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Kátia Borges
Publicado em 21 de março de 2021 às 07:00
- Atualizado há um ano
De onde vim, trago lições de generosidade. E mesmo as que não aprendi na infância, têm sido úteis. Aceito que nunca serei como minha mãe, não tenho a mesma coragem. Encarar o horizonte sombrio sem rendição, como sei que ela faria hoje. Se acreditasse em signos, diria que esse é o espírito dos que nascem com o sol em Escorpião.
Eu não, soturna cabra, escalo árvores e montanhas, e acomodo toda a minha força no que ainda falta do percurso. Se teimo sem cessar é com medo mesmo. Se me lanço ao espaço, nave sem aparatos técnicos, é por absoluta necessidade. Parar não me traria santidade ou quietude. Só no movimento rumo, encontro forma de sossego.
Morrer de pé como nos faroestes, a mão no coldre, a arma carregada de palavras. Do lado oposto, o inimigo tem a mesma cara. O que aponta para mim é o silêncio. Cabeça erguida, penso, para não perder um único movimento do balé das aves. As estações do ano ignoram o sofrimento como se acenassem para trens que partem lotados.
Ah, esse é o espírito de quem nasce com o sol em Capricórnio. Esse peso. Paciência, caro leitor. Saiba que os astros me negaram a esperança de virar o jogo aos 29, porque Saturno me envolve até mesmo no ascendente. Não é que não goste. Mas a astrologia popular virou uma espécie de álibi. Deixo quem crê quieto em suas crenças.
Eu, você, nós dois, já temos um passado que nos redime e nos condena. Lembro de ir até Praia do Flamengo consultar uma taróloga. De ter o Mapa Astral assinado pelo especialista mais louco e elegante da cidade. De investir sem falsa modéstia na ideia de que ter um Grande Trígono me fazia ser predestinada a alguma coisa.
É como investigar a que linhagem pertencemos, porque não existiam pedintes ou serviçais numa outra vida, só princesas e príncipes. Ah, sim, um dia me disseram que fui a madre superiora de um convento no século XIX, pobre mulher. E que ela maltratava as noviças indefesas sob seu comando, quase vilã de Big Brother.
Durante algum tempo, perdi a fé nos deuses e nos homens. Bem aí fui testemunha de um milagre. Achei pirraça de Deus esfregar na minha cara que o impossível acontece. Poderia até passar batido se alguém contasse ou se houvesse apenas lido sobre, pois a distância do disse que disse já seria suficiente para alimentar as dúvidas.
Mas não, não havia dúvidas sobre o milagre que me arrastou de volta para a crença em Deus. Milagre é feito chuva, desaba de repente sobre nós, enquanto andamos a descoberto, seguros de que há um destino inexorável que nos protege do alívio de nossas dores. Porque sofrer é, muitas vezes, como ter um signo como álibi.