Se no Flamengo, meninos moravam naquele cubículo, imaginem nos times de segunda ou terceira divisão

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  • Malu Fontes

Publicado em 11 de fevereiro de 2019 às 06:06

- Atualizado há 10 meses

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O que matou os 10 garotos queimados no Centro de Treinamento do Flamengo (RJ) foi falha humana. Independentemente do que venham a apontar todas as perícias feitas, e de sabermos que é muito fácil falar após a ocorrência de uma tragédia desta natureza, não se pode ignorar o óbvio. Nenhum clube de futebol, e sobretudo um clube rico e importante como o Flamengo, pode pegar os filhos alheios e enfiá-los para viver dentro de uma caixa de metal, com seis quartos cheios de beliches, sem janelas, e com uma única portinhola. Estreitíssima, por sinal.

Todos os jornais e telejornais mostraram em detalhes, ilustrando com infográficos, como era a estrutura física do contêiner onde ficavam os 6 quartos minúsculos em que os meninos dormiam, às cinco da manhã, quando a estrutura começou a pegar fogo. Como ninguém, e em um clube renomado, nunca pensou na estupidez que era manter meninos, crianças retiradas das casas da família, de diferentes estados do país, vivendo em condições físicas desconfortáveis inabitáveis como aquelas? Quanto custaria ao Flamengo manter os meninos em um hotel simples, em apartamentos de prédios não necessariamente de alto padrão? Basta olhar qualquer imagem daquelas para saber que é no mínimo claustrofóbico viver em uma caixa de metal como aquela. Não ter acontecido antes ou outras vezes é que é surpreendente. 

Racismo E a tese de que pode até estar faltando amor no mundo, mas o que mais faz falta mesmo é a capacidade de interpretação de texto parece ser a única válida em tempos de redes sociais. Enquanto boa parte do país e do mundo viu horrorizada a história trágica dos 10 meninos mortos do Flamengo, dois tipos de narrativas cena apareciam como satélite dessas mortes na midiasfera. De um lado, uma campanha on line do tipo “hashtag Força Flamengo”. Do outro, chorumes humanos nas redes fazendo piada com o fato de os meninos mortos e os sobreviventes serem quase todos negros, terem tido determinados percentuais dos corpos queimados e terem morrido em um lugar chamado de Ninho do Urubu. Era o racismo de alguns brasileiros se manifestando num nível de perversão e ruindade muito além do imaginável. 

Os comentários que faziam troça racista da tragédia relacionavam o fato de a maioria dos garotos terem a pele escura ao adjetivo queimados. Sim, há gente com mau-caratismo e sordidez suficientes para fazer piada com a cor da pele de crianças mortas queimadas. E ainda há quem duvide que a humanidade foi um projeto que fracassou. E como assim, desejar forças para o Flamengo? Quem perdeu os filhos na tragédia foram 10 famílias. Claro que os gestores do Flamengo nunca tiveram a intenção de machucar os meninos. Mas que o conceito de fatalidade pode ser automaticamente aplicado ao caso do Flamengo, não pode. Fatalidade, para um clube de futebol, é ter seu time inteiro morto pela queda de um avião cujo dono era um ganancioso sórdido ao ponto de colocar menos gasolina do que o necessário para o trecho do voo, como aconteceu com a Chapecoense, de Santa Catarina, em 2016, na tragédia aérea que matou 71 pessoas. Ali, cabia tanto um “Força, Chape” quanto o “Força, Famílias” das vítimas. 

Terceira divisão No caso do Flamengo, gente que coloca meninos numa caixa de metal toda fechada, com janelas minúsculas gradeadas com ferro e uma única porta estreitíssima num espaço com 6 quartos e capacidade para mais de 20 garotos, o mínimo que circunda essa equação arquitetônica soturna é o risco permanente e total de uma tragédia acontecer. Não à toa, o clube já havia sido multado 17 vezes pela geringonça, o Corpo de Bombeiros do Rio nunca emitira autorização para o funcionamento daquilo e a Prefeitura havia interditado o lugar várias vezes. Diante disso, que “Força, Flamengo”? A gestão do clube preferiu correr riscos ao manter por tanto tempo meninos ali. Um novo lugar de moradia para eles estava pronto. Iriam mudar-se em menos de uma semana. É o que se diz agora. Tarde demais. E como estamos no Brasil, nem com os erros se aprende. Se no Flamengo, meninos moravam naquele cubículo, imaginem como vivem os talentos infantis do futebol nos times de segunda ou terceira divisão país afora.