'Saudades de um povo muito acolhedor', diz dom Murilo após renúncia

O arcebispo de Salvador e primaz do Brasil será substituído pelo paulista dom Sergio da Rocha

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  • Gabriel Amorim

Publicado em 11 de março de 2020 às 19:09

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr/CORREIO

Saudade. É esse o sentimento que levará dom Murilo Krieger de volta a Corupá, em Santa Catarina, onde o religioso deve morar depois que deixar, em definitivo, o posto de arcebispo de Salvador e primaz do Brasil. O pedido de renúncia, protocolado por ele em 2018, foi aceito nesta quarta-feira (11) pelo Papa Francisco, que nomeou dom Sergio da Rocha para assumir o cargo.

Ao responder sobre o que leva da Bahia consigo, dom Murilo falou com carinho do sentimento que carregará daqui para frente. "Saudade. Dizem que partir é morrer um pouco. É verdade. São tantos amigos, tantos laços, mas a gente também leva tanta coisa no coração, tantas lembranças que eu não teria se não tivesse vindo para cá. É uma graça que Deus me deu, ter passado 9 anos aqui na Bahia, nesta arquidiocese histórica, com um povo muito acolhedor. Tudo isso não se apaga, muito pelo contrário, levarei de forma muito viva em meu coração", disse Krieger à imprensa depois que a notícia de sua saída foi oficialmente divulgada. 

O religioso explicou que o pedido de aposentadoria deve ocorrer sempre que o arcebispo completa 75 anos. Por isso, a solicitação de Krieger foi oficializada em 18 de setembro de 2018, data em que completou a idade.

“Quando se faz 75 você é convidado pela Igreja a solicitar essa aposentadoria e, se não atender ao convite, vai ser lembrado. ‘Você já tem 75 lembra?'”, brincou ele com o bom humor característico. “É uma decisão sábia da Igreja, para evitar que alguém de idade avançada, que já não tem mais condições físicas e intelectuais, siga dirigindo uma arquidiocese”, opinou. 

Apesar da nomeação do novo arcebispo já ter sido formalizada, a posse de dom Sergio da Rocha ainda deve demorar. O atual arcebispo explicou que, a partir do dia da nomeação, um novo arcebispo geralmente tem 60 dias para assumir o posto.

O caso de dom Sergio, que atualmente é arcebispo de Brasília, é um pouco diferente. “Nesses próximos 60 dias, são vários desafios: a semana santa que ele tem que preparar em Brasília, a assembleia dos bispos de aparecida, no final de abril, ele tem compromisso em Portugal, por isso formalizamos um pedido para que essa posse seja mais pra frente”, explicou dom Murilo. A posse, caso o pedido seja acatado, deve acontecer em junho. Até lá, dom Murilo segue na função.

O futuro Sobre o futuro, dom Murilo diz já ter planos. Depois de nove anos morando na Bahia, ele deve voltar a Corupá, cidade de 16 mil habitantes a 65 km de Joinville, em Santa Catarina. Lá, o 27º arcebispo de Salvador morou pelos primeiros sete anos de sua vida religiosa."Me sinto muito bem lá e posso sair de lá e ir para qualquer lugar do Brasil para servir, ajudar, participar de reuniões, dar palestras. Posso servir à Igreja de uma outra forma, sem essa responsabilidade de uma diocese. Sem ter que cuidar de uma diocese complexa como a de Salvador, que é tão antiga", comentou.Sobre seu sucessor, ele foi bastante elogioso. "Dom Sergio é um amigo, muito mais capacitado do que eu. Tem sempre uma história pra contar, gosta de falar. Ele tem um princípio, que é o meu também, de que o coração deve estar onde estão as pernas. Quero acolhê-lo com alegria. Ele é uma pessoa alegre, leve, muito dado a todo mundo. É uma pessoa que eu tenho certeza que vai se dar bem aqui e sentir a acolhida que eu senti quando cheguei", afirma.

Krieger chamou atenção ainda para uma curiosidade: com a nomeação, dom Sergio se torna o terceiro religioso brasileiro a ter sido arcebispo de três lugares. Antes de Salvador, o novo arcebispo primaz do Brasil já ocupou o cargo em Teresina (PI) e Brasília (DF). Junto com ele, na passagem por três locais, estão dom Eugênio Sales, que passou por Natal (RN), Salvador e Rio de Janeiro (RJ), e o próprio dom Murilo, que além de Salvador foi arcebispo em Maringá (PR) e Florianópolis (SC). “Todos passaram por Salvador. Essa arquidiocese tem história”.

Santa Dulce Questionado sobre o momento mais marcante dos anos em que comandou a arquidiocese, o arcebispo não teve dúvidas em destacar o da canonização da Santa Dulce dos Pobres, a primeira santa brasileira, em outubro de 2019. "O que mais me marcou foram os momentos que vivi em torno da canonização de Irmã Dulce. Estava à frente de um trabalho que não dependia de mim, mas que era grandioso demais para mim, que eu sabia que era histórico. Poder viver de perto, presidir a missa no dia seguinte em Roma, na Itália, e aqui na Arena Fonte Nova, em Salvador. Tudo isso encheu meu coração de alegria...”, disse.

Dom Murilo lembrou ainda que, quando tomou posse, Dulce estava sendo beatificada, e que o processo de canonização deveria ser muito mais longo do que de fato foi. "Maria Rita (sobrinha de Irmã Dulce e superintendente das Obras Sociais) sempre me dizia que eu não ia sair antes da canonização e eu respondia: ‘É impossível, isso demora, deve demorar décadas'. E, de repente, as coisas se entrelaçaram e ela foi canonizada. É uma graça especial”, relembra. Dom Murilo Krieger com Maria Rita Lopes Pontes, gestora das Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) (Foto: Betto Jr/CORREIO)  Sobrinha de Dulce, e atual gestora das Obras Sociais, Maria Rita estava emocionada durante a coletiva e não conteve as lágrimas ao falar de dom Murilo. "Já estou morrendo de saudades, e acho que todas as pessoas que o conheceram de perto também estão. Uma pessoa alegre, sempre de bom humor e que ajudou muito as obras de Irmã Dulce no processo de canonização. Ele chega na beatificação e sai deixando uma santa. É alguém muito modesto, humilde, simples, é uma pessoa muito especial na vida das Obras. Vai deixar muita saudade. É um grande amigo, para sempre", declarou.

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier