'Salvador está sendo repensada para pessoas, não para veículos', diz Fabrizzio Muller

Superintendente da Transalvador aponta política de trânsito municipal como fator principal para redução de acidentes

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  • Da Redação

Publicado em 10 de dezembro de 2019 às 05:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

Um trânsito mais seguro não é resultado apenas de radares e blitzes, mas também de toda uma reformulação da cidade e de um processo de educação. As mudanças na capital baiana, que envolveram, inclusive, a realização de obras, são sentidas por quem passa todo dia pelas ruas: motoristas, ciclistas e pedestres.   Ações como estas garantiram que Salvador reduzisse em 55% o número de mortes no trânsito em 2018 comparado a 2011. Essa redução foi alcançada mesmo com um aumento de 31% da frota no mesmo período. Com o feito, a capital foi uma das seis no país a bater antecipadamente a meta da Organização das Nações Unidas (ONU). A meta pactuada junto à ONU pede um decréscimo das vítimas fatais no trânsito em 50% neste mesmo período. 

Assim, Salvador se tornou a segunda dentre as capitais no Brasil onde a redução de acidentes foi mais significativa, ficando atrás apenas de Rio Branco, no Acre. Além das cidades que encabeçam a lista, apenas Belo Horizonte, Aracaju, Curitiba e Porto Alegre já atingiram a meta.  Mudanças no cotidiano Quem dirige diariamente na cidade reconhece a melhora em pontos estratégicos que afetam a segurança e modificam diretamente escolhas do dia a dia.“Eu já cheguei a combinar com meu filho para que ele se afastasse da escola andando na hora da saída. Hoje, consigo buscar ele na porta”, avalia a dentista Luciana Passos, 44.Luciana se refere à ampliação realizada na área do Jardim dos Namorados, na Pituba. Mãe de um estudante do Colégio Integral, ela diz ter sentido a mudança na rotina diária. “É lógico que ainda tem um engarrafamento normal do horário, mas a melhora é significativa”, comenta. 

Motoristas profissionais também sentem a mudança, e aprovam. “Ali melhorou 100%. Com a ampliação da via e a possibilidade de não precisar passar por aquele miolo ficou bem melhor”, opina o taxista José Benedito.    No índice de mortes por 100 mil habitantes, Salvador teve um resultado ainda melhor com a menor taxa entre as capitais. A cidade registrou 3,99 falecimentos no trânsito a cada 100 mil pessoas - quantidade que é equivalente ao que é registrado em países como a Dinamarca, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).  Redução  Em números absolutos, os acidentes de trânsito têm reduzido nos últimos anos. Segundo dados da Transalvador, entre 2017 (com 5.112 vítimas) e 2018 (4.739) foram 373 pessoas a menos envolvidas em acidentes de trânsito. Entre as mortes a redução foi menor, com 14 vítimas a menos no mesmo período.   Para o superintendente da Transalvador, Fabrizzio Muller, o índice das mortes por 100 mil habitantes é o dado mais importante. Muller acredita que a taxa evidencia o trabalho da gestão municipal em prol de um trânsito mais seguro.    Um dos passos para melhorar o trânsito na capital foi o uso de estatísticas para determinar onde devem ser colocados os equipamentos de fiscalização de velocidade. “A mudança começou a ocorrer no início da gestão de ACM Neto. A gente trouxe tecnologia, inteligência e ações efetivas no combate aos acidentes”, conta Muller.

Na avaliação do superintendente, os números também refletem a política de trânsito que vem sendo adotada em Salvador.“A cidade está sendo repensada para pessoas, não para veículos. Se fizermos um apanhado das obras de revitalização, todas elas refletem isso. Em 2013, o projeto da Barra já era com velocidade reduzida, algo que era inovador no país. Temos espaços compartilhados também no Rio Vermelho e na Pituba, onde estamos fazendo de forma mais ampla, com o projeto Trânsito Calmo”, explica.  O projeto a qual ele refere, além de prever velocidade reduzida em determinadas vias e espaços compartilhados, inclui, ainda, prolongamento das esquinas para diminuir a travessia do pedestre e mudanças nas rotatórias. 

Intervenções Interferir em paisagens clássicas da cidade não é unanimidade para todos. Tem quem reclame da baixa velocidade em algumas áreas, sem deixar de reconhecer a efetividade das medidas. “De fato, nunca mais nem ouvi falar em acidentes ali na área da Barra. Mas a velocidade baixa acaba engarrafando o trânsito”, opina o segurança Gilmar Martins, 36.“Aquela é uma área de pedestres, tem que ser com velocidade baixa mesmo, não tem como andar mais rápido ali. Achei uma mudança correta”, acredita o taxista Edgar José, 68.Outro exemplo citado pelo superintendente da Transalvador é a obra de revitalização da orla de Ondina. “Lá, estamos fazendo o estreitamento da via de carro, ampliação do passeio e criação de ciclovia. Fazendo isso, você dá segurança ao pedestre, ao ciclista e há um controle da velocidade na via”, diz.   Ele ressalta, ainda, o projeto da Praça Cairu, que acaba com a circulação de veículos entre a rampa do Mercado Modelo e o próprio mercado. “Ali não vai passar mais carro. Mas, isso não quer dizer que a gente está se despreocupando com os veículos, tanto que existem obras sendo realizadas para dar maior fluidez no trânsito”, afirma. 

Como exemplo, cita a Avenida São Cristóvão que acabou de ser inaugurada com o trânsito totalmente reconfigurado. “São três faixas de circulação de veículos e áreas para o pedestre com mais segurança. A via passou a contar com ciclovia e passeio alargado”, lista. 

Muller fala também das obras da Avenida Edgar Santos, em Narandiba. “Estamos fazendo uma obra para resolver um problema de trânsito. Criamos um passeio onde não existia, baias de ônibus, faixa elevada de travessia. Não deixamos de investir em obras para melhor o trânsito, mas sempre dando atenção à segurança do pedestre”.  Fiscalização Apesar da fiscalização mais dura para o excesso de velocidade, ainda é preciso deter outro fator de risco para acidentes de trânsito: a combinação entre o álcool e o volante. Para isso, são feitas blitzes da lei seca todos os dias em Salvador, de acordo com Muller.

 O esforço para vigiar e punir vem surtindo efeito. Na observação do superintendente, o número de notificações de infrações de trânsito vem caindo a cada ano. Apesar da melhora, Muller percebe que o soteropolitano não está pronto para dirigir sob uma fiscalização mais frouxa.“Nossa população ainda não tem maturidade para que não precise ser fiscalizada. No dia que a fiscalização parar, os condutores devem voltar a cometer infrações”, afirma.Este é justamente o pensamento do dono da Autoescola Agora, especialista em direito de trânsito e instrutor de direção defensiva e legislação de trânsito, Márcio Magalhães. “Uma boa parte das pessoas que fazem o curso de reciclagem por ter perdido a carteira dirige há anos, mas não sabe identificar se uma via é de mão única ou mão dupla. Isso acontece porque a formação é ruim”, diz.   A educação é uma via muito mais complexa que a mera punição. Magalhães aponta que os condutores já chegam nas aulas de direção repletos de vícios, que aprendem com os familiares e até motoristas de ônibus. Dentre os ensinamentos deve estar a tolerância no trânsito, a direção defensiva e até como se precaver sendo ciclista ou pedestre. Até novembro de 2019, foram 28 pedestres mortos em decorrência de acidentes em Salvador, atrás apenas dos óbitos de motociclistas (36) e o somatório de outros tipos de ocorrências no trânsito (39).

Na Bahia, entre 1º de janeiro de 2015 e 4 de outubro de 2019, as despesas com internação hospitalar consumiram R$ 50 milhões ao Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo Antonio Meira, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet), em entrevista para a Folha, “na Bahia, 52% das internações hospitalares são com vítimas de trânsito”.

Responsabilidade A gestão municipal compreende o papel da educação na redução das mortes de trânsito e quer que os mais jovens aprendam a ser responsáveis desde pequenos. Por isso, a Gerência de Educação para Trânsito (Gedut/Transalvador) promove ações educacionais para ensinar crianças e jovens educação no tráfego.“Os jovens aprendem o respeito e conseguem multiplicar o que aprenderam em suas casas”, diz Muller.No ano passado, foram mais de 12 mil crianças assistidas pelo grupo, de acordo com o superintendente. As ações acontecem em creches, escolas e universidades.   Além das ações de conscientização e fiscalização, as obras de urbanização também têm um papel essencial na redução das mortes no trânsito. Muller aponta que é necessário pensar a cidade de uma nova forma, com menos velocidade nas vias e a priorização do pedestre e dos ciclistas.   “Os projetos de requalificação na cidade têm preocupação com o respeito ao espaço do pedestre, com passeios mais seguros. Há uma sinergia muito forte entre os órgãos da prefeitura”, pontua.

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier.