Sereias do Rio Vermelho: Iemanjá mãe, preta e gorda faz sucesso em ensaio

Projeto fotográfico em conjunto com o "Vai ter Gorda" e o Editorial Nordeste inova

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  • Luana Lisboa

Publicado em 31 de janeiro de 2022 às 19:03

- Atualizado há um ano

. Crédito: Paula Fróes/CORREIO

Para a pequena Safira, de 5 anos, a princesa Ariel e a orixá Iemanjá são figuras parecidas. É fácil perceber o porquê. Autoridades nos oceanos, tanto a sereia da Disney quanto a padroeira dos pescadores são figuras femininas representadas de modo semelhante nas ilustrações: esbeltas, esguias, em corpos magros e sensuais. No último domingo (30), entretanto, elas estiveram presentes no Rio Vermelho, em um só corpo, negro e gordo, o de Gal Santos, 37.

Organizado em conjunto entre o "Vai ter Gorda", coletivo de mulheres que luta contra a gordofobia no Brasil, e o Editorial Nordeste, projeto que estimula talentos da moda dentro da periferia de Salvador, um ensaio fotográfico reuniu Gal e suas duas filhas na Praia da Paciência, nas proximidades do dia 2 de fevereiro, tão especial para os religiosos de matrizes africanas.

O motivo? Além de render uma homenagem à ancestralidade da comunidade do candomblé, na qual Gal foi criada pela família, e valorizar a diversidade dos corpos em datas tradicionais da cultura da cidade, o ensaio é uma fuga à representação clássica da divindade dos mares."Quando o ensaio foi pensado, queríamos mostrar, ao invés de uma Iemanjá sensual que hipnotiza, uma Iemanjá mãe, que cuida e protege. Por isso, me escolheram para representá-la, junto com as meninas", explica Gal.Modelo plus size, a mãe de Safira, 5 anos, e Isabela, 13, também viu a oportunidade de inspirar as crianças, que já demonstram a educação que receberam desde pequenas. "Quando eu fui convidada, inicialmente, só Isabela tinha sido pensada para o ensaio, porque ela já modela pelo Editorial Nordeste. Mas quando Safira, fã de princesas, soube disso, se incluiu logo, ela tem personalidade. 'Também quero participar, eu que sou Ariel'. Ela diz que Iemanjá e Ariel são a mesma coisa", conta a mãe.

Foto: Paula Fróes

A menor é a única na família que tem cabelo "black", diferente dos da mãe e da filha maior, que são cacheados e escorrem pelos ombros. Quando notou que a pequena se sentia diferente e passou a reclamar dos próprios cabelos, Gal viu uma nova oportunidade para inspirar a filha e passou a lhe dizer que seu black era sua própria coroa. Safira tomou seu trono e, depois disso, ficou ainda mais apaixonada pelas princesas.

Kayala nas estrelas Contando com uma equipe de cerca de 16 pessoas entre produção, fotografia e modelos, o ensaio, intitulado "Kayala nas estrelas", também não traz o que é costumeiro de ver em ensaios que representam Iemanjá, sempre mostrada sozinha. No entorno da deusa, estão pescadores e marisqueiras, interpretadas por outras mães do coletivo. Os elementos de cena, por sua vez, foram construídos pelas próprias mãos dos membros do coletivo, em um trabalho conjunto artesanal.

Foto: Paula Fróes

"Kayala é um dos nomes de Iemanjá, e estrelas se referem às estrelas do mar. Trazemos elementos como o abebê, que a deusa usa, e a sua estrela prateada", explica o produtor do projeto e um dos fundadores do "Vai ter Gorda", Paulo Arcanjo.

Para ele, as fotos dialogam com o movimento à medida que o "Vai ter Gorda" tem, intrínseco a ele, uma ideia de família por trás. "Os filhos das meninas sempre vão para os eventos, o clima é de família e Gal serve muito de inspiração para as filhas. É mãe e pai das duas. Pensar nela para protagonizar as fotos foi natural", explica.

*Sob orientação da subchefe de reportagem Monique Lôbo