Sobre Elvis, roquenrou e protestos

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  • Da Redação

Publicado em 1 de agosto de 2022 às 06:36

- Atualizado há um ano

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Fui assistir ao novo filme sobre Elvis Presley, semana passada. Da minha lista de ignorâncias, a história do roquenrou tem destaque garantido. Mesmo assim, pude catar referências superficiais que eu tinha, aqui e ali, para acompanhar a linguagem feérica, transitando entre o videoclipe, quadrinhos e filme de herói, do novo filme de Baz Luhrmann.

No entanto, garimpando em meio ao caos, pude perceber duas informações que me chamaram muito a atenção. A primeira, de que Elvis teve uma infância modesta, vivendo um bairro majoritariamente negro.

O ambiente musical em que vivia moldou e influenciou sua performance, e suas referências sobre a cultura negra eram endógenas, não um oportunismo estrangeiro. Claro que, sendo branco e bonitão, ficou muito mais fácil ele se apropriar de uma cultura eminentemente negra e despontar, como mostra o filme. Li em algumas reportagens, para confirmar, que realmente a Sun Records estava em busca de um branco para tornar mais palatável a nova música negra que despontava, e ele acabou surgindo como o perfil perfeito para uma época racista, segregacionista e furiosa, quanto às questões raciais.

Pululam nas redes discussões positivas e negativas sobre a apropriação de Elvis, e não tenho propriedade, conhecimento nem intuito de discutir isso, aqui. No entanto, na sequência do filme, a repercussão do tal branco, cantando música negra, rebolando como os negros, e fazendo sucesso na TV, gerou um incômodo, notadamente entre os sulistas – tradicionalmente mais racistas e radicais – que me causou bastante impressão e surpresa.

Assim como me tocou profundamente a perseguição insana a Charles Chaplin, relatada em artigo anterior escrito aqui para esta coluna, a reação à música e à dança de Elvis imediatamente me acendeu uma luz. No filme, a perseguição é personalizada na figura do senador James Eastland; sabendo nós que ele é só a consequência, e não a causa de uma sociedade preconceituosa e reacionária.

Elvis Presley é uma imagem recorrente em bares, restaurantes, e representa muito aquele american way of life de topetes, loiras, carrões, cultura pop, hambúrguer, dancinhas coreografadas, com gestos já conhecidos ao se ouvir determinados ritmos na caixa de som. Ele virou um ícone dos que endeusam os EUA dos playboys, garotões, bailes, comportamentos padronizados e reconfortados com o sistema.

Prontamente, pensei numa grande maioria que absorve para si o ícone, mas que, justamente por seus valores, comportamentos e discurso, provavelmente estariam, à época, mais propensos a ficar do lado do senador James Eastland.

Lembremos que a segregação racial era oficial. Que o discurso de ódio racial era permitido. E que grande parte dos EUA sempre foram conservadores, a galera da “propriedade, família, religião e ordem”, como cita Marx ao se referir à sociedade francesa que, em 1851, ergueu ao poder um novo imperador, em reação à curta Revolução de 1948.

À época de Elvis, uma música que trazia negritude, lascívia, requebros, temas que fugissem ao famoso wasp – white anglo-saxon protestant – facilmente seriam condenadas e execradas como música de baixa qualidade, música obscena, erotizante, conspurcando assim a tradicional família americana.

Aquela máxima “herói bom é herói morto” serve, de alguma forma, à arte. Muitos que hoje condenam artistas atuais por suas posturas políticas, revolucionárias, desbravadoras, militantes contra preconceitos e censuras, e que endeusam Elvis Presley

por este representar o establishment, o pop, o absorvido pelos valores da sociedade, provavelmente o criticariam quando ele surgiu.

Tem sido recorrente e ridícula a decepção de muitos com bandas de roquenrou, ao descobrirem seus posicionamentos políticos. Há todo um grupo social que acha o máximo ouvir música estrangeira, que dá as costas ao que se faz geralmente no país, e se sente o máximo por aplaudir uma cultura de sucesso mundial.

Sou ignorante sobre roquenrou, mas não o suficiente para saber que está geralmente na base de suas letras a crítica social, a raiva contra a máquina, contra os tijolos que formam os muros, imaginando todas as pessoas vivendo em paz, e requebrando ao som de todas as cores e ritmos.

Elvis não morreu. John Lennon não morreu. Bob Marley não morreu. Há uma grande linha do tempo onde artistas vão lutando contra um mundo injusto, opressor, desigual e preconceituoso. Seja em seu discurso, seja em sua dança, em suas influências, em sua postura.

Elvis Presley pode não ter sido um grande ativista, um artista de protesto, mas você que, provavelmente, o aplaude por ele representar o estabelecido padronizado da cultura dos EUA, provavelmente também teria criticado ele à época de seu surgimento.

Gostar do que é aceito e padronizado é também uma postura política. Dos que aquiescem quanto às injustiças, opressões e preconceitos do mundo. E que só requebram e dançam música preta quando esta é aceita como sucesso inconteste do sistema, da máquina, da sociedade.