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Da Redação
Publicado em 24 de maio de 2021 às 10:29
- Atualizado há 2 anos
Conteúdo verificado: Tuíte diz que o governo federal não assinou o contrato com a Pfizer, no ano passado, para a aquisição de 70 milhões de doses da vacina contra o coronavírus, em favor do acordo fechado neste ano, que prevê a entrega de 100 milhões de doses até setembro. É enganosa uma mensagem publicada no Twitter que sugere que o Governo Federal recusou propostas de aquisição de vacinas da Pfizer em 2020 como estratégia para obter um contrato com cronograma de entregas mais vantajoso em 2021.>
Não há evidências de que a recusa de uma oferta da farmacêutica em dezembro e a ausência de manifestação do Ministério da Saúde sobre propostas anteriores tenham contribuído para a pasta antecipar o recebimento de um volume maior de vacinas até setembro deste ano.>
A companhia, que aumentou seu potencial produtivo do imunizante em 2021, também antecipou o cronograma de entregas de doses para os Estados Unidos e a União Europeia. Registros públicos indicam que o principal impasse nas discussões entre a Pfizer e o governo no fim do ano passado foram as cláusulas de contrato propostas pela empresa.>
A publicação ainda omite que, em agosto do ano passado, a Pfizer chegou a ofertar lotes programados para dezembro e um volume maior de doses no primeiro semestre de 2021, se comparado ao contrato assinado pelo Ministério da Saúde.>
Epidemiologistas ouvidos pelo Comprova afirmam que vidas poderiam ter sido salvas caso a imunização contra o coronavírus tivesse sido iniciada mais cedo. Eles ressaltaram que o governo poderia ter reforçado as compras em contratos futuros – como ocorreu recentemente.>
O Ministério da Saúde e o autor do tuíte foram procurados pelo Comprova, mas não responderam aos nossos contatos até a publicação desta checagem.>
Como verificamos? Buscamos, em matérias publicadas por diversos veículos de comunicação desde o começo do ano, informações sobre o processo de compra dos imunizantes produzidos pela Pfizer. A ideia foi entender a cronologia da negociação com a farmacêutica.>
Depois, acessamos material publicado na imprensa sobre as declarações a respeito do assunto que estão sendo dadas por testemunhas ouvidas na Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado, para tentar esclarecer pontos que ainda não são totalmente claros nesta negociação.>
Também ouvimos dois epidemiologistas para entender as possíveis consequências de se ter adiado o início da vacinação.>
Por fim, contatamos o Ministério da Saúde e o autor da postagem no Twitter, @LorenzonItalo, que não nos responderam até a publicação deste texto.>
O Comprova fez esta verificação baseado em informações científicas e dados oficiais sobre o novo coronavírus e a covid-19 disponíveis no dia 21 de maio de 2021.>
Verificação “Cláusulas leoninas” Ao dizer que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) recusou um contrato de 70 milhões de doses de vacina até em prol de um contrato de 100 milhões de doses, o post omite que um dos principais impasses nas negociações entre a Pfizer e o Governo Federal em dezembro foram as cláusulas dos contratos apresentados pela farmacêutica.>
Após a empresa comentar publicamente as negociações frustradas em janeiro, o governo publicou uma nota em que acusou a companhia de adotar “cláusulas leoninas” no contrato, como um dispositivo que eximia a responsabilização da farmacêutica por possíveis efeitos colaterais ligados à vacinação.>
Discursos do presidente Jair Bolsonaro reforçam que as cláusulas foram um ponto sensível da negociação. “Lá, na Pfizer, tá bem claro no contrato: nós não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral. Se você virar um jacaré, é problema de você”, afirmou Bolsonaro, durante pronunciamento em dezembro.>
O comunicado de janeiro do governo cita que o número de doses iniciais era baixo e causaria “frustração em todos os brasileiros”. A proposta, no entanto, previa quase o mesmo número de doses até o segundo trimestre se comparada à oferta da farmacêutica realizada em fevereiro deste ano, que foi atualizada pela empresa em março e finalmente aceita pelo governo brasileiro. Não há evidência, portanto, de que, como quer fazer crer o tweet verificado, o governo não fechou o contrato no fim de 2020 porque a quantidade de vacinas oferecida era menor que o desejado.>
Em janeiro, segundo uma matéria do Estadão, o governo federal deixou de incluir em uma Medida Provisória (1.062/2021) um dispositivo que permitia que a União se responsabilizasse por possíveis efeitos colaterais da aplicação dos imunizantes. A cláusula faz parte dos contratos que a Pfizer firmou com vários outros países que adquiriram as vacinas contra a covid-19, assim como a exigência de garantias por parte do governo brasileiro — trecho que também foi suprimido da versão original da MP. Um outro texto legal, com previsões similares ligadas à responsabilidade civil e que autorizou que o governo federal fechasse o primeiro acordo com a farmacêutica só foi sancionado em 10 de março.>
Aumento de produção Com mais de 12 mil interações no Twitter, a publicação enganosa afirma que “Bolsonaro recusou um contrato de 70 milhões de doses de vacina até dezembro/21 em prol de um contrato de 100 milhões de doses até SETEMBRO/21.”.>
As propostas iniciais da Pfizer ao governo brasileiro de fato previam a entrega de 70 milhões de doses até o fim de 2021. Também é verdade que o contrato assinado em março deste ano estabeleceu um cronograma com 100 milhões de vacinas até o terceiro trimestre. O que o boato não menciona é que a farmacêutica expandiu sua capacidade produtiva do imunizante e também ofereceu melhores prazos de entrega para outros países.>
O post analisado pelo Comprova remete a uma oferta da Pfizer de 70 milhões de doses realizada em novembro de 2020 e discutida com o Ministério da Saúde no mês seguinte. Recusada pelo governo, a proposta estipulava a entrega de 2 milhões de doses no 1º trimestre de 2021; 6,5 milhões no 2º trimestre; 32 milhões no 3º trimestre; e 29,5 milhões no 4º trimestre, conforme revelou a farmacêutica.>
Antes disso, a empresa havia oferecido, em agosto, três ofertas com seis opções de compras divididas em 30 milhões e 70 milhões de doses. Todas foram ignoradas pela pasta, segundo depoimentos na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre o enfrentamento da pandemia no Brasil.>
As condições da proposta de novembro são semelhantes às de um outro contrato oferecido pela Pfizer em fevereiro deste ano. Depois, outros prazos de entrega foram oferecidos ao governo brasileiro e o contrato com a farmacêutica foi assinado em março. A diferença é que a última oferta envolve um volume de mais 200 mil doses até o primeiro semestre e mais 30 milhões de unidades adicionais nos últimos três meses do ano – o que resultou na quantidade total de 100 milhões de vacinas.>
A proposta da Pfizer finalmente aceita pelo governo tem mais doses não porque o governo brasileiro recusou a primeira oferta, mas sim porque a empresa ampliou sua capacidade de produção.>
Uma matéria do Estadão mostra que em 8 de março a Pfizer apresentou um novo cronograma que atualizou a previsão de entrega de 8,7 milhões de doses, para 14 milhões de unidades até o segundo semestre. A CNN Brasil informou que na mesma reunião a farmacêutica se comprometeu a antecipar para setembro a conclusão da entrega de todas as 100 milhões de doses. Essas condições estão presentes no acordo assinado pelo governo federal com a farmacêutica em 18 de março.>
Ainda na mesma reunião, o ministro da economia Paulo Guedes disse que a farmacêutica teria anunciado no evento um aumento da produção diária da vacina de 1,5 milhão, para 5 milhões de doses. Em janeiro, a Pfizer já havia ampliado a previsão de fabricação anual de doses de 2021 em 750 milhões, totalizando 2 bilhões de doses do imunizante.>
Conforme matéria da revista Veja, a iminente inauguração de uma nova fábrica em Marburgo, na Alemanha, corroborou com o anúncio. Em março, alguns dias depois de ter fechado o contrato de 100 milhões de doses com o Brasil, a empresa ampliou a meta novamente, dessa vez para 2,5 bilhões de vacinas.>
A expansão da capacidade produtiva do imunizante também resultou na antecipação do cronograma de entregas de vacinas para outras nações. Em abril, a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, informou que a farmacêutica antecipou para setembro a entrega de 50 milhões de doses à União Europeia anteriormente previstas para o último trimestre de 2020.>
O presidente da Pfizer também anunciou adiantamentos no cronograma de entregas do imunizante aos Estados Unidos.>
Vacinação antecipada faria diferença A publicação analisada pelo Comprova também não menciona que a Pfizer, em agosto do ano passado, ofereceu ao menos três propostas de 70 milhões de doses com entregas previstas para 2020.>
Uma oferta efetuada em 26 de agosto estipulava remessas de 1,5 milhão de doses ainda no ano passado, 17 milhões até o segundo trimestre de 2021, e outras 51,5 milhões até dezembro. Em vias de comparação, o acordo assinado em março pelo Governo Federal define a entrega de 4,5 milhões de doses a menos até junho na comparação com a proposta anterior da Pfizer, embora estabeleça um volume maior a longo prazo.>
Para o professor de epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Hallal, a narrativa da publicação é “absolutamente ridícula” e ignora os benefícios da vacinação precoce. Segundo o cientista, quanto mais rápido fosse o início da imunização, melhor seria o impacto no combate à pandemia no país.>
De acordo com Hallal, o início precoce da vacinação poderia, por exemplo, diminuir a intensidade da curva epidemiológica observada entre a metade de fevereiro e a metade de abril. Somente neste período, foram confirmadas mais de 130 mil mortes por covid-19 no Brasil, segundo dados do Conselho Nacional de Secretários de Saúde.>
Ele ressalta que “nada impediria que assinado o [contrato] de 70 milhões lá atrás, a Pfizer tivesse ampliado a produção e ofertasse um novo, de 100 milhões esse ano”. Uma situação semelhante, inclusive, ocorreu na semana passada.>
O Ministério da Saúde anunciou um segundo acordo com a Pfizer para aquisição de mais 100 milhões de vacinas. A nova reserva vai somar com a mesma quantidade de doses já contratadas em março pelo Governo Federal, totalizando 200 milhões de unidades, sem prejudicar o acordo anterior.>
Também ouvido pelo Comprova, o epidemiologista e professor emérito da Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais José Geraldo Leite Ribeiro ressaltou que seria preferível iniciar a imunização o mais cedo possível. “Quanto mais rápido aplicarmos a segunda dose nas pessoas, mais rapidamente nós vamos diminuir pelo menos a hospitalização [de pacientes infectados]”, disse.>
Impacto Uma matéria da Folha, publicada em 13 de maio, cita uma estimativa feita por Pedro Hallal, a pedido do veículo, sobre o impacto das 4,5 milhões de doses que seriam entregues pela Pfizer ao Brasil entre dezembro e março, caso o País tivesse aceito as primeiras propostas da farmacêutica.>
O cálculo indica que até 14 mil mortes poderiam ter sido evitadas, dentro de uma margem de erro de 5 mil a 25 mil óbitos. A vacinação precoce também poderia ter impedido 30 mil internações em unidades de terapia intensiva (UTI). Neste caso, a margem de erro varia entre 23 mil e 37 mil ocorrências.>
Para chegar às estimativas, Hallal considerou uma taxa de letalidade do coronavírus em 1% e a taxa de eficácia da vacina de 94%, além da hipótese de que até um terço da população já apresentaria anticorpos contra o vírus.>
Já uma estimativa feita pela Universidade de São Paulo (USP), em parceria com o UOL, aponta que se o acordo de compra de doses tivesse sido fechado no ano passado, o país teria quase 22% da população vacinada pelo menos uma vez contra a covid-19 – um aumento de mais de 8 milhões de pessoas em relação ao número atual de vacinados — 37.729.214, até 20 de maio, segundo dados do Ministério da Saúde.>
Considerando dados do consórcio de veículos de imprensa, o número é menor, mas ainda corresponde a 18,84% da população.>
Por que investigamos? O Comprova verifica conteúdos suspeitos que viralizaram nas redes sociais e que tratam da pandemia da covid-19 e de políticas públicas do governo federal.>
Tuítes enganosos como o do usuário @lorenzonitalo, que teve mais de 13 mil interações na plataforma, são perigosos por distorcerem a real política de imunização e os esforços que foram ou não adotados pelo governo federal para garantir a compra de vacinas contra o novo coronavírus.>
Enganoso, para o Comprova, é o conteúdo que usa dados imprecisos ou que induz a uma interpretação diferente da intenção de seu autor, bem como aquele que confunde, com ou sem a intenção deliberada de causar dano.>
*Esta checagem foi postada originalmente pelo Projeto Comprova, uma coalizão formada por 28 veículos de mídia, incluindo o CORREIO, a fim de identificar e enfraquecer as sofisticadas técnicas de manipulação e disseminação de conteúdo enganoso que surgem em sites, aplicativos de mensagens e redes sociais. Esta investigação foi conduzida por jornalistas da BandNews FM e Estadão, e validada, através do processo de crosscheck, por cinco veículos: Poder 360, Jornal do Commércio, Folha de S.Paulo, Correio de Carajás e UOL.>