Vandal, Djonga e BaianaSystem fazem ode à coletividade em versão de BALAH IH FOGOH

Rap se transformou nos carnavais e agora busca elevar Vandal a novo patamar na música brasileira

  • D
  • Da Redação

Publicado em 5 de novembro de 2021 às 05:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Filipe Cartaxo
Djonga e Vandal em um dos frames do clipe por Foto: Filipe Cartaxo

Era 22 de outubro de 2018 quando Vandal lançou NOVAH SALVADORH PARTH 2, um single com beat cadenciado no qual ele reclamava que recebia uma série de buquês de rosa falsos, além de acusar o rap de ser mentiroso e fictício. Vandal também aproveitou para reforçar o quanto é amigo de Russo Passapusso. Três anos depois, num 22 de outubro de 2021, Vandal lançou uma versão de sua música mais conhecida após uma série de transformações que a canção sofreu graças às experimentações de Robertinho, Junix, Ícaro Sá e os próprios Russo e Vandal - que está cada vez mais frontman do Baiana. Junta-se tudo isso às recepções do público durante a folia e um verso ácido, arrebatador e agressivo do rapper mineiro Djonga, além do áudio de uma mulher indígena presa no Baixo Sul da Bahia após cantar a música na frente de policiais e pronto:está feita a ode à coletividade. É disso que se trata a nova versão de BALAH IH FOGOH. 

A música está disponível nas plataformas de streaming e teve o vídeo publicado no YouTube. A versão original da música foi lançada há seis anos na mixtape TIPOLAZVEGAZH, escrita após Vandal receber a ligação de um amigo, quando ainda vivia num contexto de criminalidade. A ideia de ser um hino de revide, como explica o próprio Vandal, e a nova versão da canção reafirma esse potencial de resposta a um mundo racista, marca uma série de novas possibilidades em sua carreira e abre caminho para o lançamento do primeiro disco de estúdio.

“Basicamente, soa como remix. Mas eu chamo essa música de clássico, grito, um hino. Não é nem um hit. Essa versão nova teve vários gatilhos. Eu cito dois como principais: primeiro, o trio elétrico. O Navio Pirata. Entender como uma música pode ser moldada, como ela foi se transformando ao longo dos anos. O BaianaSystem tem isso, muito de espontaneidade. Junix toca guitarra, Betinho, SekoBass, estão sempre se testando, se empurrando para criar possibilidades. O próprio Russo, conversamos muito. Sai um refrão na hora, uma versão na hora. É algo construído a muitas mãos”, afirma Vandal. Músicos do BaianaSystem no estúdio (Foto: Filipe Cartaxo) Acesse o CORREIO AFRO aqui

O outro ponto citado por Vandal foi a prisão de Fernanda Jokana Pataxó, mulher indígena da Aldeia Coroa Vermelha, baixo Sul baiano. “Ela estava cantando BALAH IH FOGOH com os amigos, os policiais passaram, se sentiram atacados, se sentiram mal com o conteúdo de revide da letra e fazem a detenção de Fernanda. Isso mobilizou a cidade dela e eu fiquei muito sentido com a situação. [Após a soltura] Ela me mandou um áudio, que aparece no fim do clipe. É um áudio muito verdadeiro e genuíno. Um desabafo, um revide. Eu pensava muito que precisava entregar ao povo essa situação, precisava contar essa história”, afirma. 

Com esses fatores, o convite para Djonga participar da versão foi praticamente natural. Os dois se conheceram após um show do BaianaSystem no Festival Coala, em 2019. Russo Passapusso explica que o Baiana foi uma ponte entre os dois discursos e se mostrou satisfeito em ver a banda fazer esse papel. “Essa faixa é uma espécie de renascimento. Ele tem uma carreira muito forte na relação local muito forte, as pessoas em Salvador já a conhecem. Acho que estamos dando um aspecto nacional para Vandal. Djonga fala fogo nos racistas, Vandal fala bala e fogo. Há muita relação entre os dois. Quando vimos Vandal e Djonga, fizemos uma ponte instantânea, e a ponte é o BaianaSystem como banda”, explica Russo.

LEIA TAMBÉM: Vandal: 'Eu não tenho mais tempo para infelicidade'

Quem vê o projeto pronto pode imaginar que foi algo construído em pouco tempo, mas a realidade é que desde 2019 que essa nova versão de BALAH IH FOGOH é construída. Além do laboratório de rua no Carnaval, os testes feitos por Junix (guitarra), SekoBass e Ícaro Sá (percussão) dentro do estúdio foram amadurecendo e o BaianaSystem aproveitou para desacelerar toda a produção, esperando a música avisar quando estava pronta. 

“Fomos criando um processo diferente de fazer essa melodia dentro da música de Vandal. Estudamos bastante. Ícaro estudou como colocar o samba, o pagode. O time daquela forma de tocar esse ritmo nosso está diferente. Há dois anos colocamos para cozinhar, sem pressa. O processo do Baiana é muito isso”, diz Russo.

Segundo o cantor do Baiana, esse processo de trazer Vandal para trabalhos com banda é muito interessante, porque ele entende que a vida de um MC pode ser muito solitária, principalmente com os recursos tecnológicos atuais, em que o rapper pode fazer o próprio beat, mixar, masterizar e disponibilizar os seus trabalhos. “Hoje vemos muito poucas bandas. É mais fácil as pessoas terem carreira solo pelo mercado, as plataformas, o retorno financeiro. Existir como banda é um movimento até político, social. A solidão de um celular se parece muito com esse processo dos artistas sendo singulares. Vandal entendia a banda, tudo isso, e fomos alinhando”.

[[galeria]]

Antes mesmo de BALAH IH FOGOH, Vandal já tinha assumido os vocais do BaianSystem na música CertoPeloCertoh, do disco O Futuro Não Demora, que venceu o Grammy Latino. Naquela oportunidade, Vandal cantou em cima de um Samba Reggae feito por Mestre Jackson. “Ele tá lá cantando sozinho no disco do Baiana essa faixa. A mãe dele fala com ele ali no início da faixa, no samba reggae. BALAH IH FOGOH é uma continuação dessa história que estamos trabalhando com ele. Quem entender CERTOH PELOH CERTOH, BALAH IH FOGOH faz cair a ficha. É um processo de vida, uma caminhada contínua. Essa música reconhece o BaianaSystem como processo artístico, não por um cantor ou a guitarra baiana”, pontua Russo.

Todo esse processo torna o hino BALAH IH FOGOH uma ode à coletividade. Segundo Vandal, ele entendeu de vez que não é um artista que precisa de rótulos ou se encaixar em caixas como o rap, o trap, ou mesmo o drill e o grime - de quem tanto gosta. “Eu me coloco como um dos artistas que tem menos recurso e mais faz. Eu consigo mobilizar, movimentar. O BALAH IH FOGOH é um passo de uma movimentação que existe há mais de 10 anos e coroa um momento, essa fase de conquistas e realizações coletivas”, afirma Vandal.Com tudo isso, o seu primeiro hino também abre alas para o primeiro disco de estúdio. Só durante a pandemia, foram mais de 50 músicas prontas. O desejo do artista era sair com 20 músicas, mas ele foi convencido a ir afinando e agora tem pelo menos dois discos e uma série de singles prontos. Ele preferiu manter o nome e detalhes em segredo, apenas confessou que a primeira ideia era batizá-lo como ‘VANGUARDAH’ e fazer o lançamento, no máximo, até o primeiro semestre de 2022. Mas é possível sair antes mesmo deste ano acabar.