Um mês depois, autoridades ainda não identificaram causa das mortes em Paripe

Outros nove casos estão sendo investigados pela Secretaria Municipal de Saúde

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  • Gil Santos

Publicado em 4 de março de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr./ CORREIO

Deitado no chão da sala, de lado e com a cabeça abaixada na direção do peito, Laisson Henrique Machado da Silva, 14 anos, ardia em febre na tarde dessa terça-feira (3). A irmã dele, a dona de casa Jaine Machado, 23, usou um termômetro para monitorar a temperatura do adolescente a cada hora. Ele foi ao médico, mas depois da consulta, mandaram-no para casa.

“Nós passamos a madrugada na Upa. Chegamos por lá mais ou menos 1h e saímos depois das 4h. Não sei o que fazer. O médico mandou ele pra casa, disse que era para dar dipirona, mas depois das mortes que aconteceram aqui, a gente fica assustado. Ele está com febre, dores na cabeça, no corpo, e sentindo enjoo. Não quer comer. A verdade é que ninguém sabe o que meu irmão tem”, desabafou Jaine.

As mortes a que ela se refere são as de Ícaro da Silva Duque, 19, e Luan Bastos dos Santos, 15, moradores da Muribeca, em Paripe, no Subúrbio Ferroviário de Salvador. Moradores são de Muribeca, em Paripe, no Subúrbio Ferroviário (Foto: Betto Jr./ CORREIO) Eles passaram mal, com os mesmos sintomas de Laisson, no começo de fevereiro. Ícaro morreu primeiro, no dia 5 de fevereiro, e Luan depois, no dia 11 do mês passado. Amanhã, faz 30 dias da primeira morte, e as autoridades ainda não sabem o que está acontecendo na Muribeca.

Depois de usar o termômetro em Laisson, a irmã dele vai medir a temperatura do marido, Fabrício Celestino dos Santos, 27, que, deitado no sofá, também ardia em febre. No caso dele, além das dores, há também o agravante de tosse com secreção.“Passei mal no mesmo dia que Ícaro, o vizinho que faleceu no começo do mês passado, tive uma melhora, mas essa semana tive uma recaída. Fui na Upa, me atenderam, disseram que era virose e me mandaram pra casa”, contou.Na semana passada, a Secretaria Estadual da Saúde (Sesab) informou que estava investigando quatro casos de pessoas doentes na região. Esta semana, a Secretaria Municipal da Saúde (SMS) disse que são nove pacientes em acompanhamento. Os dois órgãos e as famílias estão na expectativa dos laudos do Instituto Médico Legal Nina Rodrigues (IMLNR), que apura a causa das duas mortes. Os documentos estão em produção.

Uma médica da rede municipal esteve na comunidade ontem e atendeu Laisson e Fabrício. O adolescente será encaminhado para a Upa de Valéria para receber um tratamento mais específico. Já Fabrício recebeu uma prescrição médica e vai fazer a recuperação em casa.

Ainda segundo a SMS, dos nove pacientes com sintomas similares, cinco já tiveram diagnósticos confirmados. Exames de laboratório confirmam dois casos de dengue, um de zika e outro de chikungunya. Um quinto caso já foi confirmado como cálculo na vesícula, sem nenhuma relação, portanto, com os demais diagnósticos.“Estamos fazendo um trabalho de investigação, testando até doenças como leptospirose e febre amarela, que foram descartadas. É importante dizer que não existe uma doença misteriosa. Isso pode causar uma apreensão nas pessoas”, explica a coordenadora do Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde (CIEVS), Cristiane Cardozo.A profissional destaca ainda que os outros quatro casos que não têm diagnóstico confirmado seguem sendo investigados. “Por conta da região e dos sintomas similares, é possível concluir, pelo que se chama de diagnóstico epidemiológico, que eles estejam com uma das arboviroses. São todos jovens, com idades entre 14 e 28 anos, que provavelmente estão mais suscetíveis a essas doenças por nunca terem tido contato antes”, acredita. 

A médica infectologista Clarissa Ramos explica que esse tipo de diagnóstico realizado por associação é possível em casos epidemiológicos. “Quando se tem pacientes que vêm de uma zona de risco e tem sintomas que se enquadram em um quadro clínico compatível, o médico é autorizado a tratar como se fosse uma dessas doenças. Isso, às vezes, acaba atrapalhando a investigação de novas doenças”, opina.

Alguns casos apurados pelas secretarias já foram descartados. Uma das moradoras contou que o irmão dela deu entrada na Unidade de Pronto Atendimento de Paripe no dia 20 de fevereiro, com dores de cabeça, febre e dores no peito. Ele foi transferido para o Hospital Couto Maia, onde foi diagnosticado com dengue. Foram oito dias internados, e o rapaz já teve alta médica, mas, por precaução, está na casa da mãe, em Plataforma.

Outro adolescente de 14 anos passou nove dias internado, recebeu o tratamento, melhorou e foi liberado. Os moradores contaram que o maior medo é do desconhecido. “A gente não sabe o que é, só sabe que é algum tipo de infecção. Eles precisam descobrir o que está acontecendo para poder evitar que outras pessoas fiquem doentes”, contou Eleninha Santos, tia de Ícaro, e que há dois dias sofre com dores de cabeça.  

*Com orientação do chefe de reportagem Jorge Gauthier