Tirando o tempo ruim de letra: baianos contam o que fazem na quarentena

Veja também dicas para enfrentar melhor o isolamento em casa

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  • Hilza Cordeiro

Publicado em 25 de abril de 2020 às 09:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Arquivo pessoal
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O mundo parou. Quase tudo está proibido de funcionar e as nossas saídas resumem-se a idas ao mercado e à farmácia. Se antes dizíamos que não tínhamos tempo para nada, agora, há exatos 40 dias isolados, nos vimos forçados a descobrir o que fazer com todo esse tempo livre. No interior das nossas próprias casas, seja sozinhos ou ao lado daqueles que dizemos amar, as possibilidades de atividades não são poucas e tem gente explorando habilidades e conhecimentos.

Artista plástico e ex-corredor profissional, Carlos Augusto de Oliveira, 82, é daqueles tipos inquietos: percorre a cidade andando, conversa com meio mundo de gente e está sempre inventando arte. Morador do bairro do Tororó e autoproclamado um homem do povo, ele diz que o isolamento é horrível e lhe tira as surpresas e inspirações diárias que só a rua oferece. “Só me fez bem porque pelo menos agora tenho mais tempo para pintar”, conta. Até agora, Seu Carlos já pintou 22 telas expressionistas que retratam a vida cotidiana. Os temas pintados são a típica rotina soteropolitana dos pescadores, baianas de acarajé, dos casarios do Pelourinho, os monumentos turísticos da cidade, gatos e orixás.“Agora eu posso me fixar mais nestes trabalhos. Não adianta, eu só penso na arte em fazer arte. Nasci para ser artista e acredito nas ruas, na periferia. Eu não estou me sentindo muito bem porque não vejo as pessoas, mas estou com meu filho, a família fica mais ligada, a gente conhece mais a família, se aproxima. Com tudo isso que tá acontecendo, eu observo mais a natureza, como vive o ser humano”, acrescenta ele, que já esgotou as telas que tinha e pretende passar a desenhar em folhas de ofício mesmo.[[galeria]]

Com a aposentadoria suspensa desde janeiro pelas revisões que o governo tem feito, ele decidiu passar a quarentena com o filho, Rodolfo, no Vale das Pedrinhas. Autor da pintura de Irmã Dulce, feita sob tapumes no Campo Grande, ele diz que, ao fim do confinamento, quer correr para retocar a imagem da santa e buscar um espaço para expor as artes feitas durante seu período de reclusão. Aniversariante de julho, ele sonha completar 82 anos com o estado já de volta à normalidade.

Acostumada a um ritmo de vida agitado, os primeiros dias de reclusão foram naturalmente angustiantes para a empresária Sandra Borges, 52. Sem ideia do que fazer para ocupar os horários antes tomados pelo trabalho, academia e pilates, ela ficou emocionalmente instável e teve vontade de chorar. 

Até que, nesse meio tempo, começaram a surgir as lives e ela passou a acompanhar, a princípio, as transmissões da cantora Anitta, que exibia seu treino diário às 10h. “Sozinha eu não tinha motivação para treinar, mas vendo a live dela, parece que eu estou na academia”, conta a empresária, que faz os exercícios improvisando aparelhos de ginástica usando cabo de vassoura e quilos de alimento. 

Anitta decidiu pausar as lives, mas Sandra achou outras alternativas e agora acompanha pelo menos cinco transmissões ao vivo por dia dos mais diversos tipos. Só nesta terça (14) fez meditação às 7h30, ioga às 9h30, muay thay às 10h30, fitdance às 11h30 e treino fit às 14h30. “Para não ficar parada, fui achando uns personais e vou fazendo um monte de coisa até dar o horário da noite e começar o BBB [Big Brother Brasil]. Graças a Deus, está bem movimentado o meu dia”, brinca a espectadora.

Para espantar de vez a tensão e o tédio, Sandra também tem aproveitado para se aventurar na cozinha, ao lado das filhas, preparando panquecas e receitas de bolos, dia sim e dia não. “Antes eu não tinha tempo de fazer comida e, por não ter tempo, fazia com pressa e não gostava, preferia comprar”, conta. Sem abdicar da espiritualidade, ela ainda encontra dedicação para assistir lives de culto da igreja evangélica que frequentava.

‘Não conhecia minha cozinha’ A reserva do tempo livre para um investimento em si mesmo parece ser a tônica deste momento. Produtora de moda para cinema e publicidade, Sika Caicó estava habituada às longas gravações de até 12h e não conseguia tempo para arrumar a bagunça do próprio guarda-roupa. As horas que lhe restavam ao chegar em casa só eram suficientes para tomar banho e dormir. 

“Eu não conhecia a minha cozinha, só comia fora, nem gás tinha. Eu tinha forma de bolo e nem lembrava”, conta ela, que redescobriu não só o cômodo, mas também o talento para cozinhar. 

A quarentena permitiu que Sika pudesse limpar os calçados sujos e organizá-los. No seu Instagram, ela aproveitou para dividir a dica de qual produto usar para desamarelar os tênis. Sem conseguir se render à uma pausa, a produtora relata ter sentido ansiedade. “Eu fiquei naquela de preciso ser produtiva, mas comecei a fazer dança do ventre online. Eu tenho uma roupa de cigana que usei no Carnaval e me animei. Coloquei e incorporei a cigana”, diverte-se.

Newton explica Psicóloga clínica, Jamille Façanha interpreta que a natureza dessa procura contínua por fazer algo pode ser explicada com base na física, na primeira Lei de Newton: um corpo em movimento tende a se manter em movimento. Por conta disso, as pessoas estão propensas a levar para a quarentena os valores que costumam cultivar e tendem a ignorar a chamada pausa. Como a sociedade vive um momento em que os indivíduos têm aplicado um extremo investimento na vida profissional, correndo para se capacitar, subir na carreira, isso os leva a um relativo abandono das relações, inclusive consigo mesmo.“Tendemos a excluir a possibilidade real de parar. Afinal quem serei se não produzir? Entramos nesse movimento de super produtividade na quarentena de aproveitar o tempo, fazer tudo aquilo que estava querendo, assistir cursos online, maratonar séries, cozinhar mil coisas”, lista Façanha.Mas essa busca por atividades também pode estar associada à uma espécie de luto antecipado, tal como o diagnóstico de uma doença terminal, indica ela. É mais ou menos quando algo ainda vai acontecer, mas o sofrimento já se apresenta e precisa-se viver tudo antes que esse momento chegue.

Na visão da psicóloga, esta fase já esfriou e as pessoas estão se dando conta de que é insustentável seguir assim. Os sentimentos difíceis batem à porta e é impossível ignorá-los. No consultório dela, um aumento assombroso de pacientes com crises de ansiedade, medo sobre o futuro incerto e questões financeiras, além de relatos de dificuldades de convívio, revelam que a pausa é necessária. “O equilíbrio é a chave. Nem a extrema produtividade nem a paralisação respondem, mas ao aceitar a situação real que se apresenta a nós todos e ao aceitar que vamos nos sentir mal com isso, ganhamos a possibilidade de encontrar um espaço para uma nova rotina”, sugere.Nestes novos hábitos cabem, sim, uma produção, mas não deve ser o único foco. Ao concentrarem-se só na capacidade produtiva, as pessoas podem estar deixando de lado inúmeros outros potenciais que têm e que as fazem sentir-se realizadas. 

Leituras Assim que a vida desacelerou para o personal Adílio de Jesus, 33, ele tomou um choque. Mas o rompante de consciência veio em seguida: não podia ceder à tristeza. Sem tudo o que considerava lazer — academia, praia e trilhas ecológicas —, Adílio retomou prazeres antigos, voltando a ler mais. Agora, pela manhã, depois de meditar, ele toma calmamente um café e lê pelo menos um capítulo de um dos três livros que comprou pela internet: Os segredos da mente milionária (T. Harv Eker), O poder da autorresponsabilidade (Paulo Vieira) e Do Mil ao Milhão (Thiago Nigro). Para Adílio, o isolamento também revelou uma oportunidade de dar mais atenção à mãe, com quem mora. No domingo de Páscoa, o personal deixou de lado o celular e cultivou a conversa com ela.“A parte de frequentar academia foi onde eu mais senti o baque porque ela melhora todo o meu estado físico, psicológico e social, mas acredito que a base de tudo para a vida é o controle emocional para lidar com as situações e esse é um momento mundial de reflexão. Tenho refletido bastante sobre a vida e o meu controle emocional nessa hora está muito ligado à essas leituras”, diz ele, que também tem malhado em casa e, a julgar pelos títulos que tem se debruçado, deve sair dessa quarentena sarado e sabendo os segredos de como ficar rico.  Adílio não perdia um dia de academia (Foto: Arquivo pessoal) 5 DICAS PARA ENFRENTAR MELHOR A QUARENTENAElaboradas com instruções da psicoterapeuta clínica Andréa Lordello 

1. Crie uma nova rotina Com a necessidade de isolamento, muitas pessoas ficaram sem trabalhar ou sem saber bem o que fazer. Para evitar esse sentimento de estar perdido sobre o que fazer com o seu tempo, construa uma nova rotina. Isso vai te ajudar a se organizar mentalmente e orientará suas ações durante o dia. Mas cuidado: só inclua nessa rotina o que você tem certeza que dá conta de fazer. Não adianta muito incluir inúmeras atividades e, no fim, não conseguir realizá-las porque o sentimento de frustração pode ser maior. Se sobrar tempo, inclua mais ações e aí sim isso pode te alimentar positivamente porque você não só deu conta de tudo como ainda teve como fazer algo mais. Pergunte-se: O que preciso fazer amanhã? O que posso dar conta? É certo que preciso arrumar a casa, mas por onde vou começar?

2. Exercícios físicos produzem hormônios de bem-estar Nessa rotina nova, procure incluir a prática de uma atividade física. Ela se faz ainda mais necessária neste momento, já que diminuímos nossos deslocamentos diários. O nosso corpo não está acostumado a ficar muito tempo parado e a ansiedade provocada por esses tempos difíceis pode ter reflexos diretos nele. Se você não tem esse hábito, não é necessário levar muito tempo — 10 minutos podem fazer muita diferença para quem está começando e assim, ao longo dos dias, pode-se aumentar mais minutos. Se você não sabe quais exercícios fazer, busque aulas gratuitas com personais trainers no Youtube. A prática de atividade física ajuda a produzir serotonina e dopamina, hormônios responsáveis pela sensação de bem-estar.

3. Medite Há muita coisa acontecendo ao nosso redor. Você tem observado como o seu corpo está reagindo? A meditação pode te ajudar a entender a sua respiração e os seus pensamentos. A respiração é uma ferramenta contra a ansiedade e essa pausa para se enxergar te ajudará a ver o que está se passando dentro e fora de você. “Às vezes, sentimos uma série de coisas e o que parece mais óbvio sequer passa pela nossa cabeça, que é o reconhecimento de que se está com ansiedade. Desarme a força da ansiedade em pequenos passos a cada dia”, alerta a psicóloga. Se você nunca meditou antes, não comece dedicando 30 min, isso é muito tempo para um iniciante. Vá aos pouquinhos, de 5 min a 15 min ao dia.

4. Tenha tolerância nos conflitos com as pessoas da sua casa Estamos em confinamento e algumas situações que nos incomodam nas pessoas com quem convivemos podem se tornar mais visíveis. Neste momento, não dá para sair e dar uma voltinha para relaxar. Então, tenha mais tolerância, talvez não seja o melhor momento para se discutir grandes questões, principalmente com as pessoas idosas. “Às vezes, a gente acha que o conflito é hora de guerrear com palavras duras para se ganhar a briga e esse é o pior dos processos. Vá no caminho inverso, fale em tom mais calmo”, indica. 

Se está difícil, vá para outro ambiente da casa, respire. Se não for possível evitar a discussão, convide a pessoa a se observar, diga que sabe que ela não está bem, use o humor e ative ela a sair da condição. Para evitar intrigas pela organização da casa, dividam as tarefas domésticas entre vocês, assim evita a sobrecarga sobre uma pessoa. Busque ter momentos em comum juntos, como jogos, cozinhar, ver filmes, lives de artistas. Isso favorece a diminuição de tensões e gera aproximação. Caso você não consiga evitar o conflito, após a briga, pense em tudo o que aconteceu: Por que vocês brigaram? O que disseram um ao outro? Por que responderam daquela forma? A briga era mesmo necessária?

5. Veja notícias e atitudes de esperança Apesar de o novo vírus ter provocado problemas devastadores em todo o mundo, há inúmeros relatos de ações individuais e coletivas que vêm tentando minimizar esses impactos. Tenha em mente que as consequências da pandemia estão sendo vividas por diversas pessoas, não é só com você. Concentre-se em achar soluções para a sua vida, ative a imaginação e saiba pedir ajuda quando precisar. Existem correntes de solidariedade por aí que podem preencher o seu dia com auxílio e informações positivas que vão te dar esperança.  

ONDE VER LIVES DE ATIVIDADES

Ioga: @yogacao, @julidematosyoga, @pequilibrio_wellness, @marcosrojoyoga Treinos: @redealphafitness, @villa_salute, @hammeracademia, @njfuncional, @neicardosopersonal Fitdance: @fitdance Meditação: @vitesse.me Dança do ventre: @patriciacavalcantioficial Jiu-jítsu: @studiocanal_lutas  Judô: @judopaulofraga Livros gratuitos para download: Amazon