Sem estudantes vacinados, que sentido faz professores/as terem prioridade?

Em relação à segurança para a volta às aulas presenciais, vacinar apenas professo- res/as não adianta, rigorosamente, nada

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 27 de março de 2021 às 19:01

- Atualizado há um ano

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Finalmente, professores/as conseguiram se incluir no grupo prioritário de vacinação contra a covid-19, em alguns estados do Brasil. Que maravilha, né? Logo poderão voltar para as salas de aula! Finalmente, as escolas vão poder reabrir com todos/as os/as funcionários/as (imaginando que a "tia da cantina", a galera da limpeza e o pessoal da portaria também estão nessa lista, claro)! A única coisa que eu não tô entendendo é para quem professores/as vão dar aulas já que, por mais que eu procure, não encontro a palavra "estudantes" relacionada à palavra "vacinação" em nenhum lugar. Então, as aulas online vão passar a ser transmitidas dos prédios escolares, é isso? A prioridade deve ser porque cansaram de gravar e fazer "lives" de casa. Legal.

Veja só: a vacina é um direito de todos/as e eu quero mais é que sejam incluídas cada vez mais categorias e faixas etárias. Meu problema, portanto, não é que professores/as sejam vacinados/as. Quero é que tenha mais vacina do que gente, logo, em todas as cidades e isso antes que surja uma cepa que consiga driblar todos os imunizantes. Então, tem que ser rápido. Por mim, resolvam o escalonamento como quiserem, desde que adiantem o passo. Eu faria bem diferente, mas quem sou eu na fila da vacinação? Ninguém. Apenas tenho cá minha opinião e uma pergunta básica: sem estudantes vacinados, que sentido faz professores/as terem prioridade?

Justamente na hora que a demônia da P1 (a cepa feita no Brasil que é mais contagiosa, mais letal e complica mais em jovens, se você duvida vá estudar) tá bombando, justo quando passamos das três mil mortes diárias (e vai piorar) essa vacinação de professores/as me acendeu um alerta. Quais são os planos mesmo? Porque se a categoria trabalha de casa, a pressa não faz muito sentido já que há tantas outras, de obrigatório trabalho presencial, que ainda não foram imunizadas. Sobretudo, não faz sentido a pressa se a maior parte da comunidade escolar (crianças e jovens) segue sem qualquer previsão de imunização. Como diz meu filho, "tem caroço nesse angu".

(Já há testes bem sucedidos em crianças e adolescentes, agora é só alguém lembrar que eles/as também adoecem e morrem.)

Pra mim, a concessão é tipo um "cala a boca", a mais explícita convocação para o alistamento em um dos lados de certa batalha. Sabe a pressão para a "volta às aulas"? Até aqui, ainda que timidamente, professores/as estiveram comprometidos/as com segurança e responsabilidade. Só que também era autoproteção, claro. O justificado medo de morrer de uma turma, evidentemente, bem informada. Agora, é o seguinte: quando vacinada, a categoria vai estar do lado de quem? Do empregador (empresário, no caso da rede privada) que tem poder de demissão, ou das crianças e adolescentes que não têm sindicato nem nada?

Resposta fácil. Inclusive porque, diante de uma profissão absurdamente desvalorizada, pouquíssimos/as têm condições de dizer o que pensam, de fato. Quando dizem, muitos pagam caro. Passado o medo de morrer de covid, não sei mesmo se ainda contaremos com as paralisações e a força da categoria a favor da saúde de toda a comunidade escolar. É nesse possível silêncio que está a aposta. Por melhores que sejam as intenções, por mais que "a tia ama", deve pesar é a comida na mesa deles/as e não a vida do meu filho. Nem do seu, saiba. Faz tempo que deixei de acreditar em Coelhinho da Páscoa.

Em relação à segurança para a volta às aulas presenciais, vacinar apenas professores/as não adianta, rigorosamente, nada. Quer dizer, adianta pra eles/as, exatamente para uma única pessoa das dezenas que estarão em apenas uma sala. Na real, não traz segurança nem para familiares dos/as professores/as já que a pessoa vacinada pode, sim, contrair o vírus e contaminar terceiros. A pessoa vacinada só tem a garantia de não agravar nem morrer. Aí, é o seguinte: cercados/as por estudantes não vacinados, até essa "segurança individual" fica relativizada já que, imagino eu, ninguém gostaria de ser responsável por um surto de covid em casa.

Fato é: sabe quando poderemos reabrir as escolas sem matar pessoas? Quando o "tio da van" também for vacinado, anotando logo aqui porque essa pessoa (que passa horas em ambiente fechado com estudantes) nunca é lembrada. Aos pouquinhos, quando estudantes e todas as pessoas das casas dos estudantes estiverem imunizadas. Vai chegando quem já tem esse "passaporte" e, aí sim, encontra a equipe da escola também imunizada. É uma transição e que nem deve ser rápida. Isso é o óbvio, é o que vem sido repetido exaustivamente por quem preserva lucidez, é ciência pura (e só ela poderá, talvez, nos salvar): vacinação só funciona no plural, na coletividade.

Agora, é o seguinte: se a volta às aulas é essencial, por uma questão de coerência, crianças e adolescentes precisam entrar, imediatamente, no plano de imunização. Junto com professores/as, né isso? Assim, já garantimos os dois grupos e vão voltando, aos poucos, conforme a realidade em cada casa. Minimamente, precisamos alinhar o discurso à prática. Se estudantes não podem mais ficar em casa, se há urgência de retorno às atividades presenciais, que também sejam percebidos como grupo prioritário. Elementar. "Ainnn, mas não dá, tem muita gente pra vacinar". Então, senhoras e senhores, confirmamos, mais uma vez, quem está na base da nossa pirâmide social. Para muita gente, crianças e adolescentes não devem mais ser preservados, mas também não têm direito à vacinação. Neste assunto, sequer se fala. As pessoas só fingem amar e respeitar a infância e a adolescência. A real é essa. É por isso que... bom, deixa pra lá que, por hoje, eu já tô cansada. Mas volto a esse assunto. Mil vezes, se for necessário. Tchau.