'Terei esperança enquanto o coração bater', diz mãe de mecânico morto no Carnaval

Jeferson teve morte cerebral confirmada nessa quarta-feira (6)

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  • Nilson Marinho

Publicado em 8 de março de 2019 às 15:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Acervo pessoal

Apesar de os médicos atestarem a morte cerebral do mecânico Jeferson São Pedro Almeida, 21 anos, na tarde desta quarta-feira (6), os familiares optaram por não desligar os aparelhos que ainda mantêm os órgãos do paciente em funcionamento. A decisão foi tomada pela mãe, que ainda acredita "em um milagre”. O jovem foi baleado durante a apresentação da banda Olodum no Campo Grande, na sexta-feira de Carnaval (1º).

A morte cerebral, segundo a medicina, é irreversível, mas a dona de casa Joice Pinheiro de São Pedro, 37, tem esperança de que o filho possa voltar a viver. O paciente está no leito 40 da Unidade de Terapia Intensiva 3 (UTI) do Hospital Geral do Estado (HGE) desde sexta."Terei esperança enquanto o coração dele continuar batendo. Depois dos médicos afirmarem que ele teve morte cerebral, eu conversei com meu filho e senti o coração dele acelerando", disse a mãe.  Inicialmente, Joice não pensava na possibilidade de doar os órgãos do filho para ajudar outras pessoas a continuar vivendo. No entanto, de acordo como ela, caso não seja mais possível manter os aparelhos ligados, ela pensará na possibilidade de transplante.

Segundo a dona de casa, o filho comentou, ainda em vida, que aceitaria doar seus órgãos, desde que fosse para familiares próximos, como filho, mãe, irmã e avó. A equipe do HGE ainda tenta convencê-la de que outras pessoas precisam da doação."Vou pensar sobre isso, em ajudar outras pessoas, mas ainda tenho esperança. Não consigo entender como uma bala que atingiu o peito do meu filho afetou a cabeça. Também não tive acesso ao prontuário médico para entender o que houve", comentou a dona de casa. Médicos podem desligar aparelhos Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb), cardiologista e intensivista, Júlio Braga garante que os médicos estão amparados judicialmente para desligar os aparelhos, com ou sem autorização dos familiares. No entanto, segundo ele, geralmente os profissionais optam por dialogar com a família do paciente morto."A equipe médica tem o respaldo legal de desligar, porque o indivíduo está morto legalmente e do ponto de vista científico. Lembrando que é um processo muito criterioso", explica."A morte encefálica não é quando o paciente está em coma ou quando há apenas suspeita. Tem todo um protocolo, os pacientes passam por exames que mostram que o cérebro não tem mais atividade, como eletroencefalograma, arteriografia e doppler transcraniano, que mostram a falta de atividade elétrica ou de sangue no cérebro", completa.

O especialista explica ainda que, se a família não autorizar o desligamento, os médicos até podem ceder e manter os aparelhos ligados enquanto o coração bater, mas não há nenhum sentido em "tomar medidas infrutíferas", como reanimar se houver uma parada ou colocar o paciente em diálise em caso de insuficiência renal, "porque comprovadamente é um paciente morto".

O cardiologista, que garante que alguém diagnosticado com morte cerebral não costuma viver muitos dias, mesmo com aparelhos ligados, lembra ainda que manter um morto em um leito hospitalar é prejudicial, já que tira a possibilidade de tratamento de outros pacientes."Temos que lembrar que há ocupação de um leito inutilmente, com um paciente já morto, sem chance de recuperação e que não responde mais a nenhum tipo de tratamento", reforça Braga.A família não recebe um prazo específico para decidir se doará os órgãos ou desligará os aparelhos. Segundo o vice-presidente do Cremeb, tudo costuma ser dialogado. O ideal, aponta, é que as unidades médicas tenham uma equipe treinada para evitar este dilema, com a ajuda de psicólogos e assistentes sociais.

No caso da escolha pela doação, o médico indica que o ideal é que o transplante seja feito o mais rápido possível. Os transplantes de órgãos como rins e córneas, segundo o especialista, podem ser feitos com indivíduos que já sofreram parada total - quando o coração já não bate mais. Em caso de "órgãos nobres", como coração, o ideal é que a doação aconteça com o órgão ainda batendo.

Relembre o caso Jeferson Almeida estava na companhia da esposa curtindo o Carnaval, quando levou um tiro no peito. Ele foi socorrido para o HGE e teve a morte cerebral confirmada nessa quarta-feira (6). Outras três pessoas foram atingidas pelos disparos e já receberam alta médica. 

Suspeito de ser o autor dos tiros, Edmilson Silva dos Santos Júnior, conhecido como Caroço, foi preso e apresentado na manhã desta quinta-feira (7), na sede do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), na Pituba.

Ao ser apresentado para a imprensa, o suspeito negou o crime. “Eu não atirei em Jeferson, conheço ele e jamais faria isso”, declarou Edmilson.

Além de negar ser o autor dos disparos, ele garante que, no momento da confusão, estava tentando fugir e se defender. A polícia, no entanto, refuta a versão de Edmilson. “As imagens são claras, mostram ele a todo momento procurando seu alvo. Ele diz que não, que queria se esquivar da briga e da confusão. Não é isso que as imagens mostram”, disse Clelba Teles, diretora adjunta do DHPP. 

As imagens citadas pela diretora foram, inclusive, utilizadas pela equipe da Polícia Civil para identificar Edmilson e os demais suspeitos envolvidos na confusão. No vídeo, gravado pelo sistema de monitoramento da Secretaria da Segurança Pública da Bahia (SSP-BA), é possível ver Edmilson vestindo bermuda e uma blusa branca e mantendo a mão por baixo da camisa, segurando o que parece ser uma arma de fogo.   

Questionado sobre os registros, o suspeito alega que usou a estratégia para tentar fugir da briga.“Eu não atirei. Só simulei que estava armado. Era muita gente vindo para cima, eu queria inibir”, disse.Apesar de negar as acusações, Edmilson se apresentou por conta própria no início da noite de quarta-feira (6) na sede do DHPP, acompanhado da mãe. O suspeito já tem passagem pela polícia por envolvimento com o tráfico de drogas na região da Gamboa.     

Briga  Segundo informações da Polícia Civil, a confusão aconteceu depois de uma briga entre grupos rivais. “Uma pessoa de um grupo criminoso foi para um outro lado onde estariam os rivais. Esse grupo correu atrás desse indivíduo e, quando ele chegou de volta ao seu grupo, houve o confronto”, explicou o delegado Alexandre Naritta, um dos responsáveis pela investigação do caso. 

Durante a briga houve disparos em dois momentos. Primeiro, dois tiros feriram as duas primeiras vítimas. Em um segundo momento, minutos depois, foram disparados cinco tiros, que atingiram outras duas pessoas.

Segundo o diretor do DHPP, José Bezerra, uma equipe da Polícia Civil foi ao local logo depois dos primeiros disparos e presenciou a segunda parte da confusão. 

“No momento do segundo incidente com disparos, policiais estavam perto e puderam ouvir, ainda no local. Depois da briga, ele foi conduzido por policiais e liberado, porque já não estava mais em posse da arma”, explicou Bezerra. 

A polícia ainda esclarece que, no momento dessa condução, o suspeito e os outros envolvidos na confusão foram qualificados e fotografados. Essa fotografia, junto com as imagens do circuito de câmeras, possibilitou que as testemunhas envolvidas no fato reconhecessem e identificassem Caroço. 

A arma utilizada nos disparos ainda não foi encontrada. A equipe de investigação conta que foi apreendido no circuito um projétil de calibre 380, que pode ser da arma supostamente usada por Edmilson.

Clelba Teles acredita que o suspeito conseguiu entrar no circuito armado porque sua mãe trabalhava no circuito, vendendo bebidas. “A mãe dele estava atuando no circuito vendendo bebidas alcoólicas. Ele disse em depoimento que entrou no Campo Grande na quinta-feira pela manhã e que só voltou para casa para tomar banho. Ele deve ter entrado de manhã cedo, com o isopor, e escondendo a arma que teria sido utilizada”, esclareceu a diretora adjunta do DHPP, responsável por colher o depoimento de Edmilson. 

Apesar de negar a autoria dos disparos, Caroço admite conhecer os envolvidos na briga. “Ele reconhece que é ele na imagem e que estava presente, presenciando a briga. Que conhece as pessoas de ambos os lados da confusão, mas se nega a dizer quem são”, explica José Bezerra. 

Segundo o diretor do DHPP, a investigação ainda está em curso para que a polícia possa entender o que aconteceu. “A missão agora é buscar identificar os demais envolvidos no fato. Ainda estamos investigando melhor, para confirmar a realização dos disparos pelo Caroço e quem seriam as outras pessoas. Já temos alguns indicativos e descrição física de algumas pessoas que estamos à procura, para poder esclarecer os fatos”, disse.    Caroço nega ter sido autor dos disparos (Foto: Alberto Maraux/SSP) Campo Grande  O ocorrido traz à tona uma séria questão envolvendo o circuito Osmar. O Campo Grande tem se tornado ponto de encontro de facções rivais envolvidas no crime organizado baiano.

Em entrevista coletiva, falando sobre o balanço deste Carnaval, o secretário da Segurança Pública do Estado comentou o assunto.  “Facções marcam até encontros em determinados pontos. É um circuito muito específico, porque tem muitas entradas e saídas. Atrações que chamam mais público e, infelizmente, o público atraindo mais a presença dessas facções criminosas”, esclarece Maurício Barbosa. 

Apesar da briga entre grupos rivais de criminosos, a única vítima fatal do ocorrido, Jefferson São Pedro, não tinha passagem pela polícia. 

* Com supervisão da subeditora Fernanda Varela