um bom senso de se evitar um prejuízo que, fatalmente, chegará à população. Da mesma forma que estamos vendo agressões por gasolina, tomara que não chegue aos alimentos”, denuncia. E o pior: mais uma vez, são as pessoas mais pobres quem mais devem ser afetadas. Metade do consumo de carne das classes C, D e E é justamente de frango. 

Ele alerta para prejuízos muito maiores do que a população tem sido capaz de enxergar – e que, no fim, não vão solucionar problemas do país. Até os ovos já estão sendo itens raros nos mercados, já que 80% do que é consumido na Bahia vem das granjas de outros estados. “O prejuízo muda a cada minuto. É incalculável. Só vamos ter a noção quando estancar. O movimento alega que está deixando passar ração e carga viva, mas deixam passar na ida e, na volta, prendem o caminhão. Estamos tentando sensibilizá-los para a nossa causa. É questão de analisar que se trata de uma carga diferenciada”. A situação dos animais é tão grave que a apresentadora e ativista Luisa Mell fez um apelo aos caminhoneiros no final de semana. Em um vídeo publicado nas redes sociais, Luisa, que tem 1,7 milhão de seguidores, pediu que os eles alimentassem os animais. “Caminhoneiros, greve é um direito de vocês, mas, pelo amor de Deus, não façam esta crueldade, eles são vítimas indefesas”, declarou. 

Segundo Marcelo Plácido, a ração dos frangos é feita de milho e farelo de soja – em proporções de 80% e 20%, respectivamente. “A população urbana precisa se sensibilizar por isso, do quanto é desagradável ver um animal restrito de sua alimentação. Não recebemos nada”. Só para restabelecer o fluxo e a entrega de rações no estado, a previsão é de uma semana. 

No entanto, para que a cadeia da avicultura se recupere por completo, o presidente da Faeb, Humberto Miranda, estima que leve meses. Isso porque os produtores terão que dar início a um ciclo totalmente novo – que começa com o nascimento de um pinto e envolve todo o seu crescimento. “Não é ‘acabou a greve e tudo volta ao normal’. Os prejuízos de algumas atividades vão permanecer durante algum tempo”. 

Alimentos  Um deserto. Foi assim que a coordenadora de mercado da Ceasa de Simões Filho definiu o clima na segunda-feira (28) por lá. Nem dez caminhões conseguiram chegar lá – foi pior do que na sexta-feira (25), quando cerca de 20 conseguiram entrar e abastecer os boxes. Normalmente, entre 350 e 400 caminhões abastecem cada feira (que acontece às segundas, quartas e sextas). “Eu trabalho na Ceasa há 11 anos e nunca vi assim. Conversei com permissionários de mais de 30 anos de casa e eles nunca viram coisa parecida. Hoje, vários boxes nem abriram porque não tinham nem para vender”. O presidente da Associação dos Permissionários da Ceasa, Eguinaldo Nascimento, é um dos antigos – está ali há 29 anos. É com essa mesma experiência que ele estima que o prejuízo seja de mais de R$ 10 milhões. Ele chegou a acreditar que era de R$ 5 milhões, mas percebeu que era pelo menos o dobro. “E, hoje, a reserva é de zero, praticamente. Você vai ver uma coisinha aqui, outra ali, mas menos de 1% (da capacidade)”. 

Tanto ele quanto Rejane estimam que, após o fim definitivo da greve, a situação demore uma semana para voltar ao normal. Só que os dois reconhecem: sem nenhum parâmetro de comparação, esse número pode ser uma ilusão.  No quinto dia de greve, já faltavam produtos na Ceasa de Simões Filho (Foto: Evandro Veiga/Arquivo CORREIO) De acordo com a Faeb, só a produção de banana e graviola no Baixo Sul do estado já teve prejuízos de R$ 6 milhões. “O que foi jogado fora de frutas, tomate, cebola... é irreversível. Os produtores muitas vezes tomam recursos do banco, financiam (para poder plantar) e, como consequência, vem o endividamento. Passa a greve e vem os problemas”, destaca o presidente da entidade, Humberto Miranda. 

Em outros setores, só vai dar para ter um número real após a paralisação – é o caso do leite, que praticamente está sendo jogado fora. “É um prejuízo que está permeando todo o estado, de leste a oeste. Tem até produtor tendo prejuízo porque os animais estão passando do ponto de abate. Deve começar a faltar carne em breve, porque os frigoríficos estão atendendo com o estoque que tinham”. 

Comércio  Só em Salvador e na Região Metropolitana de Salvador (RMS) o varejo – ou seja, aquele comércio que pode ser desde a lojinha de bolos caseiros da sua tia até um grande mercado como o Walmart –, tem vendas de R$ 50 milhões por dia. No estado, o número é de R$ 150 milhões. E são justamente esses valores diários que a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (Fecomércio-BA) estima que o prejuízo possa chegar por dia, devido à greve. 

Só que, segundo o assessor econômico da entidade, Fabio Pina, no fim, essa é uma conta tão ampla que é praticamente incalculável. “Se você perguntar para uma empresa cuja a carga apodreceu na estrada, talvez ela saiba. Mas, no varejo, quando as pessoas param de abastecer com combustível, elas circulam menos. Então, não precisa ter perda de estoque para ter perda de vendas”, adverte. 

No lugar de cargas estradas, entram centros comerciais vazios e até o transporte público que não dá conta da demanda. Mesmo que as lojas abram, não vai existir o mesmo fluxo de clientes. “Esse tipo de consumo não é aquele que você vai comprar um carro ou geladeira nova, que, se esperar 15 dias, não vai fazer diferença. Eu posso postergar a compra da geladeira. No limite, pode até faltar a geladeira, mas o que falta primeiro são os perecíveis”. 

Ele alerta, ainda que, mesmo que os mercados ainda não estejam desabastecidos, os produtos que estão por lá têm prazo de validade. Mais cedo ou mais tarde, mesmo que não acabem, não poderão ser consumidos. 

“O dano é muito grande, você vê o tamanho do pepino quando tenta calcular. Como calcular a gorjeta do garçom? O garçom também faz compras com aquela gorjeta. É dinheiro como outro qualquer. Mas se as pessoas deixam de usar ônibus, carro, esse consumo não vai ser reposto nos próximos dias”. 

Já a Câmara de Dirigentes Lojistas de Salvador (CDL) informou que ainda está calculando o tamanho do prejuízo provocado pela paralisação dos caminheiros e preferiu não comentar o assunto.

Construção civil  O setor da construção civil já sente os impactos da greve em dois principais aspectos: nas vendas e na própria produção. As vendas têm um exemplo emblemático, de acordo com o presidente do Sindicato da Indústria da Construção do Estado da Bahia (Sinduscon), Carlos Henrique Passos. 

Entre sexta (25) e domingo (28), o Feirão da Caixa de Vitória da Conquista teve uma redução de 60% entre as pessoas que procuravam imóvel em relação à edição do ano anterior. “As empresas que têm stand de venda externos também, por consequência, sentem o vazio da cidade”. 

No entanto, os relatos mais preocupantes começaram a surgir nesta segunda-feira (28), no ambiente da produção. Ainda que o percentual de ausências de operários tenha sido pequeno – cerca de 10% -, começou a faltar material e óleo diesel para os equipamentos dentro das obras. 

A partir desta terça-feira (29), até a alimentação dos operários vai ficar complicada. Algumas empresas que fornecem alimentação já informaram que não vão ter como atuar. Por isso, o sindicato tem pensado em opções como oferecer férias coletivas ou dar folgas no modelo de banco de horas. 

“Se não tem material para eles trabalharem e nem alimentação para fornecer é um ambiente para o qual não estávamos programados. Não tínhamos planejamento para uma contingência dessa. Precisamos fazer a sociedade entender que esse assunto é muito mais complexo do que uma briga política. Estamos levando a sociedade para um impasse”. 

Indústria  A indústria baiana, que passou por maus bocados nos últimos anos, também foi diretamente afetada. De acordo com o superintendente de Comunicação do Comitê de Fomento Industrial de Camaçari (Cofic), Érico Oliveira, as quase 100 empresas do Polo de Camaçari estão trabalhando no limite – ou seja, fazendo o máximo de esforço para não parar a produção. Algumas – como é o caso da automotiva Ford – já até pararam. 

A greve tem provocado a falta de insumos fundamentais para o processo produtivo. “Se isso não se resolver de forma mais rápida, esses efeitos podem ser agravados para outros setores. Olha o drama que o pais está vivendo”, diz ele, que aponta que sequer é possível calcular os prejuízos totais. O principal é que as empresas estão muito perto de atingir o limite que podem suportar. 

Segundo Oliveira, o Cofic vem acompanhando essas empresas diariamente, além de continuar mantendo contato com o governo do estado, através da Secretaria de Desenvolvimento Econômico do Estado (SDE). O limite, inclusive, também não pode ser estimado – não dá para dizer se as empresas conseguem funcionar por pelo menos mais um, dois, três dias. 

Para evitar a parada, as fábricas têm feito cortes de gastos. O transporte, por exemplo, está limitado às pessoas que trabalham diretamente na área operacional. “Algumas estão antecipando folgas para evitar o uso de transporte de pessoal e priorizar a área industrial. Elas vêm fazendo uma espécie de força-tarefa conjunta para manter as operações e ganhar mais dias na frente, na expectativa de que os efeitos práticos de entendimento resolvam principalmente a desobstrução das estradas”. 

Depois que isso acontecer, cada empresa terá seu próprio prazo para normalizar a situação. Algumas podem voltar até no mesmo dia, enquanto outras podem levar até 10 ou 15 dias, de acordo com o diretor-executivo da Federação das Indústrias do Estado da Bahia (Fieb), Vladson Menezes. 

“Se o quadro se mantiver, a tendência é piorar porque, a cada dia, os prejuízos aumentam mais do que proporcionalmente. É importante que as autoridades em todos os planos, federal e estadual, trabalhem no sentido de desobstruir mesmo e no sentido de liberar de qualquer bloqueio. Somente assim a situação se regulariza, mas não é imediato”.

No domingo (27), a Fieb divulgou nota pedindo o fim do movimento. Leia abaixo: 

A Federação das Indústrias do Estado da Bahia (FIEB) e seus 43 Sindicatos Empresariais consideram inaceitável a condução da greve dos caminhoneiros, por parte de suas lideranças e das autoridades, e acompanham com extrema preocupação os desdobramentos desse movimento, que bloqueia estradas e provoca problemas de desabastecimento no país.

Os sérios impactos dessa greve prejudicam de tal forma a população, que é preciso garantir a circulação de mercadorias e insumos, sendo necessário intensificar, urgentemente, o uso de todos os instrumentos públicos na defesa da sociedade como um todo.

Embora haja grandes distorções na estrutura de preços dos produtos e serviços, em função de uma carga tributária desvirtuada, o bloqueio das rodovias do país prejudica a operação das indústrias, aumenta os custos de produção, penaliza a população mais pobre e tem efeitos danosos para toda a sociedade. Diversas indústrias já estão paradas com reflexos no comércio, arrecadação fiscal e empregabilidade.

Por essa razão, a FIEB e seus Sindicatos Empresariais pedem o fim imediato do movimento e alertam para que um eventual acordo privilegie o equilíbrio, para evitar que interesses de grupos não se sobreponham aos dos demais setores da sociedade ou onerem ainda mais os custos de produção e, consequentemente, os preços para a sociedade.

No Brasil, todas as mercadorias são transportadas, em algum momento, por caminhão. Uma paralisação geral e prolongada dessa atividade paralisa o país.

Uma solução para esse impasse é necessária e urgente. Pedimos a toda a categoria que não faça parte do movimento daqueles que não pensam em construir uma sociedade melhor e mais justa. Afinal, nossa população está enfrentando sérios problemas de abastecimento.