Samu leva até 5 horas para encontrar leitos para pacientes com plano de saúde

Unidades públicas estão pressionadas pela demanda dos hospitais privados de Salvador; segundo secretário, rede particular está em pré-colapso

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 10 de março de 2021 às 04:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/CORREIO

As ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) estão levando até cinco horas para encontrar um hospital para pacientes que têm plano de saúde, em Salvador. Com unidades da rede privada lotadas, algumas com 100% de ocupação nos leitos de UTI Covid-19, muitos pacientes recorrem ao serviço público. Segundo o secretário municipal de Saúde, Leo Prates, a situação do setor público, que já estava pressionado, piorou com a demanda de pacientes da rede privada. Ontem, a taxa de ocupação dos leitos públicos estava em 85%.  

Em entrevista à TV Bahia, Leo Prates afirmou que, pela primeira vez na história de Salvador, a prefeitura tem que dar apoio ao setor privado. “A gente esticou o sistema de saúde e, mesmo assim, continua pressionado. Nunca vivemos a rede privada em pré-colapso, sem receber pacientes, o que agrava a situação das nossas Upas”, afirmou o titular da SMS.

Embora não concorde com afirmação de que a rede particular esteja em pré-colapso, Mauro Adan, presidente da Associação de Hospitais e Serviços de Saúde da Bahia (Ahseb), confirmou que há lotação. “Os hospitais privados da Bahia estão com taxa de ocupação muito elevada. Os casos têm aumentado muito, além das urgências e traumas que precisam ser atendidas. Mas estamos conseguindo honrar nossos compromissos”, afirmou.   

Mauro também afirmou que não há recomendações na rede privada para que as pessoas com plano de saúde procurem o setor público. “As pessoas que têm planto não estão excluídas do SUS, ou seja, elas também têm direito ao serviço público. O nosso sistema é suplementar. Mas quem tem planto tem sido atendido”, acrescentou.     Dona Zoraide segura o atestado que solicita internamento devido a problemas renais (Foto: Paula Froes/CORREIO) Pacientes A aposentada Zoraide Mendes, 81 anos, mesmo com o pagamento do plano de saúde em dia, passou por um sufoco. Com sintomas e teste positivo realizado numa clínica privada, ela foi direto ao Hospital da Bahia para conseguir atendimento médico. “O rapaz do guichê disse que não atendia mais covid-19, pois estava tudo lotado. Nem da emergência eu passei. Se tivesse que morrer, morreria lá”, lembra a idosa, que teve ânsia de vômito, falta de apetite, garganta inflamada e febre.  

Com a recusa no atendimento, ela voltou para casa e decidiu com a família ser acompanhada à distância por profissionais da saúde que já a conheciam. “Minha filha tem uma amiga que é médica, eu tenho uma sobrinha que é casada com um urologista e o meu cardiologista ficou muito preocupado comigo. Todos eles me ajudaram e, graças a Deus, eu fui mais forte que esse vírus”, acrescentou a idosa, que acredita que a situação não foi mais séria porque ela tomou a primeira dose da vacina no mês passado e aguarda se recuperar para tomar a segunda.

Mesmo com problemas renais e com a idade que lhe coloca no grupo de risco, dona Zoraide não procurou a rede pública. Mas o coordenador do Samu, Ivan Paiva, conta que o número de pacientes que têm plano mas precisou procurar uma unidade pública na hora do aperto cresceu na capital nos últimos 30 dias.  “A gente já tem, mais ou menos, um mês com essa demanda, e isso tem sido progressivo. O Samu sempre atendeu pacientes com planos de saúde, como por exemplo, em situações de infarto ou AVC, sempre foi rotina fazer esse atendimento, mas regulando o paciente para hospitais da rede privada. Agora, devido à indisponibilidade, estamos tendo que alocar esses pacientes no SUS”, afirma Paiva. Quando a pessoa tem plano de saúde, a prioridade do Samu é encontrar uma vaga na rede particular, para que não seja preciso ocupar um leito público. “Às vezes, isso leva 4 ou 5 horas. A gente mantém esse atendimento na tentativa de buscar esse leito antes de alocar no público, mas não conseguindo e essa ambulância sendo necessária para outro atendimento, deixamos no leito SUS, para liberar a ambulância”, diz.   

Paiva afirma que a rede privada tem feito esforços para criar novos leitos, mas que a demanda está acima da capacidade. Anteontem, as ambulâncias do Samu fizeram 80 transferências. Foi um recorde para um único dia. Ele voltou a dizer que a situação está crítica, e a pediu para que a população se protegesse.    Hospital da Bahia está com 100% dos leitos de UTI lotados, apesar de ter aberto mais 10 vagas (Foto: Marina Silva/CORREIO) Hospitais particulares O presidente da Ahseb diz que os casos de pacientes que tiveram dificuldade para achar vaga na rede privada são pontuais e pediu que a população colabore não espalhando o vírus. “A taxa de ocupação está elevada. Os hospitais estão cheios. Não estou dizendo que tenha hospital vazio e que esteja fácil. A população precisa entender as recomendações das autoridades de saúde para evitar a transmissão do vírus”.  

O Hospital da Bahia, onde dona Zoraide buscou atendimento, disse que a unidade não está “recusando pacientes” que precisam de internação. “A internação é constatada no atendimento médico. Se por ventura o paciente foi lá, não conseguiu atendimento (em algum momento pontual) e foi recomendado que procurasse outro hospital, é justamente visando o bem do paciente, que terá atendimento imediato em uma unidade que tenha vaga”, disse o hospital, em nota. 

O Hospital da Bahia também disse que abriu mais 30 leitos de UTI há uma semana e, mesmo assim, se encontra com 100% de ocupação de leitos Covid. “Quando a demanda aumenta muito, temos pontualmente que restringir atendimentos em determinados momentos”, acrescenta a nota.  

Presidente do Sindicato dos Médicos do Estado da Bahia (Sindmed-BA), a cirurgiã plástica Ana Rita de Luna confirma que tem chegado relatos na associação da lotação nas unidades privadas. “Infelizmente, os nossos colegas relatam que vários hospitais da rede privada estão quase com uma exaustão no número de leitos de covid-19. Eles estão transformando enfermarias e leitos cirúrgicos em UTIs”, disse.  

Mesmo com o cenário caótico, ela explica que os profissionais preferem trabalhar na rede privada do que na pública pela estabilidade no salário. “No SUS há o fenômeno do atraso e calote, o que desestimula o médico a arriscar sua própria vida. Na rede privada, isso não está acontecendo. O que chega é a notícia de exaustão de leitos e recursos de materiais hospitalares, por a demanda estar alta”, conclui. Luís Henrique Damião Santos e o pai dele, Eduardo, aguardavam resultado do teste de covid-19 de Luís, que deu negativo (Foto: Marina Silva/CORREIO) Rede Pública   O gripário que fica ao lado da Unidade de Pronto Atendimento (UPA) dos Barris amanheceu ontem com os 20 leitos de enfermaria e as quatro salas vermelhas (similares a leitos de UTI) lotadas. No decorrer da manhã, oito pacientes foram transferidos, mas ao menos outros 20 aguardavam atendimento do lado de fora.

Um dos funcionários contou que tem sido recorrente a presença de pessoas com plano de saúde na unidade. “É porque alguns planos só estão fazendo o teste para covid-19 depois de oito dias do aparecimento dos sintomas. Então, o paciente tem a consulta, recebe as orientações, mas não faz o teste. Por isso, eles acabam procurando a gente, porque sabe que aqui o teste será feito logo”, disse o homem, que não quis ser identificado.  

Ele contou também que, na semana passada, se surpreendeu com um paciente que estava internado no gripário. “Ele tinha plano de saúde da Petrobras, ou seja, aceita em vários lugares. Mas quando ele precisou, os hospitais estavam todos lotados”, disse.   

Além do gripário, a prefeitura construiu uma tenda com mais dez leitos de UTI ao lado da UPA, mas todos eles também estão ocupados. O coordenador médico da UPA e do Gripário dos Barris, Abevailton Silva, disse que a unidade está atendendo cerca de 200 pacientes por dia. Ele agradeceu ao esforço das equipes de saúde para agilizar os atendimentos e transferências, e contou que a demanda está alta.    

“Em razão de nossa estrutura ficar no centro da cidade, a procura é muito grande. Naturalmente, nesse maior contingente de pacientes teremos uma parcela mais expressiva que precisará de atendimento mais intensivo. Nos quatro leitos para pacientes críticos [sala vermelha] chegamos a transferir 12 pessoas em 36 horas. Isso significa que, em cada 36h, conseguimos atender pelo menos 3 pessoas em cada leito”, afirmou.

O auxiliar de produção Luís Henrique Damião Santos, 30, foi um dos pacientes atendidos na unidade. Na quinta-feira (4), deu entrada com falta de ar, cansaço, dor de cabeça e febre. O resultado saiu ontem: negativo para covid-19. Ele disse que, mesmo assim, foi orientado a fazer um novo teste.   “Eu tomei os cuidados recomendados, mas precisava sair para trabalhar. Como uso o transporte público, acredito que devo ter pegado no caminho para o trabalho. As pessoas precisam levar isso a sério. A pior sensação da vida é você procurar ar para respirar e não encontrar. Eu não desejo isso a ninguém”, disse.  

O pai dele, o auxiliar administrativo Eduardo Damião Santos, 62, contou que na quinta, quando estiveram pela primeira vez na unidade, a demanda estava alta. “O pátio estava cheio de pacientes. A gente chegou 8h e saímos daqui às 17h”, disse.   

Taxa de ocupação dos hospitais particulares de SalvadorHospital da Bahia: 100%  Hospital Santa Izabel: 100%  Hospital Aeropoto: 100% Hospital Jorge Valente:   Leitos de UTI Adulto - 100%   Leitos clínicos Adulto - 90%    Leitos de UTI pediátricos - 0% (estão vagos)  Leitos clínicos pediátricos - 0% (estão vagos) Os hospitais Teresa de Lisieux, Português, Aliança, Cardiopulmonar e São Rafael não divulgaram a taxa de ocupação.  

Hospitais públicos de Salvador com 100% de ocupação às 19h de terça (9)*    Hospital Português (leitos SUS)  Maternidade Professor Jose Maria De Magalhaes Neto  Hospital Municipal De Salvador (HMS) 

*De acordo com a Sesab

Tira Dúvidas dos Planos de Saúde na pandemiaTenho direito a fazer os testes? Tem direito ao teste os convênios com segmentações ambulatorial, hospitalar e referência. Desde março de 2020, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)  determinou a cobertura  obrigatória dos planos de saúde nos testes, mas apenas após solicitação do médico. Em agosto do mesmo ano, deixou de ter a obrigatoriedade da solicitação do médico para casos específicos, como pacientes cuja prescrição tem finalidade de retorno ao trabalho, pré-operatório, controle de cura ou contato próximo/domiciliar com casos confirmados, além de testes rápidos e verificação de imunidade pós-vacinal. Caso o plano não indique um lugar, pode ser feito o teste e depois solicitar o reembolso.Como marcar exame clínico? A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) determinou que todos os planos de saúde priorizem os atendimentos relacionados ao coronavírus. Durante a pandemia e com a necessidade do isolamento social, pacientes menos graves podem fazer consulta por meio de telessaúde, ou telemedicina, com a utilização da rede assistencial, da mesma forma que seriam realizadas no sistema presencial em consultórios e clínicas. Contudo, a operadora do plano não é obrigada a escolher o médico da preferência do cliente. Além do primeiro atendimento, o paciente terá um acompanhamento até o fim da quarentena. Os exames solicitados pelo médico também terão a cobertura do plano, incluindo os testes de covid-19. Caso o paciente precise de atendimento presencial, é preciso marcar a consulta com seu plano, que vai direciona-lo para o médico, dependendo da demanda do profissional. Não se aplica aos casos que exijam   atendimento emergencial.Há garantia que serei internado no hospital particular? Enquanto tiver vaga no hospital que o plano cobre, sim. Contudo, não é garantido, principalmente se houver um colapso na rede particular de saúde. Caso necessite de atendimento imediato por conta da covid-19 e o hospital não tenha mais leitos de UTI disponíveis, procure seu plano para orienta-lo. A ANS recomenda que o beneficiário sempre busque orientações junto à operadora do seu plano de saúde. Na hipótese de não haver disponibilidade de prestador (ou leito) integrante da rede assistencial que ofereça o serviço, a operadora deverá garantir o atendimento em prestador não integrante da rede assistencial no mesmo município. Caso o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento, o reembolso será efetuado nos limites estabelecidos no contrato.Meu plano pode reajustar valores? a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) congelou os preços em 2020, por conta da pandemia. Porém, os planos puderam fazer reajustes este ano e pesou no bolso, pois a cobrança foi retroativa e parcelada durante 12 meses, acrescendo cerca de 5% a mais no boleto. No total, o aumento pode chegar a 35%, em meio à crise financeira e pandemia. A Defensoria Pública da União (DPU) recomendou à ANS a suspensão dos reajustes dos planos de saúde em 2021, além das cobranças retroativas.Em caso de inadimplência durante atendimento, o plano pode interromper o tratamento? A lei que regula os planos de saúde proíbe qualquer interrupção de tratamento por inadimplência durante uma internação hospitalar, ou "o não-pagamento da mensalidade por período superior a sessenta dias, consecutivos ou não, nos últimos doze meses de vigência do contrato, desde que o consumidor seja comprovadamente notificado até o quinquagésimo dia de inadimplência", diz a lei.

*Com a orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.