Sem medo de mudar, Watchmen é atualizada para nossos tempos

Você não precisa ter lido a HQ original de Alan Moore para compreender a história

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  • Carol Neves

Publicado em 25 de outubro de 2019 às 10:00

- Atualizado há um ano

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Ganhadora do Oscar por Se a Rua Beale Falasse, Regina King é uma das protagonistas de Watchmen (foto/divulgação) Mexer com uma HQ amada e até reverenciada por muitos como Watchmen pode ser perigoso. A versão para TV chega agora, dez anos depois do filme, e não tem pudores em mudar o que acha necessário, sem excesso de respeito pelo material. Damon Lindelof, um dos criadores de Lost, já está acostumado a controvérsias e base de fãs nervosas. Antes da estreia de seu Watchmen, ele afirmou que não se trata de uma adaptação e disse que “remix” descrevia melhor o que está fazendo com o trabalho original de Alan Moore.

A versão de Lindelof não vai servir como uma desconstrução de dramas na TV, como a HQ buscava fazer com heróis de quadrinhos, mas é um acerto ao pegar as questões sociológicas da história original e trazê-las para nosso mundo de hoje. Enquanto naquela época o medo dos personagens era de morrer em um ataque nuclear por conta da disputa entre EUA e então URSS, hoje faz mais sentido tratar do nacionalismo branco.

Essa é grande mudança que Lindelof fez no eixo temático da série. A paranoia pré-Guerra Fria e as explosões nucleares dão lugar a ameaça de terroristas que são os supremacistas brancos. A série abre com uma longa cena de introdução nos anos 1920 com um massacre em Tulsa (Oklahoma), quando uma acusação de roubo a um negro leva a um ataque assassino a uma comunidade negra.

Depois, pulamos para o tempo atual, ainda em Tulsa, em uma sociedade em que os policiais usam máscaras para não serem reconhecidos após uma sequência de ataques e precisam de uma autorização central para poder sacar a arma.

A questão racial está presente o tempo todo. Revertendo uma lógica bastante comum na realidade, vemos um policial negro hesitante parando um motorista branco. Mas o branco ainda é a ameaça: o policial acaba baleado pelo suspeito, que está ligado ao grupo terrorista racista Sétima Cavalaria. No final do episódio, nos vemos diante de outra cena espelhada. Um homem branco pendurado em uma árvore, enquanto ao lado está um senhor negro.

Um dos protagonistas da HQ, Rorschach, na série é um símbolo desse terrorismo, citado pelos racistas, que usam máscaras em alusão a ele. Racismo não era um grande tema da HQ e Roscharch era um personagem conservador, instável e misógino. A adequação faz todo sentido. Sua máscara, que originalmente significava sua percepção de verdade e justiça, agora é lida como uma divisão racial.

O principal é que você não precisa ter lido o quadrinho para assistir à série. Claro, sempre vai haver uma outra piscadinha de olho para quem está mais por dentro, e os fãs obsessivos poderão gastar quantas horas por semana quiserem dissecando semelhanças e diferenças, mas não fará falta se não for seu caso.

Ainda é cedo para saber como a temporada como um todo vai segurar a missão ambiciosa, já declarada ao convidar uma análise de um evento trágico que é pouco conhecido até nos EUA. Há um sentimento de que tudo nessa história alternativa que estamos vendo é um pouco diferente, mas também um pouco familiar. É intrigante, fascinante e vale a pena dar uma chance, em minha opinião, ainda mais considerando a beleza que é o trabalho anterior de Lindelof, The Leftovers.

O segundo episódio vai ao ar este domingo, na HBO Brasil, a partir das 23h. Aliás, a emissora por aqui criou um podcast original em português para tentar capturar um pouco esse público que gosta de chafurdar no assunto depois dos episódios. Clique aqui para conferir o primeiro no Youtube ou Spotify (também está disponível em demais agregadores).