‘Vamos ter que chamar a polícia em qualquer obra que acontecer?’, questiona morador do Santo Antônio

Grupo de operários admitiu ter retirado fios de cobre da rua a mando de um funcionário da obra que requalifica o bairro

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 1 de outubro de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Marina Silva/Arquivo CORREIO

Os moradores da Rua Direita do Santo Antônio Além do Carmo ainda estão tentando digerir tudo que aconteceu no local nos últimos três dias. Nessa quarta-feira (30), após um grupo de operários terem se apresentados como os que retiraram, a mando de um funcionário da Pejota, os fios de cobre que estavam enterrados, o CORREIO esteve lá novamente e conferiu como a notícia mexeu como a população do bairro.  “A gente está preocupado, pois o nosso problema agora não é o roubo do domingo e sim quem abandonou aqueles cabos lá. De quem é a responsabilidade por esse descaso? Se eles não tirassem, os cabos valiosos iam ficar enterrado. E qual o motivo de terem sido abandonados?”, questionou o servidor público Saul Gomes da Cruz, 60 anos.  Ele é uma das pessoas que soube que outros fios de cobre foram retirados da rua no período em que ela estava em obra. “Nós soubemos que tinham tirado do outro lado da rua. Ali tem muita coisa enterrada e que pode ser aproveitada como sucata ou não. Qual é o processo para saber o que pode ser retirado? Nós não sabemos esse procedimento”, disse.  

Essa versão corrobora com o que foi dito pelo grupo de operário na manhã dessa quarta, em entrevista exclusiva ao CORREIO e a TV Bahia. Na ocasião, o grupo afirmou que a primeira relação deles com a construtora Pejota foi quando uma pessoa, em nome da empresa, teria ido na sucata para vender 80 kg de material que teria sido retirado da rua durante as obras.  "Logo depois, nos chamaram para fazer a retirada dos 360 metros de material que tinha sobrado. A gente não desconfiou que poderia ser errado, pois fomos no canteiro de obra e tudo aconteceu num domingo, em plena luz do dia. Não fizemos nada escondido", disseram.  Obra  Por ser funcionária da Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia (Conder), a moradora Márcia Santana é a responsável da comunidade em manter contato com a equipe pública. “Às 9h41 do domingo eu recebi o primeiro questionamento de moradores perguntando o que estava acontecendo. Consegui entender que os fios não eram mais utilizados. O problema é que eles fizeram um verdadeiro arsenal e sem o conhecimento da Conder e o nosso, dos moradores”, disse.  

Para Marcia, a situação já está esclarecida. Ela é a administradora de um grupo de Whatsapp com moradores do local que está passando por obras e reclama do que ela chama de associação constante com a obra do que acontece de negativo no bairro. “Vou me reunir com todos esses moradores para que eles perguntem tudo o que eles querem saber e não haja mais dúvidas”, completou.   Funcionários da Conder tiveram que consertar os estragos deixados (Foto: Marina Silva/CORREIO) O artista plástico Mario Edson, que possui uma galeria no bairro, acredita que tudo isso ganhou uma grande proporção por se tratar do bairro Santo Antônio Além do Carmo. “Esse é agora um problema que a empresa tem que resolver com o seu funcionário. Mas não acho que isso deva atrapalhar as obras. Eu converso com outros comerciantes e eles estão esperançosos de que o local seja mais valorizado depois da obra e, consequentemente, a gente venda mais”, disse. 

Já para Saul Gomes, a situação trouxe uma sensação de insegurança. “A gente poderia estar aplaudindo a obra, mas a forma como ela foi feita favoreceu tudo isso. E agora fica o medo. Vamos ter que chamar a polícia em qualquer obra que acontecer? Como vai ser a nossa segurança se alguém quiser fazer uma obra na rua em dia de domingo?”, questionou.  

Assumiu   O grupo que assumiu a autoria da operação é de quatro pessoas. Eles pretendiam retirar um total de 360 metros de cabos e vendê-los por R$ 6 mil. Eles disseram que fizeram a operação após um acordo feito com o funcionário Thailan Macedo, da construtora Pejota. No domingo, apenas 60 metros de cabos foram retirados, pois houve um rompimento numa tubulação de água. Nesse momento, Thailan teria os orientados a se retirarem do local.  

Eles disseram que não sabiam que se tratava de uma operação ilegal e acreditavam que a empresa Pejota sabia de tudo. "Tivemos três encontros precedentes com o Thailan, incluindo uma vez que foi no canteiro de obras da empresa, no Largo do Santo António. Sempre conversamos com Thailan, que nos apresentou o mapa da obra e disse o local exato que teríamos de retirar os cabos", afirmou o rapaz que se apresentou como líder do grupo.  

Eles fazem parte de uma empresa de sucata do Subúrbio de Salvador e estão com medo de serem identificados, pois estão recebendo ataques de pessoas que o reconheceram nas imagens e vídeos que viralizaram nas redes sociais. O lucro da operação seria divido pela metade: 50% para serem repartidos entre os funcionários que retiraram os fios e os outros 50% ficaria com o funcionário da construtora. 

Os 60 metros de cobre levados já foram vendidos por R$ 800. "Esse valor é inferior ao custo que tivemos para contratar o maquinário e retirar os fios, que foi de 2,2 mil. Ou seja, saímos num prejuízo de 1,4 mil. Queremos que a empresa se retrate e admitia que não somos os culpados", disseram. 

No domingo passado, dia 20, o grupo afirmou também que foi até a Rua Direita do Santo Antônio para tentar fazer as escavações de forma manual, ou seja, sem o auxílio de retroescavadeira. No entanto, eles viram que não seria possível e alugaram uma retroescavadeira por R$ 900 no bairro de Valéria e decidiram vir no dia 27 de setembro. "O dinheiro que tiramos da retirada dos 60 metros de fio deu apenas para pagar o aluguel da máquina", contaram. 

O grupo também afirmou que manteve contato com o setor administrativo da Pejota até hoje de manhã e com o próprio Thailan, que teria dito que "o caso seria abafado".   Trabalhador mostrou conversa que manteve com Thailan (Foto: Reprodução Pedido de desculpas  Após conversar com o CORREIO, o grupo decidiu ir até a casa do cineasta Claudio Marques, para esclarecer tudo o que aconteceu e pedir desculpas. "A gente veio no domingo, pois foi uma orientação do próprio funcionário. Nós acreditávamos que vocês sabiam de tudo isso, não queríamos atrapalhar o descanso de vocês", disseram a Claudio. 

Com a nova versão, o cineasta ficou mais impressionado com a história que aconteceu na sua própria rua, exatamente na frente de sua casa. "No dia do ocorrido, os trabalhadores foram super educados comigo, como estão sendo agora. Se eles cumpriram ordens de superiores, a gente precisa escutar a Pejota e a Conder sobre isso. Reforço que esse episódio só reflete como a obra tem sido feita. Não tenho nada contra em melhorar os bairros de Salvador, mas isso tem que ser feito com mais transparência", disse.  Diretor de Depois da Chuva (2015) e A Cidade do Futuro (2018) , Claudio Marques vive há nove anos no Santo Antônio Além do Carmo (Foto: Marina Silva/CORREIO)  Um dos funcionários que participaram da operação e tiveram sua imagem exposta nas redes sociais desabafou sobre os ataques que vem sofrendo. "Recebi mensagens de números desconhecidos de pessoas me chamando de ladrão de cobre. Ao sair na rua, as pessoas estão dando risada da minha cara e me chamando de ladrão. Para um pai de família, isso é muito triste. Poderia ter tirado o domingo para ficar com minha filha de três anos, mas vim trabalhar para tentar arrumar um dinheiro e levar para ela", disse. 

* Com orientação da chefe de reportagem Perla Ribeiro.