Sobre  este ano letivo, alguém perguntou a opinião das crianças?

Gostaria de entender por que, apesar de adorarem telas, muitas das que tiveram aulas online, apenas odiaram

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  • Flavia Azevedo

Publicado em 20 de dezembro de 2020 às 12:00

- Atualizado há um ano

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Criança sabe. Mais do que saber, tem soluções. A partir de alguma (pouca) idade, criança elabora de um ponto de vista privilegiado que vê nossas entranhas, esquinas, sombras, forças e vulnerabilidades. Não precisa ser gênio, não. Qualquer criança sabe. As crianças de uma família, por exemplo, dizem demais sobre a família e não só nas performances ensaiadas, nas educações ou falta delas. Dizem com seus corpos, gestos e, se a gente não atrapalhar, com palavras. Escritas ou faladas, a depender. Dizem na forma da letra e no conteúdo, nos desenhos, no silêncio. Ainda sem os filtros e cinismos da idade adulta, mais do que qualquer pessoa da família, com mais saber, com mais verdade.

Também é a criança quem mais sabe a escola, professores/as, funcionamento de método, adequação de prédios, faltas, carinhos e necessidades. Meu filho disse uma vez, ainda bem novinho, que gostava de uma professora porque ela "é a mesma pessoa quando as mães estão perto e quando não estão". "E quantas não são?", pensei, lembrando da minha própria infância e me dando conta de que era ele, e não eu, que devia responder ao questionário de avaliação enviado para os adultos das famílias, ao final de cada ano. Assim passamos a fazer. Ele que responde porque é ele quem sabe se tal professor/a foi "excelente, ótimo/a, bom, ruim ou razoável". Não eu, que não estava na sala. É ele o protagonista desse processo, aqui no nosso caso. E em todos, se assim permitirem mães, pais e responsáveis.

Neste ano, mais. Fizemos o que foi possível (acredito), diante de um desafio jamais visto ou imaginado. Foi suficiente, estressante, bacana, enlouquecedor? Ajudamos ou atrapalhamos, afinal? Não é porque nos deu trabalho que, necessariamente, funcionou. Temos, nós, maturidade pra escutar a verdade? Porque, de novo, elas, as crianças, é que (mais) sabem. Já conhecemos (porque gritaram, publicaram, fizeram vídeos, piadas e desabafos) todas as questões de professores/as, famílias, escolas públicas e particulares. Com detalhes. 

Sabemos também o que acham psicólogos/as, psiquiatras, pediatras, pedagogos/as, sociólogos/as e mais meio mundo de especialistas cheios de títulos, todo mundo autorizado a falar sobre crianças em tempos de paz ou da guerra que vivemos, ainda longe de acabar. A gente sabe que também é importante, que o que dizem precisa, também, ser considerado. Mas é TAMBÉM e não APENAS. Acho muito louco que só quando se fala em crianças, ninguém considere esse conceito tão discutido, o tal do "lugar de fala". 

É claro que é uma escuta diferente (que precisa ser suave, lúdica, sem pressão e tal), mas especialistas são capazes. Ou deveriam estar habilitados/as. Também as famílias funcionais, se assim desejarem. A dificuldade é perceber criança como protagonista, quando não é pra julgar, recriminar e punir. Só quando "não presta", a criança é vestida de autonomia. "Não presta porque É assim, escolheu fazer o errado".

Há quem creia que são manipuladoras desde o berço, inclusive. Que com dias de nascidas têm toda a maturidade pra se virar sozinhas, pelo menos na hora de dormir. Também são "maduras", desde sempre, pra presenciar tudo que é briga familiar, disputa de guarda, crise, programa sensacionalista. Também pra música erótica e jogo de tiro, porrada e bomba. Só não têm maturidade mesmo, nunca, é pra dar opinião que a vida é coisa de adulto. Só que não. É de todo mundo que está aqui. Em qualquer idade. Cada qual com sua sabedoria, todos/as capazes.

Tenho perguntas, várias. Quando dizem que "crianças estão surtando sem escola", eu queria saber, delas, se estão surtando porque estão sem escola ou porque, agora, não têm a proteção da escola contra famílias disfuncionais. Aí, por exemplo, a volta das aulas presencias seria só "alívio temporário", mas não solucionaria a questão, como muita gente gosta de falar. Mesma coisa para, por exemplo, insegurança alimentar que não se resolve apenas com merenda escolar. Só que a solução, de verdade, dá bem mais trabalho. 

Gostaria de entender, também, por que, apesar de adorarem telas, muitas das que tiveram aulas online, apenas odiaram. Entre as que não tiveram nem isso, queria saber quais faltas foram mais sentidas, das tantas coisas que a escola propõe. Também do que tem sido bom se livrar. A escola construída a partir da criança - essa que já foi ensaiada aqui e ali, mas nunca vira regra - é a única possibilidade digna e perdemos esse bonde toda vez que ele passa.

Há de haver um "discurso da categoria", digamos. Pontos de afinidade, mesmo diante de todas as diferenças sabidas. Neste ano, no qual fomos tão provocados, poderíamos pensar em escutar. Aqui em casa, em nossos infinitos papos, sob o prisma da nossa realidade, saímos do ano letivo achando que aula presencial não precisa ser todo dia, por exemplo. Nunca mais. Que a presença física devia ser opcional e, principalmente, para a troca com os colegas. Que o discurso horizontal devia ser valorizado. Criamos até, em nossas cabeças, o dia da "aula do/a aluno/a" quando, uma vez por mês, o dia seria dedicado a ouvir todas as crianças de cada classe. Aqui, concordamos que escola deve seduzir e acolher, não coagir e obrigar. 

A única dificuldade é que isso se faz dando importância a crianças, estas que ocupam o último lugar da nossa hierarquia social. Porque é possível, sim, seja na rede pública ou particular. Basta que se cometa a "esquisitice" de levar a sério o sujeito, que educar não seja submeter e adestrar, nem na escola nem em casa. Né viagem minha não. Há exemplos incríveis no mundo que é enorme, conforme você sabe. Neste planeta mesmo, onde também há alguma gente que se importa e tenta, além de mais de dois bilhões de pequenos/as professores/as absolutamente aptos a nos ensinar. No mínimo, sobre eles/as mesmos/as, mas até - procure saber - muito mais. Basta que a gente faça silêncio e se disponha a escutar.