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Série e espetáculo teatral ampliam universo do livro Torto Arado


 

Referência na literatura brasileira contemporânea, romance do baiano Itamar Vieira Júnior vai ganhar novas ambientações

  • Da Redação

Publicado em 11/05/2022 às 06:00:00
. Crédito: Foto: Divulgação

Torto Arado já era mais do que somente um livro, mas o ano de 2022 vai levar essa afirmação a níveis literais e ainda mais palpáveis. Publicado em 2019 pela editora Todavia, o romance se tornou o maior fenômeno editorial recente do país - foi o livro mais vendido pela Amazon no Brasil em 2021. Com o livro, Itamar Vieira Júnior venceu os prêmios Leya, Oceanos e Jabuti e inspirou leitores dos mais diversos tipos. Inclusive artistas.

Agora a história vai ser base para a peça teatral Depois do Silêncio (Après le Silence, nome original em francês), que vai sair em turnê na  Europa a partir de 15 de junho, estreando em Viena, capital da Áustria. A peça contará com cenas gravadas em Lençóis, na Chapada Diamantina, e continua circulando por países europeus até o ano que vem. 

Quilombola do Remanso, a baiana Gal Pereira é uma das atrizes no elenco da peça. Ela foi selecionada por Christiane Jatahy, diretora premiada com o Leão de Ouro da Bienal de Veneza pelo conjunto da obra, em viagem à região para conhecer o cenário da trama. Em conversa com o CORREIO, Gal contou que o elenco está em Paris fazendo ensaios e finalizando os preparativos para a estreia. O enredo fala sobre as escravidões modernas denunciadas no livro de Itamar. O cineasta Heitor Dhalia assina o projeto de adaptação de Torto Arado para a HBO (Foto: Divulgação) A série, por sua vez, está sendo produzida pela HBO. A baiana Ceci Alves é uma das roteiristas na equipe chefiada por Luh Maza, duas mulheres negras, assim como Renata di Carmo, Maria Shu e Viviane Ferreira. O projeto é comandado pelo cineasta Heitor Dhalia, diretor do filme O Cheiro do Ralo e da série Arcanjo renegado. Detentor dos direitos de adaptação do livro que leu na virada de 2019 para 2020, Dhalia avalia que vivemos numa espécie de Era de Ouro das séries, que ele avalia como um formato contemporâneo e que é demandado pelos espectadores. 

Além disso, avalia Dhalia, Torto Arado oferece um universo rico para diversas temporadas - a estimativa dele é que sejam três, inspirado nos três atos da história de Bibiana e Belonísia, as duas irmãs que vivem uma situação de semi-escravidão e protagonizam a história. “Itamar não constrói só uma narrativa, mas um universo. A história se passa em cem anos, e cada frase tem o poder de abrir uma verticalidade de novas proposições. A história conquistou corações e mentes de uma geração. E, de repente, aquela nossa adaptação virou uma grande responsabilidade”, avalia.

Visão feminina

Roteirista-chefe da produção, Luh Maza, que esteve na equipe da quarta temporada da série Sessão de Terapia,  conta que o desenvolvimento da série acontece desde setembro do ano passado, quando a equipe começou a destrinchar o livro, separar os arcos das histórias de personagens, olhando com atenção o que encaixa com ação, narração e subjetividade.

“Até aqui tem sido uma jornada fantástica por esse trabalho de tradução, reedição e transmutação que é uma adaptação como essa. Especificamente na sala de Torto Arado temos uma equipe especialmente unida, somos como velhas conhecidas, somos muito afinadas”, afirma Luh, antes de ressaltar que a força desse grupo de mulheres unidas em torno do mesmo desafio consegue potencializar o resultado, ao mesmo tempo que nos acolhe, conforta e empodera. Luh Maza coordena a equipe de cinco roteiristas que estão adaptando Torto Arado (Foto:   Anne Freitas/divulgação) Para a roteirista, que é uma mulher trans, a missão de adaptar Torto Arado é cheia de desafios. Ela é fã do livro e entende que a expectativa de leitores é alta: “E por isso mesmo precisamos entender que [as expectativas são] inatingíveis”. 

“Temos que entender isso e ter esse comprometimento sem perder a liberdade. É incrível ver como os fãs do livro ficaram empolgados e começam a especular sobre como vamos dar conta de mostrar os elementos tão sensoriais do livro como as entidades. Não vou estragar a surpresa! Mas é pela fricção das potencialidades da literatura e do audiovisual que está a resposta. Mas sinto muito apoio, torcida mesmo, por essa série. Várias pessoas se sentem realizadas ao saber que finalmente o filme ou a série que imaginavam começa a se tornar realidade”, avalia.

Para Luh, esse universo tão imenso quanto íntimo que Itamar apresenta no livro é um dos motivos principais para que Torto Arado tenha se tornado um sucesso tão grande e continue despertando interesse em leitores, artistas e produtores.

“Como leitora fiquei comovida e envolvida e como escritora fiquei deslumbrada pela construção dos tempos, escolhas e personagens tão bem construídas, que me reconheci nelas imediatamente. (...) Terminei a leitura como quem se depara com a onça. E aí veio essa materialização na proposta de adaptar essa preciosidade toda. (...) Eu acho que nunca vi uma comoção tão grande em torno de um livro brasileiro na minha vida”, diz a roteirista. 

No final das contas, o grande entendimento é que Torto Arado já é um clássico. Nas palavras de Luh Maza, isso se dá tanto pela força do drama, mas também pelo contexto brasileiro que Itamar tão bem retratou na arena da ficção e por reunir o nosso povo em torno de um livro.