Uma carta aos homens negros 

Linha Fina Lorem ipsum dolor sit amet consectetur adipisicing elit. Dolorum ipsa voluptatum enim voluptatem dignissimos.

Publicado em 19 de setembro de 2019 às 15:13

- Atualizado há um ano

. Crédito: .

Olá carx leitxr! Dedico meu texto de hoje especialmente a duas pessoas que são especiais e importantes para mim: meu companheiro e meu pai. Eles são completamente diferentes, com trajetórias distintas, mas ambos se assemelham, a meu ver, em um detalhe: a capacidade de fazer a autorreflexão de seus “eus” enquanto homens negros. E antes de qualquer coisa, eu peço desculpas a eles por trazê-los ao texto sem os consultar e os agradeço pela troca e aprendizado diário. 

É muito complexo, porque também é doloroso, escutá-los. Porque vão se revelando experiências e vivências muito pessoais e me coloco no lugar deles. E mais do que falar, trocar, conversar, tenho aprendido a escutá-los, e isso tem sido muito pedagógico. Temos muitos diálogos sobre o processo de desconstrução do machismo que os homens precisam passar para termos um mundo mais respeitoso e amoroso. E quando fazemos o recorte para os homens negros brasileiros, que carregam o peso da “coisificação” oriunda da escravização, é ainda mais delicado. 

Como é de conhecimento de todos, a população negra no nosso país carrega um estigma misto de perspectiva sexual, força de trabalho e brutalidade. Herança colonial que foi imposta para nós, que nos assombra e acaba prejudicando as relações afetivas e de cuidado até hoje. E observo a dificuldade dos homens em expressar isso. Vou contar um segredinho: vocês são vítimas, até quando são os algozes. Entendem? Somos todos e todas vítimas de nós mesmos. E vocês não precisam ser de ferro. Legal é ser gente mesmo, de carne e osso. 

Vocês podem chorar. Vocês podem conversar. Vocês podem perdoar. Vocês podem cuidar. Vocês só não podem é fingir e sucumbir, seja por depressão, seja por revolta, seja pelo que for. Nesta semana, por exemplo, a Defensoria Pública do Estado da Bahia nos revelou algo que já sabemos: o sistema penal é seletivo. Ou seja, seleciona os homens pretos para serem encarcerados. Resumidamente, o levantamento realizado entre setembro de 2015 e dezembro de 2018, nos traz os seguintes dados: das 17.793 prisões em flagrante, 16.757 são de homens (94,2%) e 1.025 de mulheres (5,8%), sendo 98,8% de pessoas negras (pretos e pardos) e a maioria de jovens com até 29 anos (68,3%). 

As causas das prisões foram diversas, mas se acentua quando é referente a furto e à lei de drogas, que segue sendo a grande justificativa para prendê-los. Quem não sabe que branco em festa eletrônica pode usar drogas, mas preto em comunidade, não? Por isso que discutir as consequências das intersecções [conexões] entre gênero e racismo são tão importantes. As coisas pegam mais para nós, negros e negras, porque infelizmente ainda estamos em um processo de desconstrução e enfrentamento ao racismo. Pois, “até provar que não, negro sempre é vilão”, trago mais uma vez o Ilê AIyê porque é muito educativo e eu sou muito fã. 

Felizmente tem rolado uma série de rodas de masculinidades e projetos que estão colocando os homens para conversar. No Rio de Janeiro tem o Oboró Masculinidades Negras, peça teatral com direção do ator Rodrigo Franca. Em Salvador tem a roda de diálogos Digaí, do empresário Tiago Azeviche [uma das personas a quem dedico à coluna] da marca de moda masculina Realeza, sendo ambas voltadas especificamente para os homens negros. Outros conteúdos sobre o tema também estão circulando bastante, como o livro “Como fabricar um gangsta?”, do historiador Daniel dos Santos, que fala sobre masculinidades negras na cultura hip hop nos Estados Unidos, e o documentário “O silêncio dos Homens”, que não tem recorte racial especificamente e realizou entrevistas com mais de 20 mil homens - 72% constatou não ter sido criado para demonstrar fragilidade. 

Os homens, em geral, têm caminhado com o machismo de mãos dadas há muito tempo e precisam pegar a visão dessa autodestruição. Não amplio meu debate para as varias masculinidades existentes, porque quis trazer um pouco do que penso para esse perfil específico: homens negros que se relacionam afetivamente com mulheres.

Para finalizar, deixo como sugestão: afetem-se [de afetar mesmo]. Se expressem pessoalmente assim como choram ao ouvir Rap. Se declarem na mesma intensidade quando cantam as letras de pagode. Se engajem na luta contra qualquer forma de violência assim como se dedicam a um jogo de futebol. E se permitam sair das caixinhas heteronormativas. Como nos disse Steve Biko: "estamos por nossa própria conta”. E precisamos de vocês, vivos, orgulhosos e conversando entre vocês mesmos e conosco. 

Ubuntu.