Vende-se felicidade: Salvador impulsiona negócios através de história e clima festivo

Conheça histórias de empreendedores que conseguem se destacar por apostar em Salvador

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  • Donaldson Gomes

Publicado em 29 de março de 2019 às 05:40

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Evandro Veiga

Que tal um pouco de cultura aí na camisa? Dá pra colocar um Pelourinho aí na startup? E aquele souvenir vem com a arquitetura da mais antiga capital brasileira? Sempre que a resposta for “sim”, o consumidor estará diante de produtos ou serviços inovadores, capazes de se diferenciar mesmo em mercados pra lá de competitivos. Eles vendem Salvador, o estado de espírito do soteropolitano, expressões culturais centenárias e 700 quilômetros quadrados (km²) únicos em meio aos 510 milhões de km² do planeta Terra. Dinheiro pode até não trazer felicidade, como diz o ditado popular, mas felicidade traz dinheiro por aqui. 

Nos últimos dez anos, foram criadas quase 77 mil empresas ligadas as segmentos de lazer e entretenimento em Salvador. Outras 37,5 mil foram extintas no período, de acordo com dados da Junta Comercial do Estado da Bahia (Juceb). O saldo no período foi de quase 40 mil novas empresas, com atividades ligadas ao patrimônio cultural e ambiental, esportivas de recreação e lazer, cinematográficas, produção de vídeos e programas de televisão, além da gravação de som e edição de música.  

Mesmo nos anos de maiores dificuldades para a economia brasileira, o volume de empresas ligadas ao lazer e entretenimento se manteve maior que o das que fecharam as suas portas. Mas não são apenas as atividades diretamente relacionadas ao lazer e entretenimento que podem se apropriar da cidade como um diferencial competitivo. 

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Salvador no peito Uma rápida caminhada por um shopping de grande movimentação, qualquer um deles, e a constatação é óbvia: camisaria é um dos negócio que estão em alta. Embora não haja pesquisas com dados sobre o assunto, as vitrines mostram as mais diversas opções. Quer de estampas engraçadas? Tem. De super-heróis, ou super-vilões? Claro, só escolher. E que tal se destacar da concorrência, com modelos que exaltam a baianidade? Foi este o segredo pra o sucesso da Soul Dila. Marcelo Landeiro criou a Soul DIla há dez anos (Foto: Betto Jr) A proposta foi transformada em negócio há dez anos, lembra Marcelo Landeiro, 31 anos. “Tinha todo o tipo de estampas em camisas, aí pensamos 'por que não destacar a nossa terra?  Hoje eu posso te dizer que eu não vendo camisas, a gente vende Salvador, este é o nosso negócio”, afirma Landeiro. 

As primeiras 70 camisas foram comercializadas contando com as indicações de amigos. Hoje a empresa possui 8 pontos de venda, além do e-commerce, que tem no público fora da Bahia a maior parte da clientela. Além dos três sócios, a marca emprega mais 50 pessoas, envolvidas em todo o processo de fabricação dos produtos, sempre inspirados nas coisas da Bahia. Já teve coleções baseadas na catuaba, piaçava, pitaia e o sempre presente dendê. 

Os planos de expansão passam pelo processo de revenda dos produtos em lojas multimarcas e a abertura de unidades em Villas, Feira de Santana e Aracaju, ainda este ano. “Estamos crescendo na crise. Vimos muitas lojas fechando, mas nós estamos em expansão”, comemora Landeiro.  

“Qualquer elemento importante para a baianidade pode vir a ser utilizado por nós”, explica Landeiro. Na mais recente coleção, os homenageados foram os blocos afro. “Além da valorização cultural, tem o pagamento de royalties, que é uma outra maneira de apoiar”, explica o empresário. 

Tecnologia Se na Soul Dila, os encantos da capital baiana são o diferencial do negócio, na Go On, Salvador é o negócio. A startup, criada em 2017 a partir de um hackathon promovido pelo CORREIO, oferece uma espécie de Uber para quem busca o serviço de guia turístico na capital. Inicialmente, o serviço está disponível apenas para o roteiro do Centro Histórico, mas até o final deste ano deve ser ampliado para a Barra e Rio Vermelho, além de roteiros turísticos pouco tradicionais, como os bairros da Liberdade e de Plataforma, no Subúrbio Ferroviário. 

Após o Hackathon, um ano de consultoria do Senai Cimatec e uma injeção de capital de R$ 150 mil, de um edital voltado para o desenvolvimento de cidades inteligentes, da Prefeitura de Salvador, a Go On decidiu “pivotar” – um ajuste de trajetória, como se diz no linguajar das startups. 

“Após uma série de ajustes, chegamos à plataforma Go On, que é um Uber de guias de turismo. Só não vem com o carro”, brinca um dos sócios do negócio, Marcus Casaes, 37. Com a solução, é possível encontrar um guia credenciado a exercer a atividade, com todos os registros necessários, imediatamente, ou pré-agendar o serviço, no caso de quem ainda está planejando a viagem para Salvador. 

O acesso à plataforma se dá pela internet, através do www.guidegoon.com. A opção por um site e não um aplicativo visa facilitar a vida do usuário. “Um aplicativo criaria uma barreira de acesso, porque as pessoas teriam que baixar, consome memória do celular. Assim, é só entrar pelo navegador”, explica. A sensação de estar num aplicativo se dá pela tecnologia responsiva, que ajusta a plataforma ao tamanho da tela do aparelho. 

A Go On começou pequena, conta com cinco integrantes, mas possui planos audaciosos. “A avaliação que temos dos turistas que já utilizaram é muito positiva, porque o guia é o último elo da cadeia de turismo e é aquele que tem contato direto com o viajante. É muito bom ter acesso ao profissional certo e é isso que oferecemos”, explica Casaes. 

O sócio da Go On explica que um dos objetivos da plataforma estender o período de permanência dos visitantes em Salvador. “Os roteiros são projetados para mostrar ao visitante coisas que ele nem saberia que existe sem nós”, explica. No último verão, foi oferecido, em fase de teste, um roteiro cultural, gastronômico e histórico pelo Subúrbio Ferroviário. 

“Fizemos uma inserção, com guias capacitados no turismo de base comunitária em Plataforma. Foi uma oportunidade para apresentar a primeira fábrica de tecidos da Bahia, igrejas, a Enseada dos Taineiros e restaurantes que mesmo alguns soteropolitanos desconhecem”, contou. “Para a cidade, é algo maravilhoso conseguir fazer o turista ficar por mais tempo”. 

Amor eterno O artista plástico Tirson Fernandes, 46, viveu por 20 anos em Salvador. Hoje reside em Mata do São João, onde leciona artes plásticas. Mas apesar da distância física, a capital da Bahia jamais deixou o seu imaginário. As duas décadas por aqui mudaram irreversivelmente a sua arte, baseada no trabalho com cerâmica. “Fazia casinhas de barro, bichinhos e personagens de livros, até me deparar com a arquitetura de Salvador”, conta. Tirson Fernandes viveu por 20 anos em Salvador (Foto: Divulgação) O pai, preocupado em dar a melhor formação cultural possível aos filhos, gostava de levá-los sempre ao Pelourinho, lembra. “Isso começou antes até da restauração, mas aquela arquitetura, aqueles casarões mexeram comigo de um jeito até difícil de explicar”, lembra. 

Formado em artes pela Universidade Católica, Fernandes passou a reproduzir elementos da cultura baiana presentes na capital. “Eu faço baianas, casarões, fachadas, a Lavagem do Bonfim”, diz. E o produto da paixão extrapola as fronteiras do estado tanto nas malas dos visitantes que encontram os souvenirs em lojas de lembrança, quando em unidades de uma rede de lojas nacional especializadas em decoração. “O produto mais procurado é sempre o casario. Recebo muitas encomendas”, diz.   

Tem o que mostrar  O secretário Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo de Salvador, Sérgio Guanabara, destaca o  potencial que a cidade tem para a área de serviços. “Nós do poder público introduzimos um planejamento, que potencializa a capacidade da cidade de desenvolver eventos e por outro lado nos dá folga para fazer investimentos de requalificação da própria cidade. Salvador é uma cidade cuja principal vocação é para o setor de serviços”, destaca o secretário. 

“Uma cidade bem cuidada é importante tanto para a melhoria da qualidade de vida de quem vive aqui, quanto para gerar oportunidades de geração de emprego e renda”, ressalta. Ele cita como exemplos o Festival da Virada e as mudanças no tradicional Carnaval. “A população vibra com a sua cidade, mas o Festival da Virada e o Carnaval são momentos de enorme importância econômica. Salvador voltou a ser um destino turístico desejado e isso é fundamental para o setor de serviços”, aponta. 

Para o analista do Sebrae-Ba, Fabrício Barreto, a aposta na cultura para diferenciação sempre rende bons resultados no mundo dos negócios. “Quando um produto investe na cultura, na beleza natural, ou vende uma história, há um valor adicional incrível”, destaca. 

Ele acredita que Salvador tem um enorme volume de oportunidades para quem deseja “vender” os encantos da cidade. “A maior riqueza que a cidade pode oferecer ao visitante é o seu sotaque, seu jeito de viver, a moqueca, o camarão, feitos de um jeito que só se encontram aqui”, acredita.