Somos piores em Matemática: baianos têm pior rendimento na disciplina no Enem

Candidatos da Bahia tiveram desempenho abaixo da média nacional na matéria

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  • Nilson Marinho

Publicado em 15 de agosto de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Agência Brasil/Divulgação

As piores notas dos baianos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) são da ciência dos números e do raciocínio lógico. A nota média dos baianos em Matemática - 479,5 - foi pior do que a média nacional, que já não é boa: 502,7. O cálculo foi feito a partir dos resultados de desempenho solicitados pelo CORREIO ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).

O valor é a mediana das notas dos 332 mil candidatos da Bahia que fizeram o Enem em 2017. Para evitar distorções, foram desconsideradas as notas mínimas e máximas e calculado o valor médio em cima do universo da maioria dos candidatos.“A diferença entre Matemática e outras disciplinas é que o conteúdo é cumulativo. Se eu estou no Ensino Médio, tenho que saber os conteúdos que foram aprendidos no processo até lá. Por isso, as pessoas têm isso de achar que não é fácil e os alunos acabam não estudando a contento”, explica o professor Alexandre Lima, coordenador de área Matemática do Villa Campus de Educação. Em História, um aluno que não sabe nada sobre Revolução Francesa pode responder bem sobre o governo de Getúlio Vargas no Brasil. Mas em Matemática, para entender função exponencial e logarítmica, é preciso saber conteúdo de potenciação, raízes, funções, o próprio logaritmo e por aí vai. Coincidência ou não, é nas Ciências Humanas que os baianos se dão melhor, seguindo a tendência nacional: por aqui, a média foi de 506, enquanto no Brasil foi de 521. 

As dificuldades deles Talvez aquela equação não seja tal difícil assim de solucionar, mas basta olhar os números para bater o frio na barriga. Com a estudante do 3° ano do Ensino Médio do Colégio Estadual Thales de Azevedo, Rebeca Argolo, 18 anos, é assim. Não à toa, na primeira unidade, recebeu da professora uma péssima notícia: nota 3 em Matemática, abaixo da média das escolas públicas, que é 5.  Rebeca Argolo, 18 anos, e Taise Silva, 19, estudantes do Thales de Azevedo, tentam lidar bem com os números (Foto: Marina Silva/CORREIO) No ano passado, ela ficou em recuperação na matéria. Só pôde avançar para o próximo ano com a ressalva de ter que frequentar no turno oposto as aulas de Matemática da série anterior. Com isso veio o desânimo. A estudante sequer realizou a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Fora da escola, a jovem trabalha com os números, em uma empresa de empréstimos. Não teve como escapar da “terrível” Matemática. Mas lá, brinca, tem a vantagem de ter acesso à calculadora. “A maioria dos meus colegas não são bons na disciplina. Eu, por exemplo, nem chego a solucionar as equações porque sei que não consigo. Tenho mais afinidade com a Biologia”, conta a estudante, que pretende prestar vestibular para Administração, curso que exige o conhecimento básico da área. A colega de turma de Rebeca, Taise Silva, 19, também tem dificuldades com os números. Isso porque, acredita ela, a sua base em Matemática no ensino fundamental não foi das melhores. A jovem chegou a fazer a prova do Enem 2017, mas não teve coragem de olhar suas notas. 

“Matemática e Física são um bicho de sete cabeças. Nós, alunos, sempre colocamos dificuldades nessas duas disciplinas, porque exigem muito do aluno. Quando tentamos a primeira vez e não conseguimos, sequer vamos aos livros tentar outra vez. Ficamos desanimados”, comenta.  Gabriela Medeiros é boa em Humanas, mas Matemática não é muito sua praia (Foto: Marina Silva/CORREIO) A estudante do 3° ano do ensino médio da Colégio Salesiano, unidade Paralela, Gabriela Medeiros, 17, também não tem a menor afinidade com os números. Por outro lado, se sai muito bem na área das Ciências Humanas, além de Literatura. As dificuldades com os números começaram ainda no primeiros anos do ensino fundamental e se arrastam até hoje.“Matemática sempre foi um calo no meu pé e hoje eu percebo que, se eu tivesse aprendido de uma forma melhor lá atrás, não me faria tanta falta no Ensino Médio. O terceiro ano é bem corrido, são muitos os assuntos, e acabo tendo muita dificuldade em acompanhar o ritmo”, conta. Professor de Matemática do Salesiano, Cledson Hugo afirma que o aluno precisa de uma boa base na área para concluir o ensino médio e ingressar no superior de uma maneira mais tranquila. Por exemplo: para aprender a geografia espacial, o aluno precisa ter um conhecimento de geometria plana, de unidade de medida, de conversão de medidas e escalas.

“O problema não está simplesmente no aluno ou no professor, o problema maior está na nossa grade curricular. Uma grade extensa e que temos que dar conta, mas tem um parêntese: é muito conteúdo e pouco tempo para ser estudado”, explica.  O professor de Matemática Cledson Hugo alerta para a quantidade de assuntos e o tempo curto para aprender (Foto: Marina Silva/CORREIO) O ensino médio, pontua, é uma faca de dois gumes. Ao mesmo tempo que é preciso avançar nos assuntos que a grade exige, é necessário dar auxilio aos alunos que precisam de um tempo maior para relembrar conteúdos de séries anteriores.  A orientação, diz o professor, é que o aluno procure ajuda fora da sala de aula, como aulas particulares. É o que faz Gabriela, que tem ajuda de um professor que a auxilia na resolução das contas. Na última prova do Enem, a estudante tirou em Matemática algo em torno de 600 pontos. 

Também estudante do 3° ano do Salesiano, Caio Almeida, 17, por sua vez, teve uma trajetória oposta: criou afinidade com os números desde os primeiros anos do ensino fundamental. Talvez tenha criado gosto pela Matemática pela influência do pai, que é formado em contabilidade. Caio Almeida é bom de contas e aperfeiçoa a aptidão desde cedo (Foto: Marina Silva/CORREIO) À medida que avançava nas séries, os resultados passaram a ser cada vez mais positivos. Ano passado, por exemplo, o estudante foi um dos premiados na Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas (OBMEP), recebendo medalha de bronze pelo bom desempenho na prova. Na primeira prova do Enem, Caio alcançou em Matemática 760 pontos. No ano seguinte, conseguiu o feito de atingir 800. Ele pretende ingressar em algum curso da área da Engenharia.“Como é um calo de muitas pessoas, eu sinto que estou à frente. Com a Matemática é assim: não adianta chegar no ensino médio e aprender tudo, é um trabalho de uma vida toda. Você precisa de uma base”, acredita.A história do colega de classe do Caio, Marconi Filho, 19, é parecida. O pai, embora não seja da área de Exatas, sempre se preocupou em incentivar o filho a realizar contas desde muito pequeno. Ainda na infância, lembra Marconi, o pai realizava junto com ele cálculos matemáticos.  

“Contavámos juntos as moedas e fui, aos poucos, desenvolvendo uma aptidão em resolver cálculos, criando uma facilidade muito grande com a disciplina”, revela o jovem, que vai prestar o Enem pela primeira vez.   Marconi Filho contou com a ajuda do pai para ser bom em matemática (Foto: Marina Silva/CORREIO) Intuitiva e cotidiana O professor Alexandre Lima, do Villa, explica que existe um mito de que a Matemática é uma disciplina difícil, o que contribuiria para que muita gente crie um bloqueio com os assuntos. 

E a Matemática não deveria ser encarada como um monstro pelos estudantes, até mesmo por ser algo intuitivo, de acordo com o professor Cláudio Maurício, o Tio Chico, que dá aulas no Instituto Dom de Educar (Rede FTC). “A Matemática é intuitiva. Ou, pelo menos, deveria ser. Quando você tem uma criança com oito meses, ela não sabe falar, nem contar. Mas se você deixa ela brincar com cinco brinquedos e depois tira três, ela vai sentir falta dos três, de forma intuitiva”, reflete.  Outro problema é que, muitas vezes, a aula de Matemática é reduzida ao piloto e ao quadro, quando, na verdade, muitos outros materiais poderiam ser utilizados. Sólidos em três dimensões poderiam trazer a geometria espacial de forma concreta e jogos físicos ou virtuais poderiam ajudar a desenvolver o raciocínio lógico. 

“Existe um movimento chamado Movimento da Matemática Moderna, que procura aproximar a Matemática do cotidiano dos alunos e mostrar como ela está presente no dia a dia. Isso ajuda a despertar no aluno a vontade de aprender e saber como funciona a matéria”.

Para o professor Emilcon Filho, dos Colégios Vitória-Régia, Sagrado e Atlântis, uma forma de enfrentar as dificuldades é com bastante treinamento, inclusive com os assuntos básicos. “A primeira coisa que o aluno deve fazer é treinar muito as quatro operações fundamentais (adição, subtração, multiplicação e divisão), porque muitos não sabem”, diz. E, depois, esse treinamento deve ser estendido aos outros assuntos e às questões do Enem – mesmo que os temas tenham sido cobrados em provas anteriores. 

Confira aqui o sexto fascículo da série Revisão Enem, do CORREIO.

Formação acadêmica de professores tem déficit  Só que o desafio vai além dos alunos. De acordo com o professor Alexandre Lima, do Villa, há também um déficit na formação de professores. No Ensino Médio, muitos professores, na verdade, não são licenciados em Matemática. São bacharéis de outros cursos, como Engenharia. 

Assim, muitos sabem os assuntos, sabem os conceitos e como responder questões, mas não têm necessariamente os métodos mais indicados para transmiti-los. Os licenciados em Matemática – o curso que forma professores de Matemática – cursam matérias específicas para pedagogia, ao longo da graduação. 

Para o professor Cláudio Maurício, o Tio Chico, que dá aulas no Instituto Dom de Educar (Rede FTC), a falta de traquejo para ensinar costuma ser um problema quando os professores chegam à sala de aula. “Tem professores que saem das faculdades sabendo o conteúdo, mas não sabem a didática”, lamenta. 

Só para dar uma ideia, a grade do curso de Licenciatura em Matemática na Universidade Federal da Bahia (Ufba) conta com disciplinas obrigatórias como Fundamentos Psicológicos da Educação, Metodologia do Ensino da Matemática e Didática e Práxis Pedagógica. 

Só que o problema não começa no Ensino Médio, mas na base. As dificuldades existem desde a formação de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental I, com os cursos de Pedagogia. 

“Tem curso de Pedagogia que você tem um semestre para dar conta da Matemática de uma vida. Esses estudantes (que se tornarão professores) chegam para a formação acadêmica sem uma formação matemática completa também. Isso acaba reverberando e cai nesse ciclo. Depois, os (novos) professores acabam tendo que aprender no dia a dia e não têm formação acadêmica condizente”, aponta Alexandre Lima. 

Nos cursos de Pedagogia da Ufba e da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), por exemplo, as licenciaturas em pedagogia contam com duas disciplinas obrigatórias relacionadas à Matemática – uma por semestre. Já nos cursos da Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), da Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs) e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), há apenas uma disciplina obrigatória sobre ensino de Matemática.