Se mãe fica triste, o mundo acaba

Eu vejo a insegurança do meu filho quando saio do roteiro deixando baixastralidade entrar

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  • Da Redação

Publicado em 2 de outubro de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

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Nessa semana, tive motivos - pessoais, íntimos e concretos - pra sentir tristeza. Grata por não ser doença nem morte por perto, mesmo assim, quis passar um tempo deitada, em slow motion, metabolismo basal, sentindo as coisas que precisava sentir. Tudo, tudo tem função, inclusive esse tipo de melancolia que traz, à tela da minha cabeça, o esquema ótico de Bouasse, o Objeto A e fragmentos de Barthes.

(Além de umas músicas bregas que ninguém é de ferro, claro.)

Mas uma coisa é querer e outra é poder. Por aqui, "elaborar" é um verbo que acontece, com corpo em movimento, entre a limpeza dos banheiros das gatas e a lavagem dos pratos, talvez enquanto escuto uma explicação sobre a Segunda Guerra Mundial, porque meu filho ama história e, durante essa pandemia (que ainda não acabou, informo), não tem quase ninguém, além de mim, pra conversar. Também "elaboro" em plano de fundo fazendo o pix do conserto da bicicleta ou da sessão de terapia ou da ração da cadela. Muitas vezes, começando e deletando artigos, mas, com fé em deus, esse eu termino porque preciso entregar hoje ainda. É um dos meus inegociáveis compromissos semanais. Apenas vida adulta, nada extraordinário.

Nesses dois dias, as roupas sujas se acumularam, mas foi só isso que pude deixar pra trás. Mentira. Também estão faltando itens de café da manhã, papel higiênico e, talvez, outras coisas mais. A casa tá meio empoeirada pro nosso padrão e eu não molhei a hortinha. Só que precisei começar a me mexer porque, ao fim das primeiras 12 horas de "elaboração", eu já tinha um filho embarcado na melancolia e precisei garantir que o dia seguinte seria 100%, tudo massa, tudo legal. A cena era eu, quase meia-noite, afirmando que o mundo não acaba tão cedo, que vão resolver o problema do derretimento das calotas polares, que estudar matemática vale a pena e que o sentido da vida é ser feliz na prática.

(Isso, fazendo cosquinha e cheirando suvaco que otimismo só na palavra não adianta nada.)

Claro que eu podia dizer alguns "não sei" e seria bem mais sincera. Podia até ter chorado porque deu vontade. Só que, na boa, depois de quase dois anos de pandemia, meu melhor parceiro merece bem mais do que sincericídio e mãe frágil. E mais: todas as perguntas dele queriam ser só uma e a única resposta aceitável para "mãe, você tá bem?" (era isso que ele queria saber) é, no mínimo, um seguríssimo "vou ficar". Mãe animada faz parte do nosso pacto. Aqui, moramos no filme La vita è Bella, desde que essa merda de pandemia começou, e eu vejo a insegurança do meu filho quando saio do roteiro deixando baixastralidade entrar. É tipo "se nem ela tá segurando a onda, é porque a gente vai se afogar".

Não vai nada. Eu garanto. Toda vez lembro que prometi e, rapidamente, volto pra bicicleta pedalando de braços abertos, rindo, cabelos ao vento e fazendo planos de viagens fenomenais que viajaremos juntos até com as lindas namoradas que ele terá (faço de conta que acredito que serei convidada para todos os rolês... hahahaha). Tudo com sorvete, pipoca e risadas. Ainda bem que, quando isso tudo começou, eu já sabia que se mãe fica triste, o mundo acaba.

Né queixa, não. Acho normal. É ser mãe. Só aquelas imersas em profundo narcisismo (ou as que enfrentam problemas de subsistência, violência ou severos psiquiátricos) precisam sangrar na praça pública da sala de estar. Felizmente, não é o nosso caso. Dentro da naturalíssima gangorra da vida, filho não tem que ter pena de mãe. É pra ser forte, sim. É pra ser retada, sim. É pra ter beijo que cura e ensinar a surfar nas maiores ondas. É pra chorar no travesseiro sozinha, se precisar. É pra desabafar fragilidades com amigos e amigas, em telefonemas nas madrugadas. Nor-mal.

Por mais que eu diga "tô exausta" (e eu digo), por mais que eu reclame de falta de tempo e dê uns gritos pela casa, meu filho SABE que é preciso muita coisa pra me derrubar. Que nada, nunca, chegou perto disso. Que eu sou foda mesmo. Que, em geral, eu dou conta, sim. Que, portanto, ele pode confiar em mim e apostar que também é capaz de lidar com o mundo. Mãe precisa tirar de letra. Precisa fazer com que pareça fácil. Mãe é pra ensinar, entre muitas coisas, coragem.

O futuro vem aí e, daqui a pouco, ele vai descobrir que meus super poderes são só encenados. Vai rir, é provável. Talvez a gente se abrace e ele me diga que sempre soube que eu sou uma reles mortal, praticamente uma farsa. Dane-se. Ele vai ter que admitir que eu tentava. Até, inclusive, mentindo que "dormi tarde e bebi em call com uns amigos, tô meio de ressaca", nas muitas vezes em que o que sinto de manhã é só desamparo. Acho ótimo que ele pense que fiz uma boa farra e fique aliviado porque sigo me divertido, conforme combinado.

Aqui não tem mãe melancólica, mesmo quando está. Se, daí, você pensa que somos melhores quando expomos a nossa total humanidade, eu concordo. Mas te lembro de que nada é mais humanamente materno do que não ter, mas dar um jeito de conseguir porque a gente sabe que precisa ter pra dar. E quer saber? Essas são grandes oportunidades pra entender o que importa, de fato. A hierarquia dos sentimentos (e compromissos) maternos bota até cada dor em seu lugar. Também lembra que - assim como esse tempo no qual somos super heroínas - as tristezas passam. Inclusive, sextou e, aqui, hoje tem farra. Que alegria também é exercício, hábito e resistência, como você sabe.

Musiquinha pra embalar a leitura e lembrar o tamanho do que "chama de mãe":