Tomando porrada para aprender na sala de aula do século XIX

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  • Nelson Cadena

Publicado em 17 de agosto de 2018 às 05:00

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No século XIX, o aluno de mau comportamento ou com dificuldade de aprendizagem, apanhava. Era um traço cultural arraigado na sociedade baiana, como em todo o país, admitido sem ressalvas pelos próprios pais de família. O jornal Correio Mercantil, em edição de 20 de fevereiro de 1839, explicava que pais de família solicitavam aos professores “o toque de bolos” para seus filhos e recomendavam “o surre”. Outros, ao contrário, pediam menor rigor nos castigos. O castigo corporal aos alunos não era exclusividade das escolas, mas, prática que vinha de casa. Uma caderneta com notas baixas resultava numa surra, às vezes com requintes de violência, uso de chicote de couro, inclusive. Uma lei imperial de 1827 proibiu os castigos corporais, mas não vingou na prática. Alguns pais de família consideraram a lei inapropriada e abusiva.

A chamada palmatória era o método mais usual de castigo para crianças. Consistia em bater na mão com uma regra de madeira de lei, longa e grossa; deixava os dedos vermelhos e doloridos por um bom tempo. Os “educadores” recomendavam que deveria ser na palma da mão esquerda e não mais do que dois ou três batidas, porém, professores mais exaltados batiam nas duas mãos. Era a mais leve das punições. Outros castigos consistiam em bater com cipó grosso trançado, nas pernas ou nas costas, muito praticado na Bahia. A palmatória com férula era a mais dolorosa, usava um objeto de madeira - circular ou retangular - que o professor segurava através de uma haste.

O Barão de Macahubas, Dr. Abílio César Borges, educador baiano reconhecido como um dos luminares de seu século na sua área de atuação, escreveu em 1876 um texto intitulado “Vinte anos de propaganda contra o emprego da palmatória e outros meios aviltantes no ensino da mocidade”. Defendia a extinção definitiva dos castigos corporais em sala de aula e destacava que “a férula, em vez de auxílio, é antes um obstáculo ao desenvolvimento”. Pregava no deserto e no seu colégio esta regra teve pelo menos uma exceção documentada. As palmatórias continuaram por mais sete, oito décadas, com menor incidência e violência no século XX. E sem a mesma complacência dos pais.

Um dos castigos mais chocantes era o da prisão no xadrez da escola, para os alunos internos. Equivalia a uma solitária. No século XX, os castigos corporais já incluíam outros procedimentos: o bufete, que consistia num tapa na cara; o puxão de orelha com força capaz de provocar danos da cartilagem; a palmatória com vara e o chamado belisco de freira, com a ponta dos dedos e unha crescida. Os colégios de religiosos implementavam o ajoelhamento. O aluno ajoelhava-se no milho, no sal grosso, no tijolo, por tempo suficiente até o joelho se ferir, às vezes sangrar.

Praticavam-se ainda os castigos considerados mais amenos, de efeito moral: subir num banco e ficar horas na mesma posição; ficar em pé num canto da sala, olhando a parede; usar orelhas de burro; ficar sem comer no recreio; escrever uma frase um milhar de vezes num caderno, “dever” para ser feito no colégio, ou, em casa. Reter o aluno por uma ou duas horas a mais na sala, era outra forma de punição. Os pais iam buscar no horário informado pela escola. Punição moral, não menos humilhante, era repetir perante os colegas frases em voz alta dando conta de sua burrice, ou, mau comportamento.

Por incrível que pareça muitas destas práticas permaneceram em alguns estabelecimentos, em especial nos internatos, até a década de 1960 e mais do que isso. As leis eram letra morta. De nada valeram as de 1827 que condenavam os suplícios do corpo; a de 1854 (Couto Ferraz) que substituiu os castigos físicos pelos morais e outras tantas no século XX cujo efeito prático foi apenas intimatório, não coibia a ação de “educadores” que “educavam” do jeito que foram “educados”.