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Da Redação
Publicado em 29 de novembro de 2020 às 18:06
- Atualizado há 2 anos
Conteúdo verificado: Post no Facebook atribui reeleição de prefeito de Porto Feliz (SP) a suposto tratamento precoce de 100% da população com hidroxicloroquina e ausência de óbitos após adoção do protocolo São falsas as informações divulgadas em um post no Facebook sobre a situação da covid-19 na cidade de Porto Feliz, no interior de São Paulo. A cidade não é referência no combate à doença por ter tratado “precocemente” toda a população com hidroxicloroquina.>
De fato, o medicamento passou a ser adotado pela cidade em abril, junto com outros remédios também sem eficácia comprovada contra a doença causada pelo novo coronavírus , como a ivermectina. No entanto, para a comunidade científica, não existe tratamento precoce para a enfermidade e não há, ainda, um tratamento com eficácia comprovada. Tampouco é verdade que a cidade tenha tratado 100% da população com o medicamento, como afirma o post.>
É falsa, também, a informação de que o município não tenha registrado nenhum óbito da doença após o “tratamento precoce” ser adotado. A cidade só começou a divulgar boletins em agosto. No dia 1º daquele mês, a cidade já tinha 10 óbitos. Desde então, mais 6 pessoas morreram de covid-19 em Porto Feliz, totalizando 16 vítimas até esta quinta-feira (26).>
A única informação verdadeira do post é sobre a reeleição do prefeito, o médico Dr. Cássio (PTB). Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ele recebeu 92,1% dos votos no dia 15 de novembro deste ano.>
Como verificamos?>
Primeiramente, buscamos o resultado da votação para a eleição municipal em 1º turno, no dia 15 de novembro, no app de Resultados do Tribunal Superior Eleitoral.>
Em seguida, localizamos os boletins epidemiológicos divulgados pela Prefeitura Municipal de Porto Feliz, cidade a cerca de 100 km de São Paulo, e também pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.>
Procuramos por informações sobre a situação em Porto Feliz em reportagens publicadas desde o início da pandemia e, em seguida, buscamos a Prefeitura Municipal de Porto Feliz, que nos respondeu por meio da coordenadoria de Comunicação Social.>
Também contatamos, via Facebook, moradores da cidade que comentaram em uma postagem sobre o cancelamento – por causa da pandemia – de um show, que aconteceria no dia 21 de novembro, no Porto Feliz Tênis Clube. Três pessoas aceitaram falar com a reportagem, sendo uma a respeito do uso da cloroquina e outras duas sobre como funcionou o protocolo na cidade.>
Ouvimos o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, que é professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), e consultamos as publicações da Organização Mundial de Saúde (OMS) a respeito do uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, que é derivada da primeira. Por fim, entramos em contato com o responsável pela publicação no post no Facebook. Ele respondeu que fez uso da hidroxicloroquina e acredita na eficácia científica do tratamento.>
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 27 de novembro de 2020.>
Verificação ‘Tratamento precoce’>
A expressão “tratamento precoce”, usada no post verificado, não é correta. Outras verificações feitas pelo Comprova mostram que a comunidade científica não reconhece a existência de um tratamento precoce contra a covid-19.>
É o que afirma, também, o médico epidemiologista Eduardo Martins Netto, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia. “Não existe tratamento precoce contra a covid. E os riscos [do uso de remédios] são atribuídos ao tipo de medicação que você está tomando. Além do risco de a pessoa ser enganada”, afirma, referindo-se à não comprovação científica de que o uso desses medicamentos tem eficácia contra a covid-19.>
Mesmo sem essa comprovação, uma reportagem publicada pela Agência Pública em outubro mostrou como o prefeito da cidade distribuiu a cloroquina e outros medicamentos numa espécie de coquetel para “tratar” a população contra a doença. Outra reportagem do Estadão mostrou que o protocolo era adotado desde abril.>
100% da população tomou cloroquina?>
Não. No mês de junho, segundo a reportagem da Agência Pública, o prefeito Dr. Cássio disse, numa entrevista via live ao jornalista Alexandre Garcia, que havia distribuído 1.500 kits à população da cidade e que nenhuma das pessoas que fez uso deles morreu ou foi intubada. Essa informação também foi fornecida pela prefeitura a agências de checagem em julho (Estadão, Aos Fatos e Fato ou Fake).>
Mas nem todo mundo recebeu ou mesmo fez uso dos medicamentos – a população estimada da cidade, em 2020, é de 53,4 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Comprova conversou com três moradores da cidade que comentaram no post de uma página do Facebook sobre o cancelamento de um show no dia 21 de novembro, justamente por conta da pandemia.>
Procurada pelo Comprova, a coordenadoria de Comunicação Social da Prefeitura de Porto Feliz respondeu que a informação de que “toda a população fez uso precoce da cloroquina para o tratamento da covid-19 é fake”. A coordenadoria também tratou como falsa a alegação “sobre a cidade não ter tido nenhuma morte”.>
Sobre os moradores>
Realizamos contato por meio de uma página no Facebook com moradores da cidade de Porto Feliz e os questionamos sobre a distribuição de medicamentos para ‘tratamento precoce’ da covid-19. Eles confirmaram a distribuição pelos postos de saúde e nas residências. Segundo eles, essa medida alcançou boa parcela da cidade, que a tomou como medida preventiva.>
Segundo moradores, a prefeitura e unidades de saúde pedem para a população que, no primeiro sintoma, procure de imediato uma “unidade de saúde Sentinela” e a “Santa Casa”. Logo depois, a pessoa é encaminhada para a realização de uma bateria de exames, como hemograma, tomografia pulmonar e eletrocardiograma. Caso não haja alteração nos exames, a pessoa está apta a recorrer aos medicamentos para ‘tratamento preventivo’ e já sai do local com o kit em mãos, antes mesmo do resultado oficial.>
Dentre os medicamentos fornecidos pelas unidades de saúde para o tratamento estão azitromicina, ivermectina e cloroquina, além de anti-inflamatório, coagulantes e remédio para febre.>
Uma das moradoras da cidade com quem conversamos disse que tem histórico de arritmia cardíaca e, por isso, se pegar covid, precisa usar outro medicamento. Segundo especialistas, ivermectina não é indicada para o tratamento da doença. “Eu não fiz uso da ivermectina quando o pessoal do posto de saúde passou na minha casa. Se fosse vacina, eu tomaria”, declara.>
Cidade tem 16 mortes pela covid-19>
O post verificado aponta que Porto Feliz não registrou nenhuma morte após adotar o protocolo de “tratamento precoce” com hidroxicloroquina. A informação também não é verdadeira, e a própria prefeitura da cidade a desmentiu. Para que isso fosse verdade, era preciso que Porto Feliz não tivesse registrado nenhuma morte desde abril, quando iniciou o protocolo. Os boletins começaram a ser divulgados pela prefeitura em agosto e, naquele mês, já havia 10 óbitos.>
Até as 18h desta quinta-feira (26), a cidade tinha 1.441 casos de covid-19 e 16 óbitos, segundo dados do boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A taxa de letalidade na cidade é de 1,12% e o índice de óbitos por 100 mil habitantes, de 29,96. O índice é menor do que o da maior parte das cidades da mesma região – de Sorocaba – com um total aproximado de população. É o caso de Piedade, que tem 40 óbitos e índice de 72,02 para cada 100 mil habitantes; de Salto de Pirapora, com 23 mortes e 50,15 para cada 100 mil; e de Mairinque, com 21 óbitos e índice de 44,27 para cada 100 mil habitantes.>
Passa à frente, no entanto, de outras cidades paulistas maiores, como Assis, que tem mais casos, mais óbitos e população maior, embora um índice de mortes por 100 mil habitantes menores (26,64) e de São Carlos (22,79). A capital, São Paulo, tem letalidade de 4,13% e índice de 116,09 óbitos para cada 100 mil habitantes.>
Esta não é a primeira vez que circula nas redes a informação de que Porto Feliz não registrou mortes pela covid-19. Em julho, o Estadão Verifica, o Aos Fatos e o G1 fizeram checagens que mostravam que a informação era falsa. Naquela ocasião, dia 16 de julho, o Estadão Verifica mostrou que a cidade tinha oito mortes. Pouco antes, em 11 de junho, quando a informação falsa começou a circular, o total era de seis.>
O site oficial da prefeitura mostra os boletins epidemiológicos divulgados a partir do dia 1º de agosto. Naquela data, Porto Feliz tinha 10 óbitos confirmados. Em 10 de agosto, o número chegou a 11 e saltou para 12 em 13 de agosto.>
O 13º óbito ocorreu em 19 de agosto; o 14º em 29 de outubro; o 15º em 4 de novembro e o mais recente, o 16º, em 26 de novembro.>
O que a ciência diz a respeito do uso precoce de cloroquina>
Segundo a OMS, não há evidência científica de que a cloroquina ou a hidroxicloroquina seja eficaz no tratamento da covid-19. Apesar disso, o Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) indica que o consumo da cloroquina cresceu 358% na pandemia.>
No Brasil, o uso do medicamento foi amplamente incentivado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que mostrou a hidroxicloroquina em reunião do G20, em março, e lançou uma campanha do governo federal para incentivar o uso do medicamento, além de ter exibido a caixa do remédio em aparições públicas.>
Antes da campanha, a OMS já alertava sobre os efeitos colaterais e o risco do uso sem comprovação científica.>
Prefeito reeleito>
O médico Dr. Cássio (PTB) foi mesmo reeleito prefeito na cidade de Porto Feliz, com 92,1% dos votos válidos no dia 15 de novembro deste ano. Ele recebeu 25.318 votos. Os outros candidatos a prefeito foram Marola (DEM), que recebeu 5,70% dos votos (1.566) e Miguel Arcanjo (Rede), com 2,21% (607 votos).>
Antonio Cássio Habice Prado é médico com CRM 49282-SP no Conselho de Medicina desde 1984, sem especialidade registrada. Formou-se na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em São Paulo. Dr. Cássio é um dos apoiadores do movimento “Médicos contra a Covid-19” que em agosto de 2020 fez uma caravana pedindo a hidroxicloroquina nas farmácias populares.>
Por que investigamos?>
Em sua terceira fase, o projeto Comprova verifica conteúdos duvidosos que viralizaram na internet relacionados a políticas do governo federal, à pandemia ou às eleições municipais de 2020. A publicação investigada é falsa por afirmar não haver nenhuma morte pela covid-19 na cidade de Porto Feliz, São Paulo, depois de a população ter sido tratada precocemente por hidroxicloroquina. Nesse sentido, a verificação se torna fundamental e ajuda pessoas a não se exporem a medicações sem eficácia comprovada.>
O conteúdo verificado pelo Comprova teve 2,1 mil interações no Facebook, na página Bolsonaro presidente 2022. Na publicação, há uma foto do prefeito recém eleito, Dr. Cássio Prado, com a mensagem de que ele é “ignorado pela grande mídia”. Na imagem há uma marca d’água do lado direito com o texto ‘Capitão Assumção, deputado estadual do Espírito Santo’. O texto apresenta a cidade de Porto Feliz como referência no combate à covid-19 com tratamento precoce da hidroxicloroquina. Outras páginas no Facebook fazem essa mesma afirmação – a que teve mais interações foi publicada no dia 26 com mais de 1.000 compartilhamentos.>
No entanto, essas alegações não são novas. O Estadão Verifica investigou o boato de que Porto Feliz não teria tido nenhum óbito com protocolo de tratamento em julho. A Agência Pública apontou em outubro que a hidroxicloroquina chegou a ser distribuída de porta em porta.>
Falso, para o Comprova, é todo o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma mentira.>
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 28 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas da Rádio Noroeste e CORREIO, e validada, através do processo de crosscheck, por seis veículos: Gaúcha ZH, Estadão, Poder 360, Folha, NSC e UOL.>